(PDF) Henrique V | André Eduardo Fernandes - Academia.edu
OPEN ACCESS LETRAS DE HOJE Studies and debates in linguistics, literature and Portuguese language Letras de hoje Porto Alegre, v. 57, n. 1, p. 1-14, jan.-dez. 2022 e-ISSN: 1984-7726 | ISSN-L: 0101-3335 http://dx.doi.org/10.15448/1984-7726.2022.1.42012 SEÇÃO: TEMÁTICA LIVRE Henrique V: o rei vitorioso e a responsabilidade fiscal nas peças históricas de Shakespeare Henry V: the victorious king and the fiscal responsibility in Shakespeare’s historical plays Enrique V: el rey victorioso y la responsabilidad fiscal en las obras históricas de Shakespeare Luiz Ricardo Cavalcante1 orcid.org/0000-0003-1894-7238 luiz.ricardo.teixeira.cavalcante@ gmail.com André Eduardo da Silva Fernandes2 orcid.org/0000-0001-6296-8656 andreedu@hushmail.com; deundoarreda@gmail.com Recebido em: 21 out. 2021. Aprovado em: 31 maio 2022. Publicado em: 30 set. 2022. Resumo: Henrique V foi o rei da Inglaterra entre 1413 e 1422. Sucedeu seu pai homônimo, que havia sido o primeiro monarca inglês da casa de Lancaster. Nas peças históricas de William Shakespeare, retrata-se seu processo de formação até sua coroação, nas partes 1 e 2 de Henrique IV, e sua atuação competente e heroica (“o rei vitorioso”), em Henrique V. Foi sucedido por seu filho Henrique VI, rei entre 1422 e 1461 e entre 1470 e 1471, cujo fracasso militar e político foi objeto das peças de Shakespeare às quais empresta seu nome. Contudo, já no início da parte 1 de Henrique VI, na cena do funeral do rei vitorioso, indica-se que grande parte de suas conquistas havia sido revertida por “falta de ouro e homens”. Argumenta-se, neste artigo, que a gestão de Henrique V, embora retratada como vitoriosa, pode ser interpretada como irresponsável do ponto de vista fiscal e geradora de um passivo que explica o fracasso das campanhas militares inglesas após sua morte. Embora conectado com uma produção bibliográfica relativamente vasta sobre a relação entre a obra de Shakespeare e a economia (TURNER, 1999; FRANCO, 2009; ARCHER, 2012), o trabalho busca inovar ao discutir especificamente a economia do setor público e a gestão fiscal. Palavras-chave: Shakespeare. Henrique V. Gestão. Responsabilidade fiscal. Abstract: Henry V was king of England between 1413 and 1422. He succeeded his homonymous father, who had been the first English monarch of the House of Lancaster. In William Shakespeare’s historical plays, his formation process is portrayed until his coronation, in parts 1 and 2 of Henry IV, and his competent and heroic performance (“the victorious king”), in Henry V. He was succeeded by his son Henry VI, king between 1422 and 1461 and between 1470 and 1471, whose military and political failure was the subject of Shakespeare’s plays titled after his name. However, at the very beginning of Henry VI part 1, in the scene of the victorious king’s funeral, a messenger informs that a large part of his conquests had been reversed by “want of men and money”. It is argued, in this article, that Henry V’s rule, though portrayed as victorious, can be interpreted as irresponsible from a fiscal point of view, as it generated liabilities that explain the failure of English military campaigns after his death. Although linked with a relatively vast bibliographic production on the relationship between Shakespeare’s work and economics (TURNER, 1999; FRANCO, 2009; ARCHER, 2012), the work seeks to innovate by specifically discussing the public sector and fiscal management issues. Keywords: Shakespeare. Henry V. Management. Fiscal responsibility. Resumen: Enrique V fue rey de Inglaterra entre 1413 y 1422. Sucedió a su padre Artigo está licenciado sob forma de uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. 1 2 homónimo, que había sido el primer monarca inglés de la casa de Lancaster. Las obras históricas de William Shakespeare retratan su proceso de formación hasta su coronación, en las partes 1 y 2 de Enrique IV, y su actuación competente y heroica (“el rey victorioso”), en Enrique V. Fue sucedido por su hijo Enrique VI, rey entre 1422 y 1461 y entre 1470 y 1471, cuyo fracaso militar y político fue el Senado Federal, Brasília, DF, Brasil; Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Brasília, DF, Brasil. Senado Federal, Brasília, DF, Brasil. 2/14 Letras de hoje Porto Alegre, v. 57, n. 1, p. 1-14, jan.-dez. 2022 | e-42012 tema de las obras de Shakespeare a las cuales presta su nombre. Sin embargo, al comienzo de la parte 1 de Enrique VI, en el escenario del funeral del rey victorioso, se indica que gran parte de sus conquistas habían sido revertidas por “falta de oro y hombres”. Se argumenta, en este artículo, que la administración de Enrique V, aunque retratada como victoriosa, puede ser interpretada como irresponsable desde el punto de vista fiscal y generando un pasivo que explica el fracaso de las campañas militares inglesas tras su muerte. Aunque conectado con una producción bibliográfica relativamente amplia sobre la relación entre la obra de Shakespeare y la economía (TURNER, 1999; FRANCO, 2009; ARCHER, 2012), el trabajo busca innovar al discutir específicamente la economía del sector público y la gestión fiscal. seus tios), passando por conflitos políticos que Palabras clave: Shakespeare. Enrique V. Administra- (HELIODORA, 2016f, p. 713). ción. Responsabilidad fiscal. atingem a própria Inglaterra, na parte 2 (quando os conflitos políticos internos se intensificaram), até a disputa aberta pelo trono, na parte 3. Em resumo, a trilogia dedicada a Henrique VI retrata a reversão das conquistas de seu pai vitorioso. O esgarçamento do tecido político da Inglaterra ao longo do reinado de Henrique VI é o ponto de partida para a ascensão de Ricardo III, último rei da casa de Lancaster e considerado o arquétipo do “mau rei que é também um mau homem” Analisadas em sua sequência histórica (que não coincide com a sequência em que foram Introdução Henrique V nasceu em 1386 e foi o rei da Inglaterra de 1413 até sua morte, em 1422, de modo que toda sua vida transcorreu durante os conflitos ocorridos entre 1337 e 1453 envolvendo os Reinos da Inglaterra e da França, conhecidos como Guerra dos Cem Anos. Nas peças históricas de William Shakespeare, é retratado como competente e heroico, personificando “o rei vitorioso”. Seu pai e predecessor, Henrique de Bolingbroke, que mais tarde assumiria o título de Henrique IV, foi o primeiro rei inglês da casa de Lancaster e personifica, nas duas peças às quais empresta seu nome, o rei ilegítimo que se torna um bom governante. Nos termos de Barbara Heliodora (2016a, p. 120), “Shakespeare faz de Henrique IV um homem sempre preocupado em agir com correção, a fim de justificar sua presença no trono”. Seu filho – rei legítimo, pelo menos na linha sucessória imediata – seria também o bom governante que levou a Inglaterra à espetacular vitória sobre os franceses na batalha de Azincourt.2 O filho e herdeiro de Henrique V é retratado, nas três peças de Shakespeare intituladas Henrique VI, como um rei incompetente, ainda que como um homem piedoso. Sua incapacidade de governar explicaria os sucessivos fracassos, desde a perda da França, na parte 1 (quando, durante sua minoridade, o poder ainda era exercido por escritas), as peças dedicadas a Henrique IV, a Henrique V e a Henrique VI evidenciam uma curva ascendente no início, uma inflexão após a morte do rei vitorioso e uma curva descendente que leva a uma crise política e ao reinado de Ricardo III. A interpretação mais comum desses movimentos os atribui a características pessoais de cada rei (isto é, a suas vocações) e, no caso específico de Henrique V, a sua formação multifacetada na juventude. Shakespeare, contudo, tem sucessivas camadas de ambiguidade. Neste artigo, propõe-se uma interpretação alternativa para a trajetória dos três Henriques com base na evolução da situação fiscal da Inglaterra. Argumenta-se, basicamente, que o sucesso de Henrique V pode ser explicado pelas condições favoráveis herdadas de seu pai, que buscou reinar com rigor, e que o fracasso de Henrique VI pode ser explicado pela herança recebida de seu antecessor, que engendrou uma situação fiscal insustentável e morreu antes de assistir aos conflitos políticos dela decorrentes. Em outras palavras, Henrique V seria um rei vitorioso porque teria herdado condições favoráveis de seu pai e porque teria consumido mais recursos do que poderia, deixando seu filho em uma posição vulnerável, independentemente de sua vocação para o governo. É evidente que a racionalização da gestão, de modo geral, e as medidas de responsabilidade Adota-se, neste trabalho, a grafia “Azincourt”. Nas citações diretas, manteve-se a grafia eventualmente divergente usada por outros autores (“Agincourt”). 2 Luiz Ricardo Cavalcante • André Eduardo da Silva Fernandes Henrique V: o rei vitorioso e a responsabilidade fiscal nas peças históricas de Shakespeare 3/14 fiscal, em particular, não eram familiares a Shakes- exceção de eventuais citações a episódios histó- peare, até porque não existiam em sua época, ricos centrais (como a batalha de Azincourt) que pelo menos nos termos em que são analisadas fazem parte da trama. O artigo está segmentado hoje em dia. Desse modo, ainda que o conceito em mais três seções. Na segunda seção, descre- weberiano de dominação de caráter racional/ vem-se brevemente os arquétipos de Henrique legal (em contraposição aos conceitos de do- IV, de Henrique V e de Henrique VI. Na terceira minação de caráter tradicional e de dominação seção, desenvolve-se o argumento central ao de caráter carismático) seja do início do século se discutirem as heranças recebida e deixada XX (WEBER, 2015), argumenta-se, neste trabalho, por Henrique V. Finalmente, na quarta seção, que esses elementos podem ser identificados reúnem-se as considerações finais do artigo. nas peças de Shakespeare que tratam dos três Henriques. Especificamente quanto à gestão fiscal, pode-se afirmar que a rainha Elizabeth I – sob cujo reinado Shakespeare escreveu praticamente todas suas peças históricas, com exceção de Henrique VIII – sempre esteve preocupada com o financiamento do Estado, principalmente das campanhas militares. O período posterior à derrota da “Invencível Armada”, em 1588, criou dificuldades adicionais que se estenderam pelos últimos quinze anos de seu reinado: os conflitos com a Espanha e a Irlanda se arrastaram, houve aumentos de tributos e a economia foi atingida por colheitas ruins e pelos custos das guerras. Desse modo, embora não se falasse em “responsabilidade fiscal” na época de Shakespeare, o tema não lhe era completamente estranho. A argumentação desenvolvida neste trabalho apoia-se nos arquétipos que se pode extrair das peças de Shakespeare; não há, portanto, a pretensão de analisar a trajetória efetivamente seguida pelos reis (que muitas vezes diverge da forma como são retratados nas peças). Quanto a isso, a historiografia moderna tem deixado claro que muitos personagens reais retratados por Shakespeare não correspondem à visão que se pode extrair das pesquisas mais recentes. Esse é o caso, por exemplo, de Ricardo III. Ainda assim, o trabalho de Shakespeare é de tal forma persuasivo que sua “versão” para diversos personagens históricos é considerada verdadeira mesmo por muitos ingleses. É sobre essa versão que se apoiam os argumentos aqui apresentados, com 1 Os arquétipos de Henrique IV, de Henrique V e de Henrique VI Os dramas históricos de William Shakespeare tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da literatura política inglesa. Sua primeira tetralogia histórica, escrita ainda no início de sua carreira, é formada pelas partes 1, 2 e 3 de Henrique VI e por Ricardo III. Vistas em seu conjunto, essas peças tratam da luta pelo poder durante a Guerra das Rosas, em que as casas de Lancaster e de York disputavam o trono da Inglaterra. Mais tarde, no período anterior à criação de suas tragédias, Shakespeare retoma a história anterior ao reinado de Henrique VI com a tetralogia formada por Ricardo II, pelas partes 1 e 2 de Henrique IV e por Henrique V. Esse último conjunto contextualiza a tragédia – no sentido derivado do termo – que foram os governos de Henrique VI e de Ricardo III. Essas duas tetralogias são consideradas seus principais dramas históricos, embora Shakespeare tenha escrito também Rei João, no início da década de 1590, e, já no reinado de Jaime I, no final de sua carreira, Henrique VIII.3 Colocadas em sua verdadeira ordem histórica, as duas tetralogias cobrem um ciclo completo que vai de Ricardo II até Ricardo III. Porém, é nas chamadas “sagas henriquinas” das tetralogias que se pode desenvolver um ciclo histórico e político mais claro: Henrique IV consolida o poder para a casa de Lancaster, centraliza a riqueza e governa com rigor; Henrique V personifica o rei-herói romantizado em seu carisma, em sua valentia e em suas 3 Henrique VIII pode ser considerada uma espécie de continuação da primeira tetralogia (após Ricardo III), concluindo a sequência dos dramas históricos de Shakespeare. É razoável supor que, ao evitar escrever sobre eventos contemporâneos, Shakespeare pretendesse contornar algum tipo de mal-estar com os detentores do poder. 4/14 Letras de hoje Porto Alegre, v. 57, n. 1, p. 1-14, jan.-dez. 2022 | e-42012 conquistas; e Henrique VI, retratado como um Shakespeare criou personagens multifacetados bom cristão, mas não como um bom governante, que admitem – tal como se propõe neste trabalho leva a casa de Lancaster à decadência. Desse – associações com múltiplos arquétipos. modo, as sagas henriquinas tratam, conforme É com base nos atributos que Shakespeare resume Barbara Heliodora, da luta pelo poder lhes confere – e não necessariamente nos fatos no período da Guerra das Rosas, da forma como históricos, sobre os quais a percepção moderna o poder afeta aqueles que o detêm e de como é, em muitos aspectos, diversa daquela que pre- isso se reflete na qualidade do governante (HE- valecia na época em que as peças foram escritas LIODORA, 2016a, p. 118). – que se resumem, nesta seção, os arquétipos Em seus dramas históricos, Shakespeare dos reis que intitulam as sagas henriquinas. demostra a capacidade de, com base em sua Na literatura, os arquétipos podem ser de- abordagem poética e literária da linguagem e da finidos como símbolos ou imagens repetidas teatralidade, formatar a história da Inglaterra de tal que carregam o mesmo significado em diversas sorte que, mesmo hoje em dia, seus personagens épocas e culturas. Meletínski (1998, p. 20) assinala mantêm um sentido de realidade que os leva a que “o conceito de ‘arquétipos’ foi introduzido substituir, no imaginário coletivo, os próprios fatos na ciência contemporânea pelo fundador da e características registrados historicamente. No psicologia analítica K. G Jung”. Trata-se de um caso de Ricardo III, por exemplo, Shakespeare conceito complexo que envolve interações entre acabou definindo-o como alguém feio, corcunda psicologia, mito e literatura, análogo às “repre- e perverso, e essa tornou-se a visão dominante sentações coletivas” de Durkheim, às “ideias a da maioria dos ingleses, independentemente priori” de Kant e aos “modelos de comporta- das evidências históricas. Henrique V, por sua mento” dos behavioristas.4 Neste trabalho, os vez, é transformado por Shakespeare em um rei arquétipos correspondem a personagens típicos herói na linha de construção mítica dos Tudor, que parecem representar padrões humanos (ou, que detinham o trono inglês na ocasião em que no caso específico, de indivíduos que exercem o drama foi escrito. funções políticas e de liderança) universais e É claro que os personagens refletem, em linhas gerais a percepção e as narrativas históricas às quais Shakespeare teve acesso. Nos termos de Greenblat (2011, p. 170), Shakespeare estava dramatizando coisas que tirava das crônicas – ele normalmente garimpava nesses livros, em especial The union of the two Noble and illustre Families of Lancaster and York, de Edward Hall, e The Chronicles of England, Scotland and Ireland, de Raphael Holinshed, para obter material para suas peças históricas. que, portanto, podem ser comparáveis ao que se observa em outros contextos. Nas obras de Shakespeare, os personagens têm múltiplos nuances e há diversas possíveis abordagens daquilo que simbolizam do ponto de vista humano ou político. Personagens complexos muitas vezes estão associados, inclusive, a múltiplos arquétipos (basta considerar que Hamlet pode ser o herói trágico, o jovem inocente ou o príncipe em conflito, por exemplo). Nesse trabalho, resgatam-se apenas os arquétipos Publicadas pela primeira vez em 1577, as Crô- mais comuns associados aos três Henriques. nicas de Holinshed serviram de referência não Esses arquétipos são razoavelmente consen- somente para os dramas históricos, mas também suais nas análises das obras de Shakespeare: para as tragédias Macbeth e Rei Lear. Contudo, estão presentes em artigos acadêmicos (RABKIN, embora amparado em referências da época, 1977), em cursos sobre as obras de Shakespeare como o de Peter Saccio (William Shakespeare: 4 Os arquétipos são também um conceito conexo aos “estereótipos”. Contudo, em oposição aos arquétipos, que têm um caráter universal, os estereótipos são “culture specific” (KIDD, 2016, p. 26). Desenvolvido por Lippmann (1922), esse conceito é utilizado para explicar como as pessoas são influenciadas e atribuem significados a mensagens mediadas. Estereótipos seriam, desse modo, “mapas mentais” que auxiliam na compreensão de grupos e de indivíduos (KIDD, 2016, p. 26). Luiz Ricardo Cavalcante • André Eduardo da Silva Fernandes Henrique V: o rei vitorioso e a responsabilidade fiscal nas peças históricas de Shakespeare 5/14 Comedies, Histories, and Tragedies), em sínteses o título de Henrique V. Henrique IV é retratado ilustradas (The Shakespeare Book) e nas intro- como um bom rei, embora sua legitimidade seja duções às traduções em português das obras permanentemente questionada. Shakespeare o de Shakespeare de Barbara Heliodora (2016a, associa a “um homem sempre preocupado em 2016b, 2016c, 2016d, 2016e, 2016f). Há, contudo, agir com correção, a fim de justificar sua presença visões contramajoritárias, a mais disseminada das no trono” (HELIODORA, 2016a, p. 120). Em paralelo, quais é possivelmente aquela de Harold Bloom as peças tratam das interações de seu filho Hal (1998a), cujas análises de Shakespeare tendem com Falstaff (que lhe permite um contato mais a ser, a um só tempo, apologéticas e originais. próximo com o povo), com Hotspur (que lhe Eventuais visões desse tipo são também breve- garante uma formação militar) e com o próprio mente mencionadas nesta seção. Henrique IV (que lhe proporciona uma formação legal ou administrativa). Nesse sentido, as partes 1.1 Henrique IV Henrique de Bolingbroke é um personagem relevante da peça Ricardo II, que, considerando o fluxo dos eventos históricos, precede o período de seu reinado. Shakespeare o retrata como alguém envolvido em uma disputa com Thomas Mowbray (que, assim como Henrique de Bolingbroke, detém o título de duque). Atuando como árbitro, Ricardo II sentencia os dois querelantes ao exílio e, mais adiante, confisca os bens que seriam herdados por Bolingbroke. Ao violar direitos preestabelecidos e, em última análise, ao colocar em xeque a hereditariedade, Ricardo II perde o apoio da nobreza, que, sob a liderança do próprio Henrique de Bolingbroke, o depõe. De modo geral, assume-se que Henrique, ao ascender ao trono como o primeiro rei da casa de Lancaster, o fazia em resposta ao comportamento inadequado de Ricardo II, e não por ambição pessoal. Carente de legitimidade e incapaz de impor unilateralmente suas escolhas, Henrique IV é descrito por Barbara Heliodora como seco e severo, “mas com dedicação inabalável à Inglaterra e ao bem estar de seu povo” (HELIODORA, 2016g, p. 955). Rabkin (1977, p. 281) contrapõe Ricardo II a Henrique IV de forma clara: “the un- 1 e 2 de Henrique IV também amparam a visão sobre a formação de um rei “completo”, isto é, capaz de deter os vários requisitos necessários para liderar a Inglaterra e, ao contrário de seu pai, dispor da legitimidade decorrente de ter herdado a coroa (e não se apropriado dela). Mais uma vez, Rabkin (1977, p. 281) resume de forma precisa: “Henry IV moves the question to a new generation, asking in effect whether the qualities split between Richard and Bullingbrook can be united in Hal. And in the manner of a comedy, it suggests optimistically that indeed they can”. Assim, apesar de bem-sucedido na pacificação do reino, Henrique IV está longe de ser o personagem que mais atrai a atenção nos dramas aos quais empresta seu nome. O foco da maior parte das análises recai sobre Falstaff e sua relação com Hal, e não sobre o personagem-título. Harold Bloom, por exemplo, dedica o longo capítulo que escreveu sobre Henrique IV em seu Shakespeare: the invention of the human, praticamente a Falstaff (BLOOM, 1998a, p. 271-318). Falstaff cresceu de tal forma que passou a eclipsar os demais personagens, embora mais adiante tenha sido eliminado para que fosse possível construir a figura do “rei-herói”. resolved thematic issue at the end of Richard II is the conflict of values embodied in the two kings who are its protagonists: Bullingbrook’s´talent as opposed to Richard’s legitimacy [...]”. 1.2 Henrique V Henrique V reinou entre 1413 e 1422 e levou a Inglaterra à espetacular vitória sobre os franceses As partes 1 e 2 de Henrique IV tratam não na batalha de Azincourt. A peça que leva seu somente da consolidação do poder do rei que nome aponta para duas interpretações conflitan- lhes empresta o nome, mas também da forma- tes. De um lado, uma celebração nacionalista; de ção de seu filho Hal, que mais tarde assumiria outro, uma visão trágica ou irônica dos horrores 6/14 Letras de hoje Porto Alegre, v. 57, n. 1, p. 1-14, jan.-dez. 2022 | e-42012 da guerra. Rabkin (1977) a associa a uma gravura nome. Com efeito, quer se leia Henrique V como em que, no mesmo desenho, se pode reconhecer uma exaltação do espírito nacional, quer se leia tanto um coelho quanto um pato. Assim, Henrique como uma denúncia dos horrores da guerra, seu V admitiria as duas interpretações simultâneas, personagem principal é percebido como heroico a depender do olhar que se lance sobre a peça. e carismático. Embora implacável (por exemplo, De todo modo, desde o início o rei revela uma ao condenar Bardolph à morte), o rei é um ora- espécie de obsessão pela “questão francesa”, que dor persuasivo, um líder militar e um amante o leva aos preparativos para as ações de guerra. habilidoso (ao cortejar a princesa Catarina). Na Em sua época, Henrique V era considerada uma verdade, duas características de Henrique V são peça nacionalista. Escrita aproximadamente uma destacadas na obra: seu “amadurecimento”, que década após a tentativa fracassada de invasão o leva a rejeitar seu passado com Falstaff (já que espanhola pela “Invencível Armada”, e ainda no a figura de um rei-herói não se coaduna com a período Elizabetano, foi a última peça das duas apresentação de Henrique V nas partes 1 e 2 de tetralogias shakespearianas, constituindo-se Henrique IV) e sua capacidade de persuasão, es- no ápice da tentativa de se construir a figura do pecialmente quando ele, pouco antes da batalha rei-herói. de Azincourt, dirige-se a seus comandados em A filmagem feita por Lawrence Olivier durante a Segunda Guerra Mundial é a apropriação mais explícita da obra como uma ode ao potencial vencedor inglês em uma guerra. Produzido em um contexto marcado pela oposição inglesa ao nazismo, o filme de 1944 negligenciou algumas um dos trechos mais memoráveis da obra de Shakespeare: De pai para filho irá nossa história; E nunca mais Crispim Crispiniano, Desde este dia até o fim dos tempos, Há de passar sem nós sermos lembrados. das ações mais vis de Henrique V (como condenar Só nós, bando feliz, poucos irmãos, à morte seu antigo companheiro de juventude) Pois o que vai sangrar hoje comigo para retratá-lo como uma figura heroica e um rei É meu irmão, pois quem for mal nascido justo (THE SHAKESPEARE..., 2015, p. 166). Mistificando seu papel de líder militar e negligenciando sua responsabilidade moral, política ou financeira sobre os impactos da guerra, a versão cinematográfica de Olivier sobre Henrique V claramente Será fidalgo só por este dia. E os fidalgos ingleses que hoje dormem Vão maldizer não ter estado aqui E ter vergonha quando ouvirem falar O que lutou no dia de São Crispim (SHAKESPEARE, 2016, p. 439). reforça seu caráter nacionalista. Uma outra forma de interpretar a peça pressu- Harold Bloom, a propósito desse discurso, põe que a obra seria uma espécie de denúncia argumenta que “neither we nor he [the king] dos horrores da guerra. A versão cinematográfica believes a word he says” (BLOOM, 1998a, p. 320). de Kenneth Branagh, lançada quase meio século Contudo, tanto Lawrence Olivier como Kenneth depois da de Lawrence Olivier, reflete uma outra Branagh, apesar de suas diferentes visões sobre percepção social sobre guerras e sobre naciona- a peça, parecem indicar que o personagem es- lismo, assumindo um caráter bem mais sombrio, taria sendo efetivamente sincero ao exortar suas particularmente marcado pelas ásperas cenas tropas a lutar.6 Qualquer que seja a interpretação, de guerra (THE SHAKESPEARE..., 2015, p. 168).5 porém, não se questiona a atuação competente Contudo, a ambiguidade da peça não implica e heroica de Henrique V, que personifica “o rei a ambiguidade do personagem que lhe cede o vitorioso”. Mesmo visões mais críticas sobre o rei 5 Corrobora a percepção de Branagh a dificuldade de se imaginar que alguém que poucos anos mais tarde escreveria Troilus e Créssida, uma crítica cínica e ácida do comportamento dos heróis na guerra, pudesse ter uma visão simplesmente ufanista em Henrique V. 6 Essas cenas estão disponíveis no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=x26GN6rQbZI e https://www.youtube.com/watch?v=y1BhnepZnoo. Acesso em: 8 jul. 2022. O trecho “we few, we happy few” foi, inclusive, ecoado por Winston Churchill em um discurso em que destaca o quanto a Inglaterra devia aos poucos pilotos que atuaram na batalha da Grã-Bretanha em 1940. Luiz Ricardo Cavalcante • André Eduardo da Silva Fernandes Henrique V: o rei vitorioso e a responsabilidade fiscal nas peças históricas de Shakespeare reconhecem essas características: 7/14 Hão de chorar com seus olhos de velhos, Como hão os de viúvas e órfãos – He was a hero, that is, he was ready to sacrifice his own life for the pleasure of destroying thousands of other lives… How then do we like him? We like him in the play. There he is a very amiable monster, a very splendid pageant… (HAZLITT apud BLOOM, 1998a, p. 320).7 Pais por filhos, viúvas por maridos, Órfãos por morte precoce dos pais – Pra lamentar a hora em que nasceste (SHAKESPEARE, 2016, p. 827). É o prenúncio do que viria a ser o reinado de Ricardo III, retratado por Shakespeare como mau 1.3 Henrique VI Nas peças que levam seu nome, Henrique homem e mau rei, constituindo-se, talvez, em um dos maiores vilões de sua vasta galeria. VI é retratado, de modo geral, como um bom homem (no sentido de um homem piedoso), mas incapaz de reinar. O próprio personagem declara não desejar a coroa: “nunca um súdito já quis tanto ser rei quanto eu desejaria ser só súdito” (SHAKESPEARE, 2016, p. 691). Trata-se de um personagem que se mostra um rei inseguro, pouco pragmático e muito influenciável, mais interessado em assuntos de religião do que de governo. Vistas em seu conjunto, as partes 1, 2 e 3 do Henrique VI ilustram o fracasso militar do personagem-título e “o desastre que foi para a Inglaterra e, principalmente, para os ingleses, a total incompetência do rei” (HELIODORA, 2016h, p. 477). Na parte 1 – que começa na minoridade de Henrique VI –, as conquistas de seu pai na França são revertidas; na parte 2, o rei precisa enfrentar rebeliões dentro da própria Inglaterra; na parte 3, por fim, a coroa muda de mãos por duas vezes até que o rei, apunhalado por aquele viria a assumir o título de Ricardo III, morre. Seu reinado tumultuado foi, na verdade, descontínuo: Henrique VI deteve a coroa entre 1422 e 1461 e no curto período entre 1470 e 1471, tendo sido sucedido, em ambos os casos, por Eduardo IV, mais tarde sucedido por Ricardo III. O encerramento da linhagem dos três Henriques, contudo, é precedido pela profecia que o último deles dirige àquele que encerra a dinastia da casa de York (isto é, a Ricardo III): Assim profetizo: muitos milhares, Que ignoram hoje as razões do meu medo, 2 Henrique V: entre a herança recebida e a herança deixada Na seção precedente, evidenciaram-se os arquétipos tradicionalmente associados a Henrique IV, V e VI nas peças históricas de Shakespeare. Esses arquétipos sugerem que um bom rei cuja legitimidade é questionada é sucedido por um rei heroico, carismático e vitorioso. O desfecho das sagas henriquinas, contudo, é trágico, porque Henrique V é sucedido por alguém que, embora caracterizado como um bom homem, se mostra incapaz de reinar. Desse modo, os movimentos de ascensão e de queda são atribuídos a características pessoais de cada um dos três Henriques. Nesta seção, argumenta-se que as vitórias obtidas por Henrique V se apoiaram na gestão de seu pai e predecessor (Henrique IV) e geraram um passivo que contribui para explicar o fracasso de seu filho e sucessor (Henrique VI). Novas percepções sobre Shakespeare e sua obra são recorrentes, especialmente a partir do século XX. A esse respeito, Saccio (1999) destaca que diferentes gerações interpretaram Shakespeare de acordo com seus próprios interesses. Por exemplo, perspectivas acadêmicas relevantes nas décadas de 1940 e 1950 o enxergavam como “a conservative figure” que defendeu “the Elizabethan world picture” (TILLYARD, 1959). Suas peças mostrariam conflitos resultantes do rompimento de uma ordem rígida e hierarquizada do mundo que somente seriam resolvidos quando as coisas retornassem a sua ordem natural. Outros “Foi um herói, isto é, estava disposto a sacrificar a própria vida pelo prazer de destruir milhares de outras vidas [...]. Como é possível, então, simpatizarmos com ele? Ele nos é simpático na peça. Lá está ele, um monstro tão amável, um esplêndido espetáculo [...]” (HAZLITT apud BLOOM, 1998b, p. 403). 7 8/14 Letras de hoje Porto Alegre, v. 57, n. 1, p. 1-14, jan.-dez. 2022 | e-42012 autores o veem como um defensor de ideias temas econômicos de sua época. Esses temas progressistas ou radicais em favor das classes envolvem a disseminação do crédito, a moeda menos privilegiadas ou como um feminista, por fiduciária, o crescimento das cidades, a formação exemplo. Perspectivas marxistas das peças de de um mercado de massa e a “revolução dos Shakespeare, por sua vez, destacam trechos preços” (FRANCO, 2009, p. 38). que parecem simpatizar com as classes menos Mas as conexões entre a obra de Shakespeare favorecidas (HAWKES, 2015). A presença ubíqua e o funcionamento do sistema econômico não se de Shakespeare na cultura moderna leva Gar- limitam ao período histórico em que suas peças ber (2008, p. xiv) a citar a blague “I don’t mind if foram escritas. Grav (2008, p. 159) assinala que something’s Shakespearean, just as long as it’s “the advent of new economic criticism has led to not Shakespeare”. a number of articles exploring specific aspects As conexões de Shakespeare com a economia of early modern commerce and economics in são também multifacetadas. Em linhas gerais, os Shakespeare’s plays”. Com efeito, diversos temas trabalhos que tratam dessas conexões adotam econômicos estão amplamente presentes nas duas perspectivas complementares. Por um lado, peças de Shakespeare, razão pela qual é possível analisa-se sua biografia para buscar compreender usá-las para interpretar fenômenos contemporâ- de que modo o empresário bem-sucedido lidou, neos. Turner (1999), em um livro intitulado Shakes- em sua época, com receitas, despesas e investi- peare’s Twenty-First-Century Economics, discute mentos. De outro, busca-se interpretar sua obra um amplo leque de temas (como crescimento para buscar estabelecer conexões entre ela e o econômico, crédito e moeda fiduciária, por exem- funcionamento do sistema econômico. plo) amparado na interpretação dos dramas de Archer (2012, p. 165) lembra que Shakespeare Shakespeare. Carvalho (2002), por sua vez, analisa (do mesmo modo que a maioria das pessoas o processo decisório em condições de incerteza de sua classe social na época) teria entendido sob uma perspectiva pós-keynesiana usando o termo “economia” como “gestão doméstica” Hamlet, Macbeth e Júlio César como referências. (“household management”) ou “oeconomy” (an- O próprio Hawkes (2015), mencionado anterior- glicismo para “oikonomia” em grego). Ainda assim, mente, conecta os dramas de Shakespeare com sua trajetória de ascensão social indica uma a teoria marxista. Mesmo autores que afirmam, evidente preocupação com temas econômicos a respeito de Shakespeare, que “money simply e com a gestão de seus empreendimentos. Isso doesn’t matter in the vast majority of his work” leva Archer (2012, p. 170) a concluir que, sob a analisam sua conexão com temas econômicos perspectiva de sua época, Shakespeare teria sido (GRAV, 2008). Esses exemplos deixam claro que um bom praticante da “oeconomy”. Por essa razão, as possibilidades de associação entre a obra de os temas econômicos tratados por ele em sua Shakespeare e a teoria econômica são amplas obra refletem “the key economic developments e multifacetadas. through which England was passing during his Neste trabalho, em particular, o foco recai so- lifetime” (HAWKES, 2015, p. 91). Descrições su- bre a economia do setor público; e as eventuais márias retratam esses movimentos como a “con- consequências da má gestão fiscal. No sentido solidação do capitalismo moderno” (HORWICH, aqui adotado, a gestão fiscal diz respeito, basi- 1977), o “retrato do capitalismo quando jovem” camente, à arrecadação de recursos pelo setor (FRANCO, 2009) ou a “transição do feudalismo público (por meio, em geral, de tributos) e a sua para o capitalismo na Inglaterra” (ARCHER, 2012, destinação pelo governo.8 A gestão fiscal, por- p. 170-171). Pode-se encontrar, portanto, evidentes tanto, é ao mesmo tempo a arena dos embates conexões entre as peças de Shakespeare e os por recursos e o espelho dos conflitos distribu- A expressão “gestão fiscal” aplica-se também a pessoas físicas e jurídicas visando a minimizar seus tributos. Neste trabalho, porém, emprega-se a expressão na perspectiva do setor público. 8 Luiz Ricardo Cavalcante • André Eduardo da Silva Fernandes Henrique V: o rei vitorioso e a responsabilidade fiscal nas peças históricas de Shakespeare 9/14 tivos da sociedade. Nas sociedades modernas, a passivos para financiar suas campanhas militares, gestão fiscal traduz-se na gestão do orçamento independentemente dos arquétipos usualmente público. Na Inglaterra dos séculos XIV e XV, por associados a seu filho e sucessor. Rabkin (1977, outro lado, as decisões eram essencialmente p. 280) afirma, a respeito das partes 1, 2 e 3 de tomadas pelos reis e pelos nobres em seu en- Henrique VI, que “in each of the first three plays torno. Porém, quando a alocação e a destinação the audience had been confronted at the begin- dos recursos divergiam do balanço de forças ning with a set of problems that seemed solved existente na sociedade, os governantes também by the end of the preceding play but had erupted tendiam a enfrentar problemas, ainda que, na- in different forms as soon as the new play began”. quelas circunstâncias, a concentração de poder De maneira análoga, argumenta-se, aqui, que o fosse evidentemente superior à que se observa desequilíbrio fiscal é um problema que passa de nas sociedades modernas. uma tetralogia para a outra. Embora conectada com uma produção biblio- Embora o foco deste trabalho seja a visão gráfica relativamente vasta sobre a relação entre de Shakespeare sobre os eventos (e não os fa- a obra de Shakespeare e a economia mencionada tos históricos efetivamente observados), essa no início desta seção, a abordagem aqui apre- percepção é consistente com diversas análises sentada busca inovar ao discutir especificamente factuais. O Gráfico 1, construído com base em a economia do setor público e a gestão fiscal. estimativas publicadas pelo Bank of England Parece haver elementos suficientes nos dramas em uma base de dados intitulada “A millennium históricos de Shakespeare para atribuir a crise of macroeconomic data”, mostra a trajetória das cujos primeiros sinais são percebidos logo após receitas tributárias do governo no período entre a morte de Henrique V a suas ações, que criaram os reinados de Ricardo II e de Ricardo III.9 Gráfico 1 – Média móvel centralizada das receitas tributárias do governo da Inglaterra, 1377 – 1485 (número índice) Fonte: Elaboração dos autores (2021).10 Trata-se, rigorosamente, da média móvel centralizada de nove anos das receitas tributárias do governo central. Os dados construídos como número índice (isto é, não são absolutos) usando como referência o período 1451-1475 (definido como igual a 100). 10 Com base em dados disponíveis em: https://cutt.ly/3RxGVpY. Acesso em: 20 out. 2021. 9 10/14 Letras de hoje Porto Alegre, v. 57, n. 1, p. 1-14, jan.-dez. 2022 | e-42012 Conforme se pode observar, as receitas tri- a se recuperar mais solidamente e, no reinado butárias da Inglaterra exibem uma trajetória de Elisabeth I, o avanço econômico permite que descendente durante o reinado de Ricardo II e comecem as incursões no exterior (por meio da ascendente durante o reinado de Henrique IV e pirataria e da conquista de novos territórios). o início do reinado de Henrique V, atingindo um Pode-se, assim, conjecturar que o atraso inglês pico por volta de 1415 (isto é, no ano da batalha em começar a aventura colonialista deveu-se à de Azincourt). É neste momento que Henrique falta de recursos decorrente do déficit público V “prepared well for the first campaign in 1415, resultante do período anterior, cuja gênese re- mobilising an expeditionary army of some 10,000 monta a Henrique V. men and amassing a war chest of £130,000”. A percepção amparada nas análises históricas (GRUMMITT, 2013, p. 10). O efeito econômico claramente ecoa nas sagas henriquinas. Com imediato da campanha bem-sucedida foi uma efeito, logo no início de Henrique V, o rei já pre- euforia que motivou a concessão de benefícios cisa negociar para obter os recursos necessários fiscais, inclusive no caso do subsídio vitalício para para financiar suas campanhas militares sem a lã (GRUMMITT, 2013, p. 11). Isso possivelmente sacrificar o apoio da Igreja. A negociação permite concorre para explicar a acentuada trajetória de que o Arcebispo de Cantuária e o Bispo de Ely queda das receitas tributárias observada logo salvem do confisco as propriedades da Igreja e após 1415. É com base em percepções desse que o rei obtenha, pelo menos no curto prazo, tipo que Churchill (2005), em seu História dos recursos para financiar a campanha na França. povos de língua inglesa, destaca que “o impo- Os representantes da Igreja elogiam a devoção nente império de Henrique V era oco e falso”. de Henrique e o próprio rei tem o cuidado de De fato, os desdobramentos fiscais e políticos informar o quanto é cristão (BLOOM, 1998a, p. da campanha parecem ter sido avassaladores, 321). A negociação é descrita por Gustavo Franco conforme registra Barker (2009, p. 415): (2009, p. 116) da seguinte forma: Ao reacender a guerra com a França, Henrique V comprometeu seu país em décadas de conflitos armados e pesados tributos a pagar por isso; ele foi acusado de lançar sementes que levariam a própria Inglaterra a ser despedaçada pela discórdia civil na Guerra das Rosas.11 Desse modo, em oposição à euforia de 1415, “by 1433 the royal finances were in a parlous state: a debt of £160,000 standing against an annual ordinary income of some £60,000” (GRUMMITT, 2013, p. 14). A tendência de queda das receitas Por exemplo, no início de Henrique V, o arcebispo da Cantuária faz um relato circunstancial da lei aprovada pelo Parlamento a fim de secularizar uma parte das propriedades da Igreja. Ele especifica em detalhes o objetivo econômico da lei, que era de fornecer ao Rei os meios de fortalecer seu exército, encher seu tesouro e proporcionar ajuda aos pobres e outras finalidades sociais. Mas a Igreja ficaria empobrecida com essa lei, e é para evitar isso que ele procura interessar o monarca pela reinvindicação da Coroa da França. A maior parte da peça diz respeito à campanha da França, mas tudo isso veio da tentativa de resolver um problema econômico. tributárias mantém-se durante todo o primeiro reinado de Henrique VI e mesmo os tímidos sinais Esse trecho deixa claro que, embora a guer- de recuperação subsequentes são irregulares e ra fosse uma ação custosa, não havia recursos incapazes de elevá-las a níveis sequer próximos identificados a priori para financiá-la. Barker (2009. daqueles que se observaram até o período entre p. 309) assinala, com relação ao custeio das o reinado de Ricardo II e o início do reinado de campanhas de Henrique V, que “se às vezes era Henrique V. De fato, só com Henrique VIII e o difícil conseguir o pagamento de salários, havia confisco dos bens da Igreja a Inglaterra começa outras compensações disponíveis”. Com efeito, Trata-se de uma percepção semelhante à de Sherborne (1977, p. 135), que destaca que “the heavy financial demands made by the Hundred Years War on the English taxpayer and the English exchequer have long been familiar to historians”. Embora o foco de sua análise seja um período anterior ao reinado de Henrique V, essa percepção geral permanece válida e parece chegar a seu ponto mais grave no caso da batalha de Azincourt. 11 Luiz Ricardo Cavalcante • André Eduardo da Silva Fernandes Henrique V: o rei vitorioso e a responsabilidade fiscal nas peças históricas de Shakespeare 11/14 a falta de recursos e a gestão fiscal temerária A intensificação dos conflitos políticos aponta, dificultavam a liquidez para o pagamento de na parte 2 de Henrique VI, para uma disputa aberta salários. Assim, Henrique V teve que recorrer a pelo trono. Nesse caso, cabe ao duque de Suf- outros instrumentos resultantes de doação de folk declarar que “desde que [Henrique VI] virou terras, por exemplo. Desse modo, parece que a rei – e outro não há – o bem tem ido por água obsessão de Henrique V pela guerra o levava a abaixo” (SHAKESPEARE, 2016, p. 607). O duque negligenciar as consequências de suas decisões de York, por sua vez, “fala abertamente em tomar no médio e no longo prazo. a coroa” (HELIODORA, 2016e, p. 589). É evidente É evidente que, no curto prazo, as vitórias de que os conflitos distributivos – que podem ser Henrique V contribuíram para legitimar a posição associados à crise fiscal do reino – concorrem da casa de Lancaster no trono. Contudo, suas para explicar a fragilidade de Henrique VI. conquistas começam a ser revertidas já no início Ao perceber a mudança do centro do poder, da parte 1 de Henrique VI, na cena do funeral Lord Clifford – que pertence ao partido do Rei do rei vitorioso. Um mensageiro traz da França Henrique VI e dos Lancasters – antecipa que o “novidades tristes, de frustrações, perdas e ma- povo também mudaria suas preferências: “o povo tanças” e anuncia a perda de diversas cidades é como a mosca de verão: pra onde ela voa? Só (inclusive Paris e Rouen). Enquanto o corpo do para o sol. Quem brilha agora, senão o inimigo?” rei vitorioso ainda era velado, já se anunciava a (SHAKESPEARE, 2016, p. 760). A crise abre então reversão de grande parte de suas conquistas por espaço para rebeliões e para discursos populis- “falta de ouro e homens”. Um dos líderes ingle- tas. O rebelde Jack Cade promete reformas: “na ses na campanha da França, Lord Talbot, “com Inglaterra, sete pãezinhos de meio penny serão tropa que mal contava seis mil, por vinte e três vendidos por um penny; [...] e vou fazer ser crime mil soldados franceses foi totalmente cercado beber cerveja aguada. E o reino será comum a e atacado” (SHAKESPEARE, 2016, p. 485-487). É todos [...]”. Jack Cade promete ainda que “[...] não razoável presumir que essas derrotas tenham haverá dinheiro; todos vão comer e beber às mi- acontecido ainda no reinado de Henrique V, ou nhas custas” (SHAKESPEARE, 2016, p. 674-675). que pelo menos já fossem claramente previsíveis Com o avanço da revolta que comanda, chega antes de sua morte. Nos termos do Duque de a declarar que os arquivos do reino deveriam Exeter (tio-avô de Henrique VI): ser queimados pois sua boca passaria a ser “o E eu temo agora a fatal profecia Que no tempo de Henrique que foi o Quinto, Balbuciavam crianças de peito: parlamento da Inglaterra” (SHAKESPEARE, 2016, p. 685). Em resumo, os elementos presentes nas sagas Que Henrique Monmouth [Henrique V] tudo ganharia, henriquinas são claramente consistentes com a Mas o de Windsor [Henrique VI] tudo perderia (SHAKESPEARE, 2016, p. 531). zada no trecho abaixo: As derrotas sucessivas, por sua vez, engendraram uma crise política na Inglaterra. Naquele momento, conforme destaca Grummitt (2015, p. 117), “the debate over fiscal responsibility was one carried on at all levels of political society”. Mais uma vez, Shakespeare recorre ao Duque de análise histórica de Grummit (2013 p. 22) sinteti- […] while Henry V’s conquests in France undoubtedly strengthened Lancastrian kingship in the short term they also committed England to a lengthy and costly war with France. Henry’s untimely death and the broad political consensus that ensured stability during his son’s long minority partially hid these problems, but Henry VI’s shortcomings would eventually exhaust the crown’s credit, both in terms of money and political support. Exeter para manifestar essa percepção: “o conflito nascido entre esses pares queima embaixo de Por fim, é oportuno observar que, embora cinza e falso amor e acaba um dia explodindo vítima da irresponsabilidade fiscal de seu pai e em chamas” (SHAKESPEARE, 2016, p. 531). predecessor, Henrique VI – seja pelas condições 12/14 Letras de hoje Porto Alegre, v. 57, n. 1, p. 1-14, jan.-dez. 2022 | e-42012 adversas que enfrentou, seja por seu caráter trabalho busca inovar ao discutir especificamente vacilante – não se mostrou especialmente pre- a economia do setor público e a gestão fiscal. ocupado com o equilíbrio das contas públicas. Uma curiosa evidência do caráter inovador do 12 argumento apresentado neste artigo advém da Considerações finais Ao longo deste trabalho, argumentou-se que a gestão de Henrique V, embora retratada como vitoriosa por Shakespeare em seu drama histórico homônimo, pode ser interpretada como irresponsável do ponto de vista fiscal e geradora de um passivo que explicaria o fracasso das campanhas militares inglesas após sua morte. A crise econômica, militar e política que marcou o reinado de Henrique VI, portanto, pode ser creditada, pelo menos em parte, à gestão de seu pai e predecessor. A análise dos arquétipos tradicionalmente associados aos três Henriques revelou que: Henrique IV é retratado como um bom rei, embora sua legitimidade seja permanentemente questionada; Henrique V é percebido como heroico e carismático, independentemente da visão que se tenha sobre o drama histórico ao qual empresta seu nome (exaltação do espírito nacional ou denúncia dos horrores da guerra); e Henrique VI é retratado como um bom homem (no sentido de um homem piedoso), mas incapaz de reinar. Nesse sentido, o argumento central deste trabalho parece em grande medida original (ainda que historicamente fundamentado), uma vez que atribui parte do sucesso de Henrique V à boa gestão de seu pai e parte do fracasso de introdução de Barbara Heliodora a sua tradução de Henrique V. No texto, listam-se 20 qualidades encontradas na ação dramática de Henrique V que o tornariam o governante ideal. Em nenhuma delas se percebe a preocupação com a sustentabilidade econômica ou com os efeitos de longo prazo de suas ações (HELIODORA, 2016, p. 359). Novas visões sobre personagens complexos são sempre possíveis. Nos termos de Hegel (apud BATES, 2010, p. 2), “in a work of art, as in life, the greater a man’s character the more interpretations put on by different people”. Acresce que, em diferentes contextos sociais e históricos, interpretações jamais cogitadas pelo artista passam a ser possíveis. Em certa medida, essas distintas interpretações refletem as angústias que cada um consegue ver representadas em uma genuína obra de arte. No caso de Shakespeare, cuja obra frequentemente admite múltiplas (e muitas vezes contraditórias entre si) perspectivas, essa proposição é seguramente válida. É provável que a intepretação proposta neste trabalho resulte justamente do contexto em que foi produzido. Em um momento em que o Brasil dá sinais preocupantes de crise fiscal persistente – que pode comprometer, inclusive, o desempenho de futuros governantes – é razoável que da leitura das sagas henriquinas surja a preocupação com as heranças que os governantes podem deixar para seus sucessores. seu filho a sua gestão fiscal irresponsável. Desse modo, embora conectado com uma produção bibliográfica relativamente vasta sobre a relação entre a obra de Shakespeare e a economia (TURNER, 1999; FRANCO, 2009; ARCHER, 2012), o Referências ARCHER, Ian W. Economy. In: KINNEY, Arthur F. The Oxford handbook of Shakespeare. New York: Oxford, 2012. p. 165-181. “King Henry VI was excessively generous in making grants to supporters and for ‘good causes’. Right at the beginning of his rule, in 1438, one of Henry’s council clerks (in modern language, a top civil servant) had complained that Henry had pardoned a collector of customs, thereby losing the Crown £1,300. Exactly ten years later, in 1448, Henry VI expressly willed the huge yearly sum of £1,000 to go towards the building costs of King’s College, Cambridge. He even earmarked part of his own Duchy of Lancaster income to pay the £1,000. Needless to say, the money soon dried up. Such was Henry’s financial profligacy, that by 1450, his Government was reduced to mortgaging its future income to meet its current debts. The proceedings of the February 1449 Parliament also record a grant of 2,500 marks (about £1,700) to the Duke of Somerset and £1,000 to the Duke of Suffolk. [‘The Parliament Rolls of Medieval England Volume XII’, page 68] Both of these payments were to be paid from taxation revenue due to Henry VI’s Government in 1450”. HENRY’S Howlers: (1) Economic Background to the Wars of the Roses (1437-1450). In: angevinman. [S. l.], 19 jan. 2013. Disponível em https://cutt.ly/Fg4jYSn. Acesso em: 20 out. 2021. 12 Luiz Ricardo Cavalcante • André Eduardo da Silva Fernandes Henrique V: o rei vitorioso e a responsabilidade fiscal nas peças históricas de Shakespeare BARKER, Juliet. O Rei, A Campanha, A Batalha de Agincourt. Rio de Janeiro: Record, 2009. BATES, Jennifer A. Hegel and Shakespeare on Moral Imagination. New York: Sunypress (State University of New York), 2010. BLOOM, Harold. Shakespeare: the invention of the human. New York: Riverhead Books, 1998a. BLOOM, Harold. A invenção do humano. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1998b. CARVALHO, Fernando J. Cardim de. Decision-making under uncertainty as drama: Keynesian and Shacklean themes in three of Shakespeare’s tragedies. Journal of Post Keynesian Economics, [S. l.], v. 25, n. 2, p. 189-218, 2002. CHURCHILL, Winston S. História dos povos de língua inglesa. São Paulo: Ibrasa, 2005. 13/14 HELIODORA, Barbara. Introdução (Ricardo II). In: SHAKESPEARE, William. Teatro completo: peças históricas (v. 3). Organização e tradução de Barbara Heliodora. 1. Ed. São Paulo: Nova Aguilar, 2016g, p. 954-955. HELIODORA, Barbara. Introdução às três partes de Henrique VI. In: SHAKESPEARE, William. Teatro completo: peças históricas. Organização e tradução de Barbara Heliodora. 1. ed. São Paulo: Nova Aguilar, 2016h. v. 3, p. 476-477. HENRY’S Howlers: (1) Economic Background to the Wars of the Roses (1437-1450). In: angevinman. [S. l.], 19 jan. 2013. Disponível em https://cutt.ly/Fg4jYSn. Acesso em: 20 out. 2021. HORWICH, R. Shakespeare and the Economics of Time. In: ANNUAL MEETING OF THE NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF ENGLISH, 1977, New York. Anais […]. New York, 1977. FRANCO, Gustavo. Shakespeare e a economia. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. KIDD, Mary Anna. Archetypes, stereotypes and media representation in a multi-cultural Society. Procedia: Social and Behavioral Sciences, [S. l.], n. 236, p. 25-28, 2016. GARBER, Marjorie. Shakespeare and modern culture. New York: Pantheon Books, 2008. MELETÍNSKI, Eleazar. M. Os arquétipos literários. São Paulo: Ateliê Editorial, 1998. GRAV, Peter F. Shakespeare and the Economic Imperative: “what’s aught but as ’tis valued?”. New York: Routledge, 2008. RABKIN, Norman. Rabits, ducks, and Henry V. Shakespeare quarterly, [S. l.], v. 28, n. 3, p. 279-296, 1977. GREENBLAT, Stephen. Como Shakespeare se tornou Shakespeare. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. SACCIO, Peter. William Shakespeare: comedies, histories, and tragedies. Course guidebook (The Great Courses on Tape). Springfield: The Teaching Company, 1999. GRUMMIT, David. A short history of the wars of the Roses. London: I. B. Tauris, 2013. GRUMMIT, David. Henry VI. London: Routledge, 2015. HAWKES, David. Shakespeare and economic theory. London: Bloomsbury Arden Shakespeare, 2015. HELIODORA, Barbara. Introdução (Henrique IV parte 1). In: SHAKESPEARE, William. Teatro completo: peças históricas. Organização e tradução de Barbara Heliodora. 1. ed. São Paulo: Nova Aguilar, 2016a. v. 3, p. 118-121. HELIODORA, Barbara. Introdução (Henrique IV parte 2). In: SHAKESPEARE, William. Teatro completo: peças históricas. Organização e tradução de Barbara Heliodora. 1. ed. São Paulo: Nova Aguilar, 2016b. v. 3, p. 232-235. HELIODORA, Barbara. Introdução (Henrique V). In: SHAKESPEARE, William. Teatro completo: peças históricas. Organização e tradução de Barbara Heliodora. 1. ed. São Paulo: Nova Aguilar, 2016c. v. 3, p. 358-361. HELIODORA, Barbara. Introdução (Henrique VI parte 1). In: SHAKESPEARE, William. Teatro completo: peças históricas. Organização e tradução de Barbara Heliodora. 1. ed. São Paulo: Nova Aguilar, 2016d. v. 3, p. 480. HELIODORA, Barbara. Introdução (Henrique VI parte 2). In: SHAKESPEARE, William. Teatro completo: peças históricas. Organização e tradução de Barbara Heliodora. 1. ed. São Paulo: Nova Aguilar, 2016e. v. 3, p. 588-589. HELIODORA, Barbara. Introdução (Henrique VI parte 3). In: SHAKESPEARE, William. Teatro completo: peças históricas. Organização e tradução de Barbara Heliodora. 1. ed. São Paulo: Nova Aguilar, 2016f. v. 3, p. 712-713. SHAKESPEARE, William. Teatro completo: peças históricas. Organização e tradução de Barbara Heliodora. 1. ed. São Paulo: Nova Aguilar, 2016. v. 3. SHERBORNE, James W. The cost of English warfare with France in the later fourteenth century. Bulletin of the Institute of Historical Research, London, v. L, n. 122, p. 135-150, 1977. THE SHAKESPEARE Book. London: Penguin Randon House, 2015. TILLYARD, Eustace M. W. The Elizabethan World Picture…. [S. l.]: Vintage, 1959. TURNER, Frederick. Shakespeare’s Twenty-First-Century economics: the morality of love and money. New York: Oxford University Press, 1999. WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2015. Luiz Ricardo Cavalcante Doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, BA, Brasil; mestre Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, BA. Consultor legislativo do Senado Federal, em Brasília, DF, Brasil; professor do mestrado em Administração Pública do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Brasília, DF, Brasil. 14/14 Letras de hoje Porto Alegre, v. 57, n. 1, p. 1-14, jan.-dez. 2022 | e-42012 André Eduardo da Silva Fernandes Mestre em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília (UnB), em Brasília, DF, Brasil. Consultor legislativo do Senado Federal, em Brasília, DF, Brasil. Endereço para correspondência Luiz Ricardo Cavalcante SQN 116 Bl. B, apto. 401 70.773-020 Brasília, DF, Brasil Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação.