(PDF) PAPERT, Seymour. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. | Paulo Gileno Cysneiros - Academia.edu
PAPERT, Seymour. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Tradução de Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008. A máquina das crianças, numa escola com/sem futuro […] I used to get mad at my school The teachers who taught me weren’t cool They were pulling me down Turning me round Filling me up with their rules […] Paulo Gileno Cysneiros Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco pgcysneiros@gmail.com Em meados do século passado os Beatles expressaram em música e verso o sentimento de uma geração mundial de jovens sobre a instituição escolar. Numa das letras, o personagem se enfurecia com a escola (I used to get mad at my school...), queixando-se que seus professores não eram “legais” (...they weren’t cool) e tentavam padronizá-lo, podando-o (pulling me down, turning me round), enchendo-o, como um vaso, com as regras “deles” (filling me up with their rules...). Por acaso, o leitor associou esta imagem com a educação bancária denunciada na mesma época por Paulo Freire? Ou lembrou do protesto de jovens franceses em março de 1968, ou do movimento hippie nos Estados Unidos pós-guerra fria e Guerra do Vietnam? Ou de Pink Floyd em The Wall, lembrando professores cruéis (“…certain teachers would hurt the children any way they could...”)? Ou da cristalina poesia- música de Caetano Veloso (“...caminhando contra o vento... e eu nunca mais fui à escola ... sem lenço e sem documento, eu vou ....”)? Desde então alternativas foram propostas, entre vários outros, por nosso já citado Paulo Freire (em Pedagogia da autonomia, entre outros livros), por Ivan Illich (Sociedade sem escolas) e por Seymour Papert em A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática, agora relançado no Brasil pela Artmed em edição revisada, comentada e quase que inteiramente retraduzida pelo autor destas linhas. R. Fa c e d, Salvador, n.12, p.227-231, jul/dez. 2007 Miolo_Faced_12.pmd 227 14/7/2008, 16:45 227 Pesquisador em matemática do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, neste livro Papert nos conta como viveu a época do nascimento do computador de grande porte, mistificado pela grande imprensa, que mostrava suas maravilhas e ignorava o fato dele ter sido pensado e financiado para a guerra, concebido por matemáticos e parido como uma tecnologia militar, hermética para a pessoa comum. Incidentalmente, meu sentimento é que mesmo os computadores atuais ainda guardam o DNA da filosofia inicial em interfaces chamativas, porém distantes da lógica das pessoas, em muitos aspectos obscuras até mesmo para os nativos digitais, embora possa parecer o contrário. Para ele, a mudança de matemático para educador começou a ocorrer no início da década de 1960, quando os computadores mudaram seu modo de trabalhar. Impressionou-o o fato de determinados problemas abstratos e difíceis de captar terem se tornado concretos, transparentes, manipuláveis. Foi quando experimentou as primeiras sensações de empolgação e poder de domínio que mantêm as pessoas trabalhando noite a dentro com computadores. Após conhecer Jean Piaget em Paris e acreditando que as crianças poderiam desfrutar das mesmas experiências dos adultos com as novas máquinas do conhecimento, Papert começou a trabalhar, com sua equipe, numa linguagem de programação acessível a crianças, tendo resultado na linguagem Logo (www.eurologo.org) algo completamente diferente do que se fazia então com informática na educação. Em poucos anos a linguagem logo se espalhou por todo o mundo, contrapondo-se a um modo de uso do computador na escola, baseado em softwares educativos que replicavam o lugar comum dos livros didáticos. Papert escreve essa história de modo descontraído, conversando com o leitor ou leitora, explicando suas idéias de modo que possa ser compreendido por qualquer professor, pai ou mãe; explorando modos de facilitação da aprendizagem sem usar a linguagem técnica da academia. Uma de suas teses é que apesar das novas tecnologias da informação e comunicação tornarem possível um amplo espectro de estilos de aprendizagem, a Escola (com letra maiúscula, como instituição) mudou muito pouco. Ela raramente utiliza maneiras naturais de aprender, apegando-se a um currículo de disciplinas 228 Miolo_Faced_12.pmd R. Fa c e d, Salvador, n.12, p.227-231, jul/dez. 200 7 228 14/7/2008, 16:45 isoladas, “transmitindo” conhecimentos em pequenas doses, cobrados em provas mensais, semestrais, vestibulares. O autor nota que educadores como John Dewey e Maria Montessori também propuseram mudanças substanciais na escola, porém não dispunham do apoio de tecnologias como as de hoje. Para que haja mudança, Papert salienta a importância de computadores conectados à internet e denuncia seu uso para manter a atual estrutura da Escola, sem mudar a sala de aula e o modo de ensinar. Um tipo de uso que costumo chamar de inovação conservadora, onde se mudam apenas elementos secundários. Nesta perspectiva, uma onda do momento são os quadros interativos, ou lousas eletrônicas, em salas de aula onde o professor continua como a figura intocada, numa ótica de transmissão. Naturalmente, quadros interativos podem contribuir para aumentar a participação dos alunos numa aula em tempo real, mas a tentação será grande para mantê-los como espectadores passivos, que apenas ocasionalmente serão convidados a participar da inovação. Conforme argumentei no prefácio à nova edição, a releitura da obra de Papert é oportuna em vários sentidos, a começar pelo surgimento dos notebooks educacionais (e.g. www.olpc.org), que certamente serão a nova onda tecnológica na educação básica mundial nos próximos anos. Aliás, este foi o principal motivo para esta nova edição, face ao projeto Um Computador por Aluno (SEED-MEC/Presidência da República), iniciado este ano em cinco escolas públicas brasileiras, como ensaio de um grande experimento nacional a partir de 2008, que envolverá aproximadamente 300 escolas públicas, onde todos os alunos e professores receberão laptops educacionais com tecnologia wireless e software livre. Projetados, é bom frisar, para uso na educação e não na empresa. São pequenas máquinas que devem agüentar quedas, poeira, líquidos e as mochilas dos seus usuários. No ambiente da escola não são, como comentou um influente colega nosso numa palestra recente para educadores, objetos técnicos que estimulam o isolamento. A idéia de máquinas multimídia como próteses da inteligência em desenvolvimento, sempre disponíveis como têm sido lápis e cadernos, foi lançada por Seymour Papert, há quase 30 anos. Nesta obra ele reforça a tese de que o computador pessoal é im- R. Fa c e d, Salvador, n.12, p.227-231, jul/dez. 2007 Miolo_Faced_12.pmd 229 14/7/2008, 16:45 229 portante para a autonomia intelectual do aprendiz a partir dos primeiros anos da escola, tornando-o menos dependente de adultos como provedores de informação, e da escrita como a forma predominante de conhecer e se expressar. Tentativas passadas de colocação de poucos computadores em salas fechadas não causaram impacto na Escola, como já havia notado Nelson Pretto (da Faculdade de Educação da UFBA) em relação à televisão e ao vídeo, no livro cujo título parafraseei na epígrafe desta resenha, publicado quase na mesma época de A máquina das crianças. Do mesmo modo como livros, lápis e cadernos não teriam impactado a educação se estivessem disponíveis apenas por algumas horas semanais. O livro de Papert não é apenas sobre computadores na educação, mas o esboço de uma teoria de aprendizagem humana, num mundo que está gerando novas lógicas, visceralmente contextualizadas pelas novas tecnologias da informação e comunicação. Alguns pontos são abordados por meio de exemplos do cotidiano de várias escolas e da vida pessoal do próprio autor: a atividade colaborativa entre aprendizes para resolução de problemas, a inadequação da escola de fala do mestre, giz e bancas enfileiradas, em face das mudanças contemporâneas noutros setores da sociedade, como também o medo de alguns professores de serem suplantados pelos seus alunos e alunas, dentre outros. De modo pouco convencional para um pesquisador, o autor utiliza exemplos de filmes e de livros que foram sucesso de público nos Estados Unidos e noutros países. Esta obra também é a melhor fonte em português sobre construcionismo. Resultante da convivência de Seymour Papert com Jean Piaget, é um termo cunhado pelo autor para se referir a um tipo de aprendizagem centrado no pensamento operacional concreto. No capítulo Instrucionismo vs. Construcionismo, ele demonstra a importância do pensamento concreto para a aprendizagem, sem a conotação de trampolim para o abstrato. Se assim fosse, nas suas próprias palavras, “deixaria o pensamento abstrato plantado imóvel como a forma derradeira de conhecer”. Ele enfatiza a ação mental e material com objetos enraizados no tempo, no espaço e em experiências e representações do mundo, onde abstrações formais sem dúvida são importantes, porém como ferramentas para intensificar o modo concreto de pensar, o rela- 230 Miolo_Faced_12.pmd R. Fa c e d, Salvador, n.12, p.227-231, jul/dez. 200 7 230 14/7/2008, 16:45 cionamento mental de representações concretas em redes pessoais de conhecimento. Para finalizar, comentarei um pouco mais a revisão substancial da tradução, pensando particularmente nas pessoas que leram a anterior (de 1994) e irão decidir se vale a pena ler a atual. A primeira continha problemas que dificultavam a leitura, como falsos amigos e um estilo nem sempre claro. Em vários trechos o original havia sido deformado, tornando difícil e até impossível a compreensão de parágrafos inteiros. Várias partes do conteúdo só tinham sentido pleno para conhecedores da cultura do autor. Traduções inadequadas eram comuns no Brasil até alguns anos atrás, resultado, em parte, de remuneração irrisória dos tradutores e de leitores pouco exigentes. No caso de livros acadêmicos, o tradutor deve não somente possuir um conhecimento vivido das línguas e culturas envolvidas, mas também conhecer o assunto ou receber ajuda de um profissional da área do conteúdo e ter em mente o tipo provável de leitor. Ao revisar este livro, num intenso trabalho de apenas seis semanas, inseri 96 de notas, pensando nos nossos professores de ensino fundamental e médio e nos estudantes universitários que não viveram a época do autor e não tiveram o privilégio de familiarizar-se com a língua inglesa, que, como o português, tem sofrido mutações numa velocidade acentuada. R. Fa c e d, Salvador, n.12, p.227-231, jul/dez. 2007 Miolo_Faced_12.pmd 231 14/7/2008, 16:45 231