Morre Cristiana Lôbo, jornalista e comentarista da GloboNews, aos 64 anos - Jornal O Globo
Política Obituário

Morre Cristiana Lôbo, jornalista e comentarista da GloboNews, aos 64 anos

Analista de política trabalhou por 13 anos no GLOBO. Ela deu entrada no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, no último fim de semana para tratar uma pneumonia
A jornalista Cristiana Lôbo Foto: Miguel Sa / Infoglobo
A jornalista Cristiana Lôbo Foto: Miguel Sa / Infoglobo

RIO — A jornalista e comentarista política Cristiana Lôbo, da GloboNews e do site g1, morreu nesta quinta-feira, em decorrência de um mieloma múltiplo, câncer do qual se tratava há alguns anos e que foi agravado por uma pneumonia contraída nos últimos dias. Ela tinha 64 anos e estava internada no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Lôbo, referência em elegância e no cuidado que tinha ao apurar e transmitir as notícias, abriu portas para as mulheres no jornalismo político com sua generosidade e pioneirismo. Ela deixa o marido, Murilo, dois filhos, Gustavo e Bárbara, e dois netos, Antônio e Miguel.

Uma das principais e maiores analistas de política do Brasil, Cris Lôbo começou no GLOBO, casa em que ficou por 13 anos, ainda como estagiária, em 1978. Natural de Goiânia, iniciou sua carreira cobrindo política no estado de Goiás até se mudar para Brasília para trabalhar na sucursal do jornal.

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No período que esteve no GLOBO, passou pelas colunas Panorama Político e Coluna do Swann. Em 1992, se despediu da casa para se tornar colunista no “Estado de S. Paulo”. Em março de 1997, estreou na GloboNews, passando a integrar o time de comentaristas do Jornal das Dez — analisando os principais fatos da política e dos bastidores do poder.

— O Brasil perdeu uma das mais dedicadas e competentes analistas da cena política nacional. Brasília perdeu sua representante mais autêntica do jornalismo cosmopolita contemporâneo. Os amigos de Cristiana perderam muito mais do que isso. Com Cristiana, partiram pedaços de nossos corações — afirma o colunista e ex-diretor de redação do GLOBO Ascânio Seleme.

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Na TV, comandou o programa Fatos e Versões, em que convidava jornalistas para comentar as notícias e fatos políticos mais recentes. Descrita como generosa por amigos e colegas de profissão, foi por meio do programa que levou para televisão alguns dos principais comentaristas políticos atuais, como Valdo Cruz, Andréia Sadi e Natuza Nery. Lôbo ligava para as redações dos jornais e revistas para perguntar aos coordenadores e diretores por nomes que deveriam ir ao programa.

A elegância da jornalista e a preocupação que tinha em passar a notícia da melhor forma se tornaram sua marca registrada. Como uma reverência ao espectador, fazia gestos a quem a assistia para, juntando as duas mãos, mostrar que sua apuração era “para você”.

— Uma vez ela falou isso para mim. Ela tinha tanto respeito ao telespectador que trocava de blusa para o Jornal das Dez. Ela passava o dia inteiro com a mesma roupa, porque o noticiário era uma loucura, e, quando chegava ao fim do dia, ela trocava de blusa para ser tipo: “apurei uma coisa nova, estou aqui nova para poder passar o que eu apurei depois das 15 vezes que vocês me viram no ar” — relembra Andréia Sadi.

Lôbo se dedicou ao jornalismo por mais de 30 anos. Foto: Divulgação
Lôbo se dedicou ao jornalismo por mais de 30 anos. Foto: Divulgação

Mesmo com mais de três décadas de carreira consolidada, Cris Lôbo continuava apurando e correndo atrás do furo do dia. O Salão Verde da Câmara dos Deputados era seu habitat natural, conforme Sadi a descreve. Após a morte da jornalista, Lôbo recebeu homenagens de políticos dos mais diversos espectros , do PT ao MBL, passando por membros do governo.

Valdo Cruz, seu colega na GloboNews, destaca que a “generosidade” e o “coração grande” da jornalista não a impediam de confrontar autoridades quando estava em busca da informação correta.

— Ela não tinha medo das fontes, as fontes tinham medo dela. Era incisiva. E com isso ganhou respeito com as fontes em Brasília — diz Valdo, que ressalta o pioneirismo da colega em levar o jornalismo sobre os bastidores de política e da economia para televisão: — É nossa decana. Vai seguir sendo uma grande referência para quem faz jornalismo de política em Brasília e na TV.

O trabalho sempre foi uma das prioridades de Lôbo, que chegou a abrir mão de uma viagem de férias para um “pão de queijo” com o ex-presidente Itamar Franco, na época em que ele era ainda o titular do Palácio do Planalto. Ela mesma contava a história, como o fez no especial da GloboNews ao lado de sua filha, Barbara, relembrando que estava já no avião quando decidiu voltar e encontrar o mandatário para entrevistá-lo.

— Trabalhar com ela era não desistir nunca de correr atras da melhor informação. Saber cobrar, sem agredir entrevistados. Não ofender, nem os mais comprometidos. Não conheci jornalista tão obstinada com a notícia. Além de ser um ser humano generoso e amoroso com os colegas e amigos — ex-diretora de jornalismo da Globo.

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Mesmo que vivesse intensamente a política, Lôbo nunca deixou de degustar e se aprofundar em outros assuntos. O colunista do GLOBO Merval Pereira, com quem a comentarista trabalhou desde seus primeiros anos na capital, lembra que a amiga ligava para ele para comentar de temas diversos.

— Era uma pessoa interessada em mil assuntos. Gostava de teatro, de música, de arte. Era uma pessoa múltipla — conta Merval, que completa: — Ela gostava tanto de eleição que se interessava pelas eleições na Academia Brasileira de Letras. Toda vez que tinha eleição, ela me ligava para perguntar quem é que ia ganhar, como é que estava. Dava o palpite dela. Ela era assim.

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Cris Lôbo, ou "Lôba", como era conhecida pelos amigos, foi pioneira no jornalismo político pela sua forma de comentar e noticiar os fatos mais importantes da política e do país, de um jeito simples, direto e com uma leve ironia. Mas também revolucionou ao ser uma das primeiras mulheres a cobrir política na época, como define Andréia Sadi, “em que tudo era mato”.

— Ela levou o jornalismo político e na TV nas costas sozinha ao longo de não sei quantos anos. Quando tudo era mato, ela já estava abrindo portas e entrando em lugares que para mulher sempre foi mais difícil, porque são lugares masculinos. Eu brincava que ela tinha acesso livre a qualquer governo e a qualquer liderança política. Ela abriu portas para outras gerações de mulheres — conta Sadi.

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Mieloma

O mieloma múltiplo é o câncer de um tipo de células da medula óssea chamadas de plasmócitos, responsáveis pela produção de anticorpos que combatem vírus e bactérias.

No mieloma múltiplo, os plasmócitos são anormais e se multiplicam rapidamente, comprometendo a produção das outras células do sangue.