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Toquinho e Vinícius

Toq.Vin.-França-1973 Nos últimos dias em que ficou na Itália durante sete meses junto com Chico Buarque, em 1969, Toquinho participou da gravação de um disco em homenagem a Vinicius de Moraes. Sergio Bardotti convidou-o para completar o que já tinha sido feito com Sérgio Endrigo, o poeta Giuseppe Ungaretti e Vini-cius de Moraes. Faltava um violão que servisse de fundo para algumas poesias e algumas músicas.

Toquinho fez, então, esse alinhavo musical com seu violão. Tão propício esse LP quanto seu título: “A vida, amigo, é a arte do encon-tro”. Sem exageros, pode-se afirmar que a partir dele se estabeleceria um mar-co divisório na carreira e na vida de Toquinho, provocando-lhe, como o título dizia, a aproximação com Vinicius de Moraes. Não que tivessem se encontrado no estúdio de gravação, nada disso.

O poeta permanecera em Roma alguns meses, até 1° de maio. Nesse tempo gravou sua parte no disco. Toquinho che-gou por lá depois, e só inseriu seu violão nas gravações em outubro, quando o LP já estava praticamente pronto. O disco já ganhara vários prêmios como o melhor do ano antes de chegar às mãos de Vinicius, que ao ouvi-lo, ficou impressionado com o violão de To-quinho. Tendo se apresentado em janeiro de 70 com Maria Creuza e Dory Caymmi na boate La Fusa, de Punta Del Este, de sua amiga Silvina Perez, Vinicius acertara um retorno para uma nova temporada em junho, desta feita em Buenos Aires.

Vin-Marilia-ToqAlguns problemas com Dory, porém, obrigaram-no a procu-rar outro violonista. E o disco contribuiu diretamente para a escolha. Ouvindo o violão de Toquinho, não teve dúvidas, chamando-o para trabalharem juntos. Toquinho conta como recebeu esse chamado: “No começo da tarde, quando acordei, minha mãe tinha um recado, para eu ligar para o Vinicius de Moraes. Peguei aquela ponta de papel de pão com o número escrito por Dona Diva. Sonolento, não sabia se ainda dormia, e sonhava, ou se tudo aquilo era real. Por via das dúvidas, não custava conferir. Do outro lado da linha, a cons-tatação, era a voz do poeta, sem rodeios, direta: ′Toco? É Vinicius de Moraes. Gostei muito do seu trabalho naquele disco produzido pelo Bardotti, na Itália. Estou indo para uma temporada na Argentina com uma cantora nova, a Maria Creuza, e preciso de um violonista. Que tal, Toco, topa?′” O curioso é que, entre os sonhos adolescentes de Toquinho e o inespera-do telefonema de Vinicius procurando-o, eles haviam se falado apenas uma vez, e muito superficialmente. Voltaram a se falar alguns anos depois, quando Vinicius ligou para Toquinho convidando-o para trabalharem juntos. “Evidente que não pensei duas vezes, tratei de arrumar as coisas e seguir com ele”, afir-ma Toquinho.

Era uma simples proposta de trabalho na qual prevaleciam o aguçado fa-ro de um poeta consagrado de apenas 56 anos e a vigorosa autoconfiança de um jovem músico, já com 23 anos. Quase nem se conheciam, mas, no mínimo, desconfiavam que cada um carregava consigo o que o outro precisava: Vini-cius levando a juventude da experiência, e Toquinho, a experiência da juventude.

Tudo começou a bordo do navio Eugênio C, em junho de 1970, rumo a Buenos Aires. Toquinho fala sobre isso: Foto_10“Era um tempo em que Vinicius ainda evitava viajar de avião, então fomos para a Argentina de navio. Eu sentia uma sensação estranha, não sabia direito o que é que eu ia fazer lá. De repente, estava a bordo de um navio junto com Vinicius de Moraes, um ser humano grandioso de quem até então eu conhecia quase nada, a não ser o que ele tinha escrito e cantado por aí. Sei que na primeira noite no navio eu passei muito mal, foi um horror. Pegamos uma tempestade no Golfo de Santa Catari-na, e eu no meu quarto, enjoado, com tudo a balançar por todos os lados. Até marinheiro vomitava. E Vinicius sentado a uma escrivaninha, segurando o copo para que ele não caísse, e conversando naturalmente, sem se alterar.

Foto_6Ficou lá ao meu lado, como um pai, ou melhor, como alguém com pretensões de se fazer amigo. Nossa relação começou assim, e logo de cara eu passei a vê-lo um pouco como irmão, porque ele não sabia ser velho, o que na realidade ele não era. Chegamos em Buenos Aires uns dois dias antes do final da Copa de 70, e começamos a trabalhar. Assistimos juntos a decisão Brasil x Itá-lia na casa da Silvina e Coco Perez, os donos da boate La Fusa.

O Brasil ganhou a Copa, nosso show já fazia um grande sucesso e naquele domingo abrimos o espetáculo com aquela música: ′A taça do mundo é nossa/ Com brasileiro, não há quem possa…′. Então, minha relação de amizade e conhe-cimento com Vinicius já se iniciou em meio a esse clima positivo da seleção ganhando a Copa, nosso show em pleno sucesso, aqueles jantares invadindo a madrugada. Houve uma adaptação perfeita entre a gente, porque tudo que Vinicius gostava de fazer eu também gostava: tocar violão, curtir os temas que iam saindo, comer bem, viver a noite ao lado de amigos e mulheres bonitas. Ficamos em Buenos Aires uns 12 dias e fizemos 10 shows, sempre com a boa-te lotada”. Pode-se sentir o que foi esse show ouvindo-se o disco do selo Tro-va, “Vinicius de Moraes en La Fusa com Maria Creuza y Toquinho”, disco que prossegue em catálogo até hoje, em vários países.

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