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Música

Pelo Telefone (1916)

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 13.05.2024
1916
A historiografia da música popular no Brasil consagra a gravação da canção “Pelo Telefone” (1916), de autoria de Ernesto dos Santos, o Donga (1890-1974), e Mauro de Almeida (1882-1956), o Peru dos Pés Frios, como um marco da história cultural brasileira. Durante muito tempo ela é tratada como o primeiro registro fonográfico de um samba, condição...

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A historiografia da música popular no Brasil consagra a gravação da canção “Pelo Telefone” (1916), de autoria de Ernesto dos Santos, o Donga (1890-1974), e Mauro de Almeida (1882-1956), o Peru dos Pés Frios, como um marco da história cultural brasileira. Durante muito tempo ela é tratada como o primeiro registro fonográfico de um samba, condição questionada e atualmente já revista.

Há uma série elementos importantes que justificam a escolha desta canção como baliza da música popular urbana. Um deles, é a ação propositada do autor de registrar a autoria da composição; outro, a indicação de “samba” no selo do disco, gênero ainda indefinido no início do século XX. Ao registrar a partitura da canção na Biblioteca Nacional, Donga ultrapassa os tradicionais limites da criação coletiva e anônima da música popular da época. Assume a postura de compositor moderno”, que assegura direitos e retorno financeiro sobre a composição. O manuscrito para piano de “Pelo Telefone” é registrado na Biblioteca Nacional em 27 de novembro de 1916, e a primeira edição comercial surge em 16 de novembro de 1916. Logo em seguida, são realizadas três gravações pela Casa Edison, baseadas nesses registros públicos. A primeira e a terceira são apenas gravações instrumentais, realizadas pela Banda Odeon e a Banda do 1o Batalhão da Polícia da Bahia. A segunda gravação, interpretada por Baiano (1870-1944) e acompanhada somente de cavaquinho e violão, é sucesso no carnaval de 1917.

Em “Pelo Telefone” estão decantados registros modernos da música popular que aparecem de modo manifesto apenas na virada dos anos 1920-1930. A saber, o gênero samba urbano, composto por autor conhecido, registrado em partitura, gravado em fonograma, e com ampla divulgação e popularidade. A canção inicia, portanto, uma nova fase da produção musical no país, a ponto de se transformar em uma espécie de “mito fundador”. Mas essa condição não é admitida com tranquilidade e, em 1933, é questionada pelo conhecido cronista carnavalesco Vagalume (?-1946). Ele caracteriza Donga como “precursor da indústria do samba”, que transforma o gênero em um “artigo industrial – para satisfazer a ganância dos editores e dos autores de produções dos outros”.

As circunstâncias da criação de “Pelo Telefone” são complexas e repletas de controvérsias. A autoria exclusiva do samba é questionada por vários compositores contemporâneos de Donga. Eles alegam que a parte central da canção surge nos tradicionais improvisos em reuniões na Casa da Tia Ciata (1854-1933)1. Tudo indica que a motivação central é uma crítica bem-humorada ao chefe da polícia carioca que combate os jogos de azar na cidade. A letra original diz:

O chefe da polícia
Pelo telefone
Mandou avisar
Que na Carioca
Tem uma roleta
Para se jogar.

Ao registrar a letra, Donga subtrai a crítica à polícia e muda a letra para:

O chefe da folia
Pelo telefone
Manda avisar  
Que com alegria
Não se questione
Para se brincar.

Segundo essa versão, ele se apropria de uma criação coletiva, anônima, registrando-a como sua, prática comum na época. Essa acusação prolifera e se consagra com as considerações do radialista e historiador Almirante (1908-1980). O refrão também é tomado de conhecida canção folclórica (Olha a rolinha / Sinhô, sinhô / Se embaraçou / Caiu no laço / Do nosso amor), problematizando a autoria ainda mais. Esse complexo quebra-cabeça autoral é organizado pelo jornalista Mauro de Almeida (o Peru dos Pés Frios), que, por isso, ganha a coautoria da composição.

Outra polêmica refere-se ao fato de ser considerada precursora e marco do samba urbano. O famoso confronto entre Donga e o compositor Ismael Silva (1905-1978), ocorrido na Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música (Sbacem) no final dos anos 1960, expôe essa controvérsia de maneira clara. Nele, Donga defende “Pelo Telefone” como samba precursor e original qualificado, mas Ismael qualifica-o como maxixe. O compositor do Estácio considera sua canção “Se Você Jurar” (1931) como samba de fato, que Donga, por sua vez, classifica como marcha. Na realidade, o que está em jogo são duas concepções, diversas e complementares, das transições culturais que ocorrem em nossa música urbana naquele período.

Seja como for, “Pelo Telefone” alcança sucesso à época, recebendo regravações, paródias e imitações. Mas o fato mais perturbador da força de difusão da canção é talvez o aparecimento imprevisto de  registros fonográficos recolhidos em Belém do Pará, em 1938, pela Missão de Pesquisas Folclóricas, coordenada por Mário de Andrade no Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. Os membros da Missão recolheram gravações que expõem claramente o uso da melodia de “Pelo Telefone” em registros feitos pelo grupo de bumba-meu-boi Pai de Campo, no bairro do Juruna. O registro denominado “Dentro dos Jurunas os Contrários não Entram” é a melodia de “Pelo Telefone”. Outro registro, nomeado “Pai do Campo Marra”, possui também a mesma frase melódica da canção de Donga, só que com outra letra.

Além do registro original de Baiano, gravam a canção o próprio Donga com Zé da Zilda (1908-1954), Almirante e Pixinguinha (1897-1973), Mário Reis (1907-1981), Altamiro Carrilho (1924-2012), Joyce Moreno (1948), Paulo Moura (1933-2010), Gilberto Gil (1942), Beth Carvalho (1946), Vó Maria (viúva de Donga, 1911-2015) e, mais recentemente, o grupo MPB4 e Martinho da Vila (1938).

Nota

1. Tia Ciata. Baiana, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1876. Cozinheira, mãe de santo e animadora cultural, em cuja casa se reunem músicos, políticos e boêmios, para saborear pratos típicos da culinária baiana.

Fontes de pesquisa 6

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  • DOMINGUES, Henrique Foreis (Almirante). No Tempo de Noel Rosa. 2.ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1977.
  • FRANCESCHI, Humberto M. A casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí: Instituto Moreira Salles, 2002.
  • MORAES, José Geraldo Vinci de. E se você jurar, pelo telefone, que estou na Missão de Pesquisas Folclóricas? Revista USP, São Paulo, n. 87, p 172-183, set./ nov. 2010.
  • SANDRONI, Carlos. Feitiço decente. Transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed./Ed.UFRJ, 2001.
  • SILVA, Flávio. Pelo Telefone e a história do samba. In: Revista Cultura, MEC, Ano 8, 28, jan-jun 1978.
  • TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Editora 34, 1999.

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