Aos 57 anos e dono de uma fortuna de mais de 1 bilhão de reais, o ator tem uma narrativa de redenção em busca do seu verdadeiro “eu”.
Em grande parte das histórias que ouvimos, vemos inserida, mesmo de maneira sutil, a chamada jornada do herói, uma forma considerada convencional de apresentar aquele que vai se tornar o protagonista de uma trama, que vai cativar o público ou os leitores e quem sabe até inspirar possíveis fãs.
A jornada do herói é muito simples, e provavelmente você já se deparou com ela em algum momento. Também chamada de “monomito”, essa maneira de introduzir um personagem e vê-lo caminhar pela narrativa pode chamar a atenção.
Comumente dividida em três etapas: partida (ou separação), iniciação e retorno, assim se desenvolve: um herói recebe uma proposta para sair de onde está, recusa na primeira oportunidade, mas acaba aceitando em uma segunda vez, e sai de casa rumo a uma aventura. Superadas as provações, enfrenta uma crise considerada ponto crucial na história, e depois de vencer as batalhas a que estava destinado, retorna para casa completamente mudado. Você se lembra de algum filme, peça de teatro ou livro que seja assim?
Não podemos dizer que o ator Robert Downey Jr., de 57 anos, enquadra-se nessa jornada de herói, nem sequer pode ser chamado de herói, de acordo com os mais conservadores. A verdade é que a excêntrica e interessante vida do astro é marcada por sucessivos ápices e pontos de retorno e, segundo reportagem da Vanity Fair, por duas vezes foi acusado de crimes pelos quais foi preso, e sempre se recuperou e retornou à indústria cinematográfica com algo a mostrar.
Ator, compositor, cantor, pianista, produtor e detentor de mais algumas aptidões, Robert nasceu em Manhattan, nos Estados Unidos. O filho de Robert Downey Sr., diretor de filmes independentes, e da atriz Elsie Downey, com apenas 5 anos estreou no filme “Pound”, dirigido por seu pai, e desde então faz trabalhos artísticos. Alguns dizem que seu talento é irreverente, enquanto ele mesmo defende que não passa de um “falsário”, mas a verdade é que o ator conquistou gerações de fãs mundo afora.
Em sua primeira fase, Robert foi considerado um prodígio dos filmes Brat Pack, apelido dado a um grupo de jovens atores que apareciam juntos com muita frequência em produções para adolescentes na década de 1980. Como os filmes eram carregados de estereótipos e atuações consideradas fracas, ele acabou sendo um destaque já que tinha a capacidade de assumir várias formas e interpretar papéis diferentes.
Em 1992, seu status de ator foi oficialmente concedido pela crítica, depois que interpretou Charles Chaplin, no filme “Chaplin”, que lhe rendeu uma indicação ao “Oscar”, na época já com 27 anos. Mas desde a adolescência enfrentou o vício em drogas, inicialmente apresentado à maconha pelo pai, aos 6 anos. Em entrevistas subsequentes, o ator afirmava que as substâncias ilícitas funcionavam como uma forma de interação entre pai e filho, criando o elo que ele achava necessário.
Em 1996, foi parado numa rodovia por excesso de velocidade; dentro do carro, a polícia inevitavelmente encontrou heroína, cocaína, crack e uma arma Magnum .357 descarregada. O ator foi preso e enviado para uma clínica de reabilitação, da qual acabou fugindo. Em 1999, diante de um juiz, implorou para não ser preso, mas foi em vão — foi sentenciado a 36 meses e passou menos de um ano atrás das grades.
- Pessoas inspiradoras: Lavador de carros de luxo vira dono de loja e ídolo na internet
Logo depois de voltar da prisão, reinventou um gênero em “Ally McBeal”, uma série da Fox, e voltou a ganhar dinheiro. Ele trouxe vida a uma história que estava com os dias contados, pela qual foi indicado ao prêmio de “Melhor Ator Coadjuvante” no “Globo de Ouro”, e o venceu.
O protagonista de inúmeras histórias de retorno deixou a mídia em polvorosa, pois aquela poderia ser uma das maiores narrativas de redenção da década.
Mas Robert não parou por aí, mais tarde, naquele mesmo ano, a polícia recebeu uma denúncia anônima e, vasculhando o quarto do ator, encontrou cocaína e metanfetamina. Mesmo assim, a Fox o chamou para fazer a segunda temporada da série, porém cancelou o contrato assim que ele foi encontrado vagando descalço em Culver City. O ator foi preso e voltou para a reabilitação.
Muitos acreditaram que Downey nunca mais conseguiria um trabalho de destaque, pois era considerado inconsistente em sua vida pessoal, e o abuso de drogas atraía especulações negativas. Ainda assim, Mel Gibson o escalou para um pequeno filme, “The sing detective”, e chegou a dizer que se corroía por dentro toda vez que ele não era chamado para atuar, porque realmente tinha talento e não podia ser desperdiçado. “Ele é falho. Somos todos falhos. Meu Deus, eu sou mais falho do que ele”, disse Gibson à Vanity Fair.
Mas Robert estava prestes a se reerguer outra vez, e enquanto trabalhava em “Gothika”, conheceu Susan Levin, vice-presidente executiva de produção da Silver Pictures, por quem se apaixonou perdidamente. Ele já tinha vivido outros dois relacionamentos longos: sete anos com a atriz Sarah Jessica Parker, que terminou por conta do abuso do ator com drogas; e em 1992 se casou com Deborah Falconer, com quem teve o primeiro filho Indio. O casal acabou se separando pelos mesmos motivos em 2001.
Susan e Robert iniciaram um romance distante dos holofotes, e em 2005 oficializaram a relação. Ele defende em inúmeras entrevistas que foi justamente ela quem o ajudou a “canalizar sua energia maníaca”, e alguns anos depois os dois começaram uma empresa. Mas o ator ainda não tinha marcado seu segundo retorno oficial às telas, pois as produtoras ainda receavam em contratá-lo.
Nessa época, surgiu a oportunidade de participar de um teste de tela daquele que seria o primeiro filme solo da Marvel Studios, “O Homem de Ferro”. O diretor Jon Favreau disse que Robert lhe garantiu lutar pela vaga e que aguentaria firme para que nada desse errado. Assim que a câmera começou a rodar, o diretor disse que era indiscutível, ele tinha nascido para ser Tony Stark.
Robert seguiu “Homem de Ferro” com os melhores filmes de sua carreira artística, as sequências da Marvel, “Sherlock Holmes”, de Guy Ritchie; “Tropic Thunder”, de Ben Stiller; e “Os vingadores”, que o colocou no rol dos atores mais bem pagos da história do cinema.
Ele e a atual esposa têm dois filhos, Exton e Avri, de 10 e 8 anos, respectivamente. Em uma trajetória que vai, literalmente, do pecado à redenção, talvez não possamos enquadrá-lo na jornada do herói, mas na do anti-herói, aquele em quem muitos não acreditam mais, mas que prova ser capaz de chegar aonde quiser com esforço próprio.