Crítica | The Innocents (2021). Os inocentes, dirigido por Eskil Vogt… | by Cristine Paes | Medium

Crítica | The Innocents (2021)

Cristine Paes
4 min readJan 6, 2023

Os inocentes, dirigido por Eskil Vogt, é um filme norueguês que acompanha a mudança de Ida e sua família para os arredores de Oslo, Noruega. Lá, a menina faz descobertas surpreendentes e perigosas sobre sua irmã e seus novos colegas.

Geralmente, as primeiras cenas dos filmes nos antecipam sobre o que está em pauta e o que podemos esperar para os minutos ou horas seguintes. Em Os Inocentes, isso não é diferente. Logo no início, vemos que Anna, irmã de Ida, é incapaz de falar em decorrência do alto nível de autismo; apenas emite alguns sons. Ida se aproveita disso para beliscar a menina, já que ela não chora nem se queixa dos abusos físicos que sofre.

Essa primeira cena já nos dá um panorama sobre a essência do longa: trata-se de uma discussão sobre poder e maldade.

Essa dinâmica das irmãs me remeteu à performance Ritmo 0, de Marina Abramovic, na qual ela permanecia imóvel durante seis horas e o público poderia interagir com a artista por meio dos objetos disponíveis na sala. O recado a seu lado dizia:

“Instruções: existem 72 itens na mesa e você pode usar como quiser em mim. Eu sou um objeto. Durante as seis horas, assumo toda a responsabilidade pelo que acontecer.”

No começo, o público foi comedido. Mas conforme o tempo foi passando, as ações se tornaram violentas e até mesmo criminosas. Segundo o crítico de arte Thomas McEvilley, a artista foi agredida sexualmente várias vezes. O público, assim como Ida, sabem que não serão repreendidos pelo mal que fazem. Isso nos faz refletir se existe limite para crueldade quando não há consequências.

No novo lugar, Ida e Anna fazem amizade com Ben e Aisha, respectivamente. O laço das duplas acaba unindo os quatro e eles começam a brincar todos juntos. Em um desses momentos, as crianças descobrem que Aisha, Anna e Ben conseguem se comunicar por telepatia, isto é, são capazes de saber o que o outro está pensando. Além disso, o menino também possui o poder da telecinese e pode entrar na mente de qualquer pessoa, produzindo visões para manipulá-la a fazer o que ele deseja.

O título da obra é uma ironia com o conteúdo: o longa mostra como crianças podem ser perversas intencionalmente e como isso é palpável. Apesar de ter o aspecto sobrenatural de superpoderes, o roteiro é significativamente crível e nos apresenta situações bastante comuns, que poderiam facilmente acontecer na vida real. Não existem crianças possuídas por entidades demoníacas, nem livros que despertam espíritos malignos ou qualquer coisa do tipo. O que existe aqui são apenas crianças tendo atitudes más porque têm poder para isso. Ida, por exemplo, agride a irmã fisicamente porque ela não reage. Sendo assim, a protagonista se sente confortável para continuar, já que não haverá consequências negativas. No entanto, quando Anna começa a melhorar de sua condição autista, Ida para com as agressões. O fato da irmã ter voltado a falar aproximou as duas porque foi possível construir uma conexão que antes não existia por causa da ausência de comunicação.

Diferente de Ida, Ben tem atitudes perversas porque não sente empatia. Quando alguém o aborrece, não importa quem seja, ele utiliza seu poder para se vingar. O que poderia ser positivo e até útil, se torna destrutivo porque é utilizado pela pessoa errada. Em contraponto, temos Anna e Aisha, que possuem poderes parecidos mas os utilizam para defender quem amam e para se comunicarem.

A narrativa nos mostra como o poder faz transparecer a essência de quem o detém e como a maldade é intrínseca ao ser humano, em menor grau em alguns e em maior grau em outros, mas presente em todos os indivíduos.

O elenco principal é talentoso e tem uma ótima química, que resulta em personagens cativantes. Mas é Alva Ramstad quem merece todo o destaque. A atriz entrega uma interpretação tão espetacular que pensei que ela realmente poderia ter algum transtorno.

O suspense é causado, principalmente, pelo realismo que a direção de Vogt traz por meio dos efeitos especiais e movimentos de câmera simples. A estética verossímil é um dos motivos pelos quais sentimos angústia. Afinal, a palpabilidade do mal é realmente assustadora. Caso Eskil houvesse apelado para um tom mais fantasioso e lúdico, não teria o mesmo efeito.

Apesar disso, Os inocentes não é um suspense de tirar o fôlego, mesmo porque não é sua pretensão. Mas é certamente uma boa pedida para quem deseja refletir sobre o conceito de perversidade através de uma história instigante e realista.

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Cristine Paes

Eu tenho que escrever sobre os filmes que vejo senão eu esqueço (e porque me formei em cinema)