Marina Lima: 'Descobri o charme, os pequenos ganhos e detalhes de ser mais velha' | Música | G1

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Por Gabriela Sarmento, G1

Após 40 anos de carreira e 21 discos, Marina Lima vê que tem uma obra completa e registra a produção em um "songbook".

O livro "Marina lima - Música e Letra" reúne as cifras e letras de todos os 21 discos lançados desde a estreia com "Simples como fogo" em 1979.

Ela vê o songbook como um momento de celebração e de troca com os fãs que a seguem e admiram há décadas. A transcrição das músicas foi feita por Giovanni Bizzotto, músico e parceiro desde os anos 90.

A cantora carioca também lança o EP "Motim", com quatro faixas que sintetizam elementos importantes em seu produção e versam com a pandemia, o amor e o envelhecimento.

Além de "Nóis", parceria com Mano Brown, as faixas do EP são "Pelos Apogeus", "Kilimanjaro" e "Motim".

Marina Lima — Foto: Candé Lima / Divulgação

Sempre bem resolvida, Marina não vê a questão do tempo como um problema, não gosta de olhar para trás e tem a atriz Jane Fonda como exemplo quando o assunto é envelhecer.

"Descobri o charme, os pequenos ganhos e detalhes de ser mais velha. Os 20, 30, 50 anos eu já vivi, não quero voltar atrás, já vivi aquilo. Quero achar interessante o agora e ainda estou achando, e muito!", diz ao G1.

Neste momento da carreira, Marina se desprende da "obrigação" de fazer álbuns e agora quer coisas curtas.

"Não quero estressar ninguém, quero dar o meu melhor e se tiver que ser menos, que seja menos agora".

Outro EP, um single ali, outro aqui e... trilhas sonoras. A cantora carioca diz que descobriu que o que faz de melhor é compor e arranjar e quer se dedicar sua energia para produzir para filmes e marcas.

Ela tem Trent Reznor, ex-vocalista do Nine Inch Nails e produtor de sucesso de Hollywood, como referência nessa transição. "A Rede Social", "Watchmen" e "Soul" são algumas produções em que Reznor esteve envolvido.

Na entrevista abaixo, Marina fala sobre os lançamentos, a relação com o tempo, o casamento e novos nomes da música brasileira que admira.

G1 - Como você tem passado esses meses todos de pandemia?

Marina Lima - Olha, melhor que a maioria, prefiro nem reclamar. Me sinto privilegiada, mas a gente está péssimo e à deriva. Não vejo a hora de alguém legal chegar e comandar esse barco. Mas eu estou bem.

G1 - Agora você está lançando o EP "Motim", com quatro faixas. Como elas surgiram? Li que você as escreveu no ano passado.

Marina Lima - Quando aconteceu a pandemia e, de repente, ninguém mais podia sair de casa, tomei um susto. Fiquei pensando o que eu poderia fazer para não pirar, porque ser privado de tudo é uma coisa louca, a gente não está acostumado com isso.

O que eu faço bem? O que me inspira? O que me faz bem? O que me leva bem para os outros? Música. Eu comecei a estudar coisas novas, a compor, a tocar... Até que uma coisa levou a outra.

G1 - É legal que o EP tem a influência a música eletrônica, as baladas, a sua vertente pop, traços que foram marcantes na sua carreira. A ideia de mostrar um pouco de cada um foi intencional?

Marina Lima - Pensava no que eu poderia fazer para tornar o lançamento do songbook uma coisa presente e as quatro músicas do EP, de alguma forma, ser concisamente tudo aquilo, entende?

Tive ajuda do Renato Gonçalves, que foi quem me ajudou, um cara da USP, que conheci pela internet. Ele me ajudou a conceituar tudo objetivamente. Pensei como dois produtos de lançamentos simultâneos que se completassem.

Percebi que não queria fazer um disco, achava que ninguém ia aguentar ouvir os 21 discos e um novo. Achava que ia cansar, eu mesmo não ia aguentar. Eu tinha mais música, mas escolhi as quatro que melhor representavam a minha obra e inclui elas também no songbook.

G1 - Em “Pelos Apogeus”, você fala sobre a vida de maneira poética e biográfica. Como se sente aos 65 anos?

Marina Lima - A Jane Fonda, aquela atriz mais velha, uma mulher sábia, sempre foi danada, ela escreveu uma biografia em que dizia que dos 60 anos em diante era o grande inverno. Eu adorei o meu inverno começar aos 60, poder durar 40 anos e ser a hora mais sábia.

Fiz "Pelos Apogeus" querendo falar um pouco rapidamente sobre cada fase, no começo era praia, depois era gringa, depois o começo da melancolia, a volta ao Brasil, grandes paixões, depois a meia idade e daí o grande inverno que é claro como o verão para mim. Quis dar a minha visão do envelhecimento que estou vivendo agora como verão.

G1 - É um período, então, que você sente que está mais sábia, plena?

Marina Lima - Em vez de ser o que eu poderia temer, de ser uma coisa apenas de decadência física, de dificuldades, de nostalgia, mas não é nada disso. É um período de libertação enorme, porque a mulher desde cedo é repreendida, é reprimida. Então é um período que dá a mulher o total direito de falar tudo que ela pensa, porque ela conquistou o direito pela própria existência, já acaba o problema de não querer desagradar. Isso foi libertador.

"Depois, descobri o charme, os pequenos ganhos e detalhes de ser mais velha. O que acontece? Os 20, 30, 50 anos eu já vivi, não quero voltar atrás, já vivi aquilo. Quero achar interessante o agora e eu ainda estou achando, e muito."

Marina Lima canta em palco da Virada Cultural, na Praça da República, em 2019 — Foto: Fábio Tito/G1

G1 - A ideia de fazer um songbook não é nova, né? Por que lançá-lo agora?

Marina Lima - Desde que comecei, recebi convites para fazer um songbook, mas primeiro eu nunca achava que estava pronta, não entendia e achava uma loucura.

Depois, percebi que não era da minha obra só autoral, percebi que o meu tesouro eram os meus discos, a obra completa. Quem eu era, mais do que as canções que eu compus, estavam nos discos.

Quando eu fiz 21 discos, percebi que tinha uma obra ali, comecei a trabalhar e dois anos depois chegou a pandemia.

G1 - Você diz que, com o lançamento do songbook, você encerra a sua "obrigação em fazer discos". Por quê?

Marina Lima - Porque senti isso agora. Vi que Alice Caymmi, uma cantora pop que eu admiro, que escolhe boas músicas, tinha lançado duas músicas novas. Não sei quem lançou quatro, não sei quem lançou um EP.

Há vários modelos, cada artista vê o que cabia melhor para si e eu não tinha me dado conta que estava assim e decidi que queria fazer quatro (músicas).

Não quero estressar ninguém, quero dar o meu melhor, se tiver que ser menos que dê menos agora. Daqui a pouco lanço um single, outra música com Mano Brown, continuo o que comecei agora.

G1 - Quais são os próximos desafios? Algum plano concreto?

Marina Lima - Além de fazer outro EP daqui a um tempo, outro encontro com Mano Brown e continuar as coisas que comecei, tenho vontade de fazer trilha sonora de um filme, uma marca ou produto.

Esse é um caminho de um cara de uma banda que eu admirava muito, o Nine Inch Nails. O Trent Reznor se tornou o maior compositor de músicas, ele concorre a Grammys, concorre a tudo. Vejo um futuro aí possível. Vamos ver, vamos ver...

G1 - Mas dos palcos, você pretende continuar na ativa, quando for possível?

Marina Lima - Você faz as músicas, compõe, bota no mundo, e quando você viaja um país enorme como o Brasil, você vê um monte de gente cantando as suas músicas... É uma emoção, uma realização de algo que você não sabia que havia acontecido.

É realmente um encontro, uma constatação muito forte, então deixar de fazer shows nunca, porque é um momento de celebração muito importante para mim. É como o songbook. Preciso dar isso, preciso compartilhar.

Marina Lima na capa do primeiro álbum, 'Simples como fogo', de 1979 — Foto: Reprodução

G1 - Além das baladas que ficaram muito famosas, você também trouxe a música eletrônica para o som pop que você faz desde os anos 80. Queria que você comentasse isso.

Marina Lima - Sabe o que me atraiu? Fiquei louca pelos timbres. Comecei a compor, tocava violão e aí eu comecei a entrar em contato com pequenos teclados que tinham uma bateriazinha eletrônica embutida.

Quando comecei a comprar equipamentos melhores, fiquei louca com as possibilidades que tinha. Ainda mais pelo fato de não fazer parte de um grupo, era uma compositora solitária. Eu tinha meu irmão, mas ele fazia letra, então toda a parte musical a incumbência era minha.

"Quando descobri novas panelas, novos temperos, novos utensílios, fiquei louca e comecei a compor 'Fullgás' usando timbres eletrônicos. Isso realmente influenciou a minha maneira de ver uma moldura de uma canção."

Descobri que o que eu faço melhor é compor e arranjar. Aprendi depois de 40 anos a criar um ambiente ideal para eu pousar. Preparo o mato, a terra, calibro tudo, boto a quantidade de álcool e pouso. Esse é meu talento, tanto em músicas que são baladas e que têm elementos eletrônicos também ou ao contrário. Tem uma mistura de tudo, é uma alquimia que se faz. É nisso que eu me tornei boa.

G1 - Você sempre falou abertamente sobre a sua sexualidade e isso acabou influenciando muitas gerações. Você se vê como esse símbolo?

Marina Lima - Para algumas pessoas sim, para as pessoas que me importam. Para quem não liga a mínima, tudo bem. Para quem isso tudo importa, dizer a verdade, ajudar a abrir caminhos ou somente dizer a verdade e se colocar, para quem importa isso: um brinde!

G1 - E hoje como está seu coração, seu casamento com Lídice Xavier vai bem ou a pandemia deu uma estressada?

Marina Lima - Casamento é diferente de namoro, porque namoro, você fica nas coisas boas ali né? Casamento você está junto, mas eu gosto da realidade.

Procuro fazer do meu dia-a-dia uma maravilha. Me esforço, dou o melhor que posso e não vou negar, que recebo também. Para ter uma vida em comum é necessário ter bom humor, imaginação, um pouquinho de loucura e por aí vai.

G1 - Quais são os seus objetivos de vida hoje em dia? Marina ainda quer…

Marina Lima - Quero viver bastante, quero experimentar coisas que não conheço, quero matar saudade do gosto, de algumas coisas que conheço e tenho saudade. Quero continuar descobrindo artistas que eu não conheço e que me movem de alguma maneira, e quero volta e meia ouvir aos que eu não abro mão.

Marina Lima posa em São Paulo, cidade em que vive há 11 anos — Foto: Divulgação/CandéSalles

G1 - Quem você não abre mão?

Marina Lima - Não abro mão de Beatles, das músicas do Tom, da Donald Fagen, da Aretha Franklin e de vários brasileiros.

G1 - Você também falou sobre conhecer novos artistas. Quem essa nova geração você escuta?

Marina Lima - Vou citar quem eu admiro: Letrux, Alice Caymmi, Linn da Quebrada, que voz linda que ela tem, é uma voz grave deslumbrante e Filipe Catto, que canta lindo e se veste demais.

Veja reportagem de quando Marina completou 60 anos em 2015:

Cantora Marina Lima completa 60 anos

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