O livro Bom dia, Camaradas narrado por uma criança de classe média em um mundo pós colonização mostra como momentos do dia a dia podem ser.
Bom dia, Camaradas
- Autoria:
- Ondjack
- Editora:
- Companhia das Letras
- Ano de lançamento:
- 2014
- Gênero:
- Ficção / Literatura Estrangeira / Romance
- Páginas (nº):
- 136
Bom dia, Camaradas, do poeta angolano, Ondjack, é uma história envolvente que apresenta um mundo pós-colonização. Medo, romance, violência, cotidiano, humor são temas presentes na narrativa contada na perspectiva de um garoto. Uma leitura envolvente que vai te prender do início ao fim e, é claro, uma das minhas leituras preferidas das literaturas africanas de língua portuguesa. Uma história que mistura ficção com a realidade na perspectiva de uma criança de classe média em um contexto social divido entre classes.
Para entender o contexto do livro, é importante saber que a Angola teve sua independência apenas em 1975. Como a história se passa poucos anos depois, muitos pensamentos ainda não foram desconstruídos, principalmente em relação às pessoas mais velhas. O Leitor nota essa questão no primeiro diálogo entre os personagens, uma vez que um deles comenta que na época que Portugal ainda administrava Angola, eles não passavam fome, tinham o que comer, etc.
Resenha do livro Bom dia, Camaradas, de Ondjack
De forma muito simples, o autor transforma o livro Bom dia, Camaradas em algo bom de se ler. Episódios muito engraçados, discussões políticas e o medo das crianças transformam a narrativa uma obra cheia de momentos que vão marcando cada página.
Não, não pense que esse é um livro infantil, pois, o conteúdo enriquecedor que você vai encontrar na obra, é surpreendente. A forma como o Ondjack vai construindo a narrativa abordando como o período colonial foi doloroso, quanto as suas consequências após o fim, deixando o país largado.
Lembro-me de quando o livro foi discutido em sala de aula em sala e eu fiquei indagando o porquê de o título ser Bom dia, Camaradas. Mas, logo no início da leitura, nota-se que o “camaradas” é uma forma de tratamento entre os personagens no decorrer da narraria. Deixo avisado que você vai se surpreender do início ao fim e não esqueça dos lenços, pois, esta obra vai te fazer chorar do início ao fim.
Gostei bastante de como o Ondjack foi minucioso em cada palavra, pois, apesar da linguagem ser bem simples, o conteúdo existente por trás é enorme. Assim como outros escritores de países de língua portuguesa: Abdulai Sila, Noemia de Souza, a escrita do Ondjack é muito bem elaborada e aborda, mesmo que de forma indireta, a resistência.
“Mas, câmara Antônio, tu não preferes que o país seja assim livre?”
A vinda tia de Portugal e a visão do comunismo e capitalismo
Outra parte importante que é bem marcante no livro é a vinda da tia de Portugal e como ela age em determinadas situações em Angola. Essa, com certeza, foi a parte que mais me deixou pensativo sobre mudar para outro lugar e não conhecer bem suas culturas, leis, tradições e pensar que pode fazer o que quiser, como se estivesse em seu país de origem.
Interessante perceber também a construção do pensamento de uma criança sobre política. Há no livro discussão do personagem com sua tia a respeito de capitalismo e comunismo. Por isso, o leitor tem que se atentar muito a escrita do Ondjack em Bom dia, Camaradas, porque ele é muito sagaz na hora de escolher palavras.
Também é notável a curiosidade do garoto em relação como é a vida em Portugal e o que há na cidade. Tanto que em um determinado momento, o mesmo até questiona se lá existe foguetão.
Não vou dar spoiler, mas eu jamais poderia deixar de mencionar o momento que a tia do personagem chega de viagem no país e tenta utilizar a câmera fotográfica para fazer alguns registros. Foi uma das partes que mais me tocou, sem dúvidas, uma vez que por razões de segurança do Estado, não é permitido fotografar.
Apesar do teor infantil, Bom dia, Camaradas tem uma narrativa envolvente e um história surpreendente
Outro momento marcante durante a narrativa, é uma passeata e o comportamento da tia Dada em relação a uma situação de que ela tinha de sair do carro e que gerou uma tensão durante a narrativa. Resumindo: aquele momento de segurar a respiração para saber o que pode acontecer com ela.
Já vou logo avisando que na leitura de Bom dia, Camaradas você vai prender muito a respiração com os momentos de tensão. Mas também vai sorrir bastante com as palhaçadas das crianças e a leveza em partes do livro.
“Acordei cedo e muito bem-disposto. Tinha duas coisas maravilhosas para fazer nesse dia: uma é que ia ao aeroporto buscar a tia Dada, a outra é que ia à Rádio Nacional ler minha mensagem para os trabalhadores”
Afinal, quem é o camarada que passa a narrativa toda se referindo assim?
“Bom dia, menino! disse o camarada António quando eu já estava a acabar o matabicho”
Apesar do personagem principal, nosso camarada, não ter seu nome revelado, temos algumas informações sobre ele:
1° ele é de família rica, já que ele tem geladeira, motorista e cozinheiro;
2° seu pai tem um cargo importante;
3° ele frequenta a escola e, em um momento o personagem menciona que um de seus colegas porta objetos de valor, ou seja, o meio social que ele pertence diz muito sobre sua situação econômica.
Por isso, analisando todo o contexto, nota-se que ele é bem de vida. Devo admitir que muitas vezes durante a narrativa me questionei se o autor estava falando de si próprio em Bom dia, Camaradas. A narrativa ao redor dele e visão de mundo é muito bem desenvolvida. Apesar de eu achar que se o nome dele fosse revelado, seria mais interessante. Gosto de quando o livro quebra as minhas expectativas e faz algo diferente.
A construção do personagem é muito boa e fico impressionado em como ele tinha ao seu redor pessoas com visões de mundo completamente diferentes, mas que mesmo assim o orientaram para que ele pudesse enxergar o mundo com outros olhos. Sua família, seus professores, a tia Dada e até mesmo o camarada Antônio foram importantes para a sua inserção na sociedade.
A escola marcada pelos camaradas, colegas, amigos e pelo terror que os perseguem em Bom dia, Camaradas
Na escola, ele é uma criança como qualquer outra. Tem amigos, lancha com eles, se diverte, faz travessuras e nos mostra a visão de um mundo que vem mudando com o tempo. E, durante a narrativa surge um boato de que nas escolas ao redor há um grupo assaltando as crianças. Isso vai deixando-as todas assustadas e o medo vai se desenrolando junto da narrativa. O pavor das crianças vai aumentado e eles começam a pensar em possíveis estratégias de fugas para fazer quando os assaltantes aparecerem na sua escola. O momento da fuga deles da escola, é uma das cenas mais marcantes e risonhas que há em Bom dia, camaradas.
Já se prepara que temos o plot twist no fim do livro, apesar de que, se você for o tipo de leitor atento a tudo na leitura, você vai perceber de cara o que está acontecendo. Devo admitir que eu já desconfiava o que poderia está acontecendo.
Vale mencionar que as crianças estão no último ano do colegial e todos estão animados e muitos tristes com o fim de ano, afinal, eles não vão ter mais contato, já que os meios de comunicação não são tão avançados como hoje em dia.
Aproveito o tópico para mencionar sobre a linguagem do livro, é muito legal ler um livro de outro país escrito em língua portuguesa. As variações existentes são muito boas.
“A conversa estava boa. O Bruno veio a dizer, com aquela cara que só ele sabe fazer e toda a gente acredita mesmo, que havia um grupo de gregos que estava a assaltar escolas”
Uma história além da visão do personagem
Apesar de se tratar de uma história com teor infantil, e eu super entendi a proposta do autor, me veio à mente uma questão que às vezes deparo no Twitter, Skoob e outras mídias sociais: o personagem secundário ter uma história mais interessante que o personagem principal, mas o autor não aborda profundamente. Eu sei que poderia não ser o foco, mas o Camarada Antônio, tinha muito a acrescentar e contribuir na narrativa e não ser apenas o camarada motorista, cozinheiro que chega cedo na casa de seus chefes. Acredito que poderia, sim, dar uma ênfase a sua vida.
Tirando esse detalhe, a leitura de Bom dia, Camaradas é realmente muito encantadora e envolvente. O conto “A confissão do acendedor de candeeiros” foi o primeiro contato que eu tive com a escrita do Ondjack, e, devo admitir que ele é muito bom quando o assunto é escrever. Assim como o conto, o livro é simplesmente encantador e te prende de um jeito que você não quer mais largar. Ele merece todo o reconhecimento que vem tendo e mal posso esperar para ler mais de suas obras.
Sobre o angolano, Ondjack
O escritor e poeta angolano, Ondjack, nasceu em 1977, em Angola, um dos países africanos de Língua Portuguesa. O autor ganhou o prêmio literário José Saramargo, é formado pela Universidade de Lisboa e vem ganhando espaço na literatura. Espero poder ver o autor ganhando cada vez mais reconhecimento com os seus trabalhos, porque ele merece. Sua escrita deve ser conhecida e lida por crianças, jovens e adultos. Uma figura para a literatura.
paula paixao
Gostei da resenha, foi bom conhecer o livro por aqui, sendo sincera a capa do livro não me interessou, mas a resenha falou tão bem que fiquei com vontade de ler
Mary
Não sei se acho legal um adulto escrever sobre coisa que uma adolescente ou criança passou. Por mais que ele possa ter passado isso na infância, com o tempo as coisa são esquecidas e a emoção é traumas não ficam tão afloradas