Mailing do blog

Assine e receba novidades

Olhos D’água, de Conceição Evaristo

Olhos D’água, de Conceição Evaristo

Olhos D’água apresenta várias narrativas com muitas críticas sociais em uma escrita repleta de sentimentos e histórias que retratam a vida de muitas pessoas do cotidiano brasileiro.

Um livro com muitas críticas sócias. São contos que prendem o leitor do início ao fim e abordam temáticas tão pertinentes para serem trabalhadas em sala de aula, pesquisas, palestras e discussões no dia a dia. São 15 contos repletos de emoções, críticas e sentimentos profundos, fazendo o leitor sentir a dor de cada personagem. Se não conseguir sentir a dor deles, volte e leia novamente. O livro Olhos D’água, de Conceição Evaristo, é a definição de vivências reais. São histórias de mães, filhas, filhos, amores, perdas e ganhos

Leia também:

Um livro com muitas críticas sociais, e em uma escrita repleta de sentimentos e histórias de pessoas reais

Este ano foi repleto de leituras boas, tanto que teve um ou outro que eu me decepcionei, mas de um modo geral, foi um ano de livros bons. Entre um livro e outro, surgiu a oportunidade de reler Olhos D’água, da Conceição Evaristo, um livro que eu li quando tinha lá meus 18 anos e estava aprendendo sobre a vida. Ler, novamente, Olhos D’água, agora mais velho, foi muito bom, principalmente em relação à minha forma de ver o mundo e hoje poder ter um senso mais crítico sobre a sociedade e os contos da autora. Digo isso, porque o livro da Conceição Evaristo é repleto de críticas sociais, de vivências que, provavelmente, você e eu já presenciamos em algum momento em nossas vidas.

O livro conta com 15 contos que trazem várias vivências de pessoas que moram nas periferias. É um livro muito bom, mas é muito pesado também, porque toca em questões muito delicadas e ficam muito evidentes que são as realidades de muitas pessoas aqui no Brasil.

Quando eu menciono essa questão da crítica social em Olhos D’água, é porque os contos trazem temas muitos específicos, seja ao abordar sobre o trabalho infantil, outro sobre a sobrecarga na jornada de trabalho, violência física e até mesmo o desejo de uma mãe em levar apenas uma fruta para seus filhos comerem. Dito isso, essas questões nos levariam a pensar no papel do Estado no contexto em que vivemos, porque sabemos que fora dos contos, esses debates ainda verberam na sociedade. Menciono esses pontos para que as pessoas leiam o livro da Conceição Evaristo com o senso crítico.

A intenção de Conceição Evaristo na sua escrita

Em muitas aulas de literatura que tive na faculdade, muito falou-se sobre “a intenção do autor” em seus escritos, já que o crítico literário Roland Barthes (1915-1980) aponta que a intenção do autor não é um fator determinante para pensar o texto, já que os escritos podem ter várias interpretações, o que nos remeteria à forma individual de cada leitor entender o texto. No entanto, não podemos deixar de lado as lutas que a Conceição viveu e como há uma tentativa de mostrar a realidade de muitas mulheres pretas em sua escrita. Me parece que há uma tentativa de Conceição Evaristo em mostrar, por meio de seus contos, esse choque de realidade que acontece. Eu, realmente gostei da forma direta que ela aborda cada tema, já que ela mostra de uma forma tão sucinta, por isso, que eu questiono “A morte do autor” posta por Barthes, pois, não podemos ignorar essas questões e a escrita como um ato de resistência e luta.

Eu super indico Olhos D’água, mas eu deixo claro que o leitor precisa tomar cuidado. Apesar da escrita da autora ser muito boa, também é muito pesada, pode ser que alguns contos sejam gatilhos para algumas pessoas, porque abordam sobre violência física e sexual, suicídio, prostituição, assassinato.

Longe de mim querer dar spoiler sobre os contos, mas acredito que seja interessante comentar, mesmo que brevemente, sobre eles para que o leitor possa entender um pouco mais das temáticas presentes durante a leitura desses 15 contos.

“Lembro-me ainda do temor de minha mãe nos dias de fortes chuvas. Em cima da cama, agarrada a nós, ela nos protegia com seu abraço.”

Pág. 17
Olhos D’água, da Conceição Evaristo

Resenha do livro Olhos D’água, de Conceição Evaristo

O conto Olhos D’aguas, que dá nome ao livro, foi um dos contos que mais me tocou, porque durante no conto, a personagem fala que acordou de repente, a mesma usa a palavra “bruscamente” para referir-se a esse ato repentino e questiona-se: qual era a cor dos olhos de minha mãe? Passaram dias, meses e esse pensamento ficou, até tornar-se um “tom acusativo”, de “então eu não sei de que cor eram os olhos de minha mãe?”.

Durante o conto a personagem menciona várias situações que viveu durante sua infância, mas não consegue lembrar-se de que cor eram os olhos de sua mãe. Doeu bastante ver a personagem falar sobre os momentos que sua mãe brincava com ela e com suas irmãs na tentativa de distrair a fome, mas também foi muito emocionante ver onde a felicidade estava nas pequenas coisas, como por exemplo, passar o fim de tarde sentadas na soleira da porta para ver as nuvens, já que algumas faziam desenhos de carneirinhos, cachorrinhos e vários outros formatos.

Apesar de não querer aprofundar muito, devo dizer que fiquei muito tocado com o final do conto, pois, ele foi confortante e muito emocionante. Um detalhe que eu fiquei pensando depois, foi em como a escolha desse conto para ser o primeiro foi certeira, tanto que eu não consigo pensar em nenhum outro que poderia ter sido. 

“O peito de Ana Davenga doía de temor. Todos estavam ali, menos o dela. Os homens rodeavam Ana.”

Pág. 22

Histórias tristes e emocionantes em Olhos D’água

O segundo conto, intitulado Ana Davenga, também foi muito bom, nele, a angústia toma conta não só da personagem que encontra todos os amigos de seu companheiro ao redor dela, no dia de seu aniversário, mas do leitor que fica estimando o que pode ter acontecido com ele. A narrativa do conto é na perspectiva de Ana, no dia de seu aniversário, quando todos os amigos de seu companheiro chegam em sua casa de surpresa, mas ela não ver seu esposo. Nisso, nesses minutos de angustia para a personagem, percebe-se “um filme” passando pela cabeça da personagem ao imaginar o que poderia ter acontecido para ele ter sumido. Nesses minutos de angústia, ela também nos conta sua história.

O medo de não encontrar o seu homem no meio daquelas pessoas, deixou Ana desesperada, porque ela sabia que seu companheiro não era de ficar sozinho. Mesmo as vezes que ele sumia, ela saberia por alguém, seja algum homem de Davenga ou pelas companheiras deles, que ele não estaria só, mas naquele momento, ela sabia que ele estava sozinho.

O conto vai mostrar desde a chegada de Ana na vida de Davenga, como ela recebe o sobrenome dele, a desconfiança e a cobiça que seus homens tiveram por ela estar ali, até começarem a tratarem ela com respeito. Fica claro o tempo todo que o conto fala sobre o mundo do tráfico e sobre uma mulher que acaba de envolvendo com um traficante perigoso. Foi um dos finais mais dolorosos que eu vi. Momento nenhum eu esperava que fosse acontecer daquela forma. Queria poder falar muito mais sobre esse conto, porque ele é muito bom, mas tenho que me conter para não soltar nenhum spoiler, mas os acontecimentos durante a narrativa fazem valer a pena cada linha lida.

“Duzu morou ali muitos anos e de lá partiu para outras zonas. Acostumou-se aos gritos das mulheres apanhando dos homens, ao sangue das mulheres assassinadas. Acostumou-se às pancadas dos cafetões, aos mandos e desmandos das cafetinas. Habituou-se à morte como uma forma de vida.”

Pág. 34

Grandes histórias nos textos de Conceição Evaristo

O terceiro conto de Olhos D’água, chama-se Duzu-Querença, foi uma leitura que também de tocou muito, já que sua temática é sobre prostituição infantil. Particularmente, eu fico muito sentido com histórias de famílias que se mudam para outro lugar na busca de tentar melhorar de vida e ver que as esperanças dessa família tomaram outro rumo, foi bem triste. Como o pai de Duzu sabia que a filha era inteligente, caprichosa, boa para a leitura, levou a menina para a capital, para que ela pudesse estudar e trabalhar. Uma senhora, que já havia empregado a filha de outro conhecido do pai de Duzu, ia encontrar com a família na capital.

A menina passou anos trabalhando e os estudos não prosseguiram. Na casa onde Duzu passou muitos anos trabalhando, viviam muitas mulheres bonitas e sempre estavam muito arrumadas recebendo vários homens. Entre a passagem de roupas que a menina ajudava e os quartos que ela limpava, um dia, Duzu esqueceu da orientação de bater na porta antes de entrar e acabou flagrando uma cena de um casal juntos.

O conto tem dois focos centrais: 1. O momento que conta a história do passado de Duzu, onde é retratado sobre o momento que ela viveu em “zonas” e o 2. Que é retratado sobre os nove filhos que ela teve, suas dificuldades durante a vida e os dilemas de cada um deles. O conto é muito bem construído.

“O preço da passagem estava aumentando tanto! Além do cansaço, a sacola estava pesada. No dia anterior, no domingo, havia tido festa na casa da patroa. Ela levava para casa os restos.”

Pág. 39

Duas perspectivas sobre a maternidade

Logo em seguida, temos o conto Maria. Este conto foi o que mais doeu durante a leitura. Ele trata sobre uma mulher que está no ponto de ônibus, cansada de tanto trabalhar, já que no dia anterior teve festa na casa de sua patroa e ela está levando os restos de comida para casa. As preocupações se perdem em meio a felicidade de lembrar que está levando para os seus filhos frutas e, finalmente, com a gorjeta que recebeu, poderá comprar remédios para as crianças.

Entre os muitos pensamentos em sua mente, o ônibus chega, mas o que Maria não esperava era que entrassem dois assaltantes, de imediato ela reconhece que aquele homem era o pai de seus filhos. O homem rouba todas as pessoas, menos a mãe de seus filhos. Após os assaltantes saírem, muitas pessoas começam a indagar Maria e a chamarem de cúmplice. O que pareceria ser um fim de um dia tranquilo para Maria, acabou tornando-se em um pesadelo. O final desse conto me deixou muito mal, porque foi muito triste.

Outro conto muito pesado é o Quantos filhos Natalina teve? O conto começa no presente, com Natalina alisando sua barriga de um filho só seu, assim como a personagem prefere dizer. Aquele filho era queria, mas os outros não. A narrativa do conto aborda sobre os outros três filhos que ela teve e o que aconteceu com o pai de cada um. É evidente que ela não quis nenhum dos outros 3 filhos que teve e em como odiava ver o seu corpo daquele jeito.

O primeiro filho que teve foi na adolescência, com seu namorado, Bilico, a criança nasceu a cara do pai, mas ela decidiu nada contar e fugir para bem longe e ter seu filho sem que ele soubesse. Ao nascer, ela não quis a criança. A segunda gravidez também foi inesperada e indesejada. Decidida a não contar para o pai da criança, Tonho, o rapaz acabou percebendo. O jovem ficou muito feliz com a notícia de que seria pai e iria construir uma família, mas Natalina não queria nada daquilo. Não queria ser de ninguém e não queria ter ninguém.

A terceira criança Natalina foi planejada. Ela não queria, quem queria era um casal para quem a personagem trabalhava. O casal era bem estruturado, viajava, davam festas e tudo seguia bem, até Natalina receber uma proposta inusitada de seus patrões para ter uma criança para eles. No quarto conto, pode conter gatilho para muitas pessoas, porque relata um episódio de violência sexual.

“Aos poucos, as ameaças feitas pelo marido, as mais diversificadas e cruéis, foram surgindo. Tomar as crianças, mata-la ou suicidar-se deixando uma carta culpando-a.”

pág. 53

Os contos que envolvem traição, medo, bissexualidade e burnot

No conto, Beijo na face, apresenta a história de Salinda, uma mulher que traiu o seu marido e agora vive correndo das sombras dele. Ela tentou fugir, depois de muitas ameaças e no decorrer da narrativa o leitor vai presenciar a angustia dela de viver com o medo do marido encontrá-la e acabar com sua vida.

O conto que recebe o nome de Luamanda, trata sobre uma mulher que viveu cinco décadas, apesar de sua pele não denunciar a idade que ela tem. A narrativa decorre nas experiências sexuais vividas pela personagem ao longo de sua vida. O conto é muito bem construído e vale muito a pena ler. Diferente dos outros, esse é mais leve, o que ameniza a leitura e faz o leitor respirar um pouco.

Já no conto O cooper de Cida é muito interessante para pensar a correria do dia a dia que as pessoas vivem. Estamos sempre correndo e nunca olhando ao redor, nunca olhamos para as simples coisas que acontecem em nossa rotina, e este conto é exatamente sobre isso. O conto se passa no Rio e vamos ver a história de Cida e em como ela sempre, desde sua infância, esteve com pressa. Ela sempre quis resultados rápidos, seja em aprender inglês rápido, só assistir metade da missa, porque o padre era devagar, entre outras situações. Sempre com pressa para o trabalho, para viver, caminhar até que um dia ela parou na orla da praia para observar o mar e as coisas ao seu redor. Com a cabeça relaxando, vamos ver qual será a próxima decisão de Cida.

“- Zaíta, você esqueceu de guardar os brinquedos!”

Pág. 76

Contos para tocar os leitores em Olhos D’água

Que os contos da Conceição Evaristo tocam profundamente, isso eu já deixei claro, mas em Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos, é simplesmente doloroso, já que a narrativa é sobre duas meninas, Zaíta e Naíta, que compartilham seus brinquedos e figurinhas. Zaíta perdeu sua figurinha e decidiu descer o morro para procurar, mas o que a menina não esperava era que um tiroteio fosse acontecer naquele momento. A ingenuidade das crianças, a situação em que elas viviam é doloroso.

Sendo o primeiro aparecimento de um personagem homem como centro da narrativa, em Di Lixão vamos acompanhar a história de um homem que está com uma infecção em sua gengiva e sentindo-se muito mal. A construção da narrativa é nos relatos dele em mencionar como odeia a sua mãe, tanto que ele xinga ela e fala das coisas horríveis que ela fez com ele. Enquanto ele volta com suas lembranças no passado sua situação só piora. Eu, particularmente, fiquei muito incomodado com esse conto. Não foi só nesse conto, mas de um modo geral, senti-me muito incomodado.

No conto Lumbiá, o trabalho infantil fica muito evidente, apesar dessa temática aparecer em outros contos, neste, só fica claro pelo fato de ser o centro da narrativa. No conto, vamos ver a narrativa de uma criança que vende balas, flores e é cheia de sonhos, mas como as circunstâncias não são favoráveis, ele precisa vender balas para (sobre)viver. Em época de Natal, o menino só queria ver o presépio com a imagem de Deus-menino, mas era impedido pelos seguranças da loja. A narrativa se constrói com as tentativas do menino em ver o Deus-menino. Doloroso.

“Sorveu de uma única vez a sua porção e se deitou ali no meio, para esperar com eles também.”

pág. 94

A construção dos últimos contos em Olhos D’água

O conto a seguir é muito específico, pois, eu vi como se fosse uma referência à história de Romeu e Julieta, pode ser que eu esteja enganado, mas fiquei “uai, já vi isso daqui antes”. O conto Os amores de Kimbá, é muito bem desenvolvido, e apresenta a história de um jovem do morro que não se sente pertencente aquele lugar e nem à família. Um dia, seu amigo, que vivia longe do morro, apresentou-lhe uma linda jovem e os três acabaram se envolvendo. Kimbá apaixonado pela moça, a moça e o amigo de Kimbá apaixonados por ele.

Os últimos contos não me prenderam muito, o que me deixou muito triste, porque os contos iniciais foram bem envolventes, aí bateu aquela decepção, mas de um modo geral, o livro é excelente.

Por se tratar de um dos últimos contos, eu esperava que fosse um conto mais envolvente, não sei, mas Ei, Ardoca não me prendeu muita atenção. O conto trata sobre a a história de um jovem que nasceu em meio aos trilhos de trem e vive sua vida lá. Em A gente combinamos de não morrer, o conto apresenta como se fosse várias perspectivas sobre de várias pessoas ao longo da vida. O último conto, Ayoluma, a alegria do nosso povo, apresenta uma a história de um povo que ver o nascimento de uma menina como a salvação, já que viviam em bastante agonia e desespero. Esses foram contos que eu achei bem fraco em relação aos outros.

“Quando a menina Ayoluwa, a alegria do nosso povo, nasceu, foi em boa hora para todos.”

pág. 111

Conceição Evaristo e a sua escrita

A escrita da Conceição é tão boa, que até no jogo de palavras, os contos ficam sensacionais, porque é uma linguagem que vai sendo adaptada aos diferentes contextos presentes em cada conto. Um exemplo disso, é quando ela usa “barraco”, nesse conto, não me recordo de aparecer em outro contexto, mas ela trouxe para esse e se encaixou com a história, ou até mesmo quando ela usa “zona” para referir-se às casas de prostituição. Sobre a autora, ela ganhou meu coração no momento em que eu vi que ela cursou Letras e nasceu na minha cidade amada, Belo Horizonte. Quando li Olhos D’água, só tive mais certeza de que a Conceição Lima é uma escritora excepcional. É uma obra espetacular.

Comente este post!

  • Humberto

    Gostei! Achei muito interessante, ainda mais tratando-se de assuntos sérios. A resenha foi bem escrita e o autor tem futuro na área.

    responder