30 anos de moda de Alexandre Herchcovitch: legado do estilista é celebrado nas capas digitais de Vogue e GQ - Vogue | moda
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Alexandre Herchcovitch usa blusão de moletom À La Garçonne (Foto: Gui Paganini)

A história dos 30 anos da moda de Alexandre Herchcovitch50, se mixa com a formação de uma rede de estudantes, jornalistas, estilistas, críticos e consumidores que, em 1993 – ano de sua formação em desenho de moda na Faculdade Santa Marcelina –, descobriu a categoria de estilista formado no País, rompendo com a informalidade e o autodidatismo vigentes.

Alexandre Herchcovitch (Foto: Gui Paganini)

Alexandre Herchcovitch (Foto: Gui Paganini)

Questionando pobreza, loucura e salvação, assuntos complexos para coleção de formatura em instituição católica, ele não poupou rebeldia naquele descortinar de um novo tempo para a moda brasileira. Da trilha sonora ao casting de não modelos, tudo era fissura: a drag queen Marcia Pantera e seu irmão Arthur na passarela-sudário com bonecos arrancados a fórceps pingando sangue no chão, usando adesivos pretos nos olhos e na boca e chifrinhos de metal na testa. Alexandre anunciava ali a desconstrução de valores até então intocados pela moda.

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Marcia Pantera usa colar de maxicristais da coleção Herchcovitch; Alexandre do verão 2014/2015 feito por Hector Albertazzi e chifres de látex da coleção Herchcovitch; Alexandre do inverno 1996 (Foto: Gui Paganini)

O mundo vivia acultura “anti”. A energia jovem, e não o dinheiro, era a chave propulsora para a compreensão dos anos 1990, marcados pela rejeição não só da moda como indústria, mas de todos os valores que ela personificava: consumismo, materialismo e capitalismo. Cumprindo o papel de negar a década anterior, a moda do novo tempo era minimalista.

Síntese de uma geração, Alexandre desafia a categorização fácil com um legado de quebra de fronteiras e o afastamento do excesso hedonista, fruto de sua vocação antimoda, antiglamour, antiestética, por mais contraditório que possa parecer. Ele é o mais grunge dos estilistas brasileiros, quiçá o único, pela coragem de lançar roupas impregnadas de angústia, sarcasmo e desejo de liberdade. A estética “anti” que prossegue em Alexandre está na aparência milimetricamente desleixada e, rejeição à teatralidade.

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Naja, Débora Müller e Mariane Calazan usam looks da coleção Herchcovitch;Alexandre do verão 2007 inspirada na tribo Ndebele. Coturnos usados no desfile da premiação Melhores da Noite Ilustrada, em 2002, em homenagema Johnny Luxo e à Marcia Pantera. (Foto: Gui Paganini)

Nada mais desconcertante do que desfile matinal ao som da rádio sintonizada aleatoriamente, com modelos andando pelo salão vestidos em moletons e agasalhos feios. Quem mais levaria convidados a um hospital abandonado para mostrar misses decadentes, jovens vestidos de velhos e o universo pop dos Menudos? Nada mais irritante e coerente do que desfilar no silêncio de uma biblioteca pública a cultura cinematográfica massificada com acidez e certa crítica social, denotando preferência pela fantasia num mundo em que tudo é mesmo uma grande ficção executada na vida real: das teorias econômicas às noções de estado-nação e justiça.

O que move Alexandre é a inversão dos valores: na identidade de gênero, a eterna paixão por Boy George; na lógica natural dos tecidos, o peso de correntes nas barras de leves roupas em musselina de seda; na estranheza da matéria-prima, o ruberismo, o látex. Ao longo dos anos, a obsessão por construções que não respondem às silhuetas corporais se materializa nos volumes em lugares não convencionais, gerando desconforto visual frente às regras da normalidade, outro traço contundente de seu design.

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Débora Müller, Brenda Pivatto, Mariane Calazan, Daiane Conterato, Cecília Gama e Naja usam roupas da coleção Herchcovitch;Alexandre do inverno 2010 (Foto: Gui Paganini)

Alexandre respira sobremaneira os ares de seu tempo. Em 2015, sucumbiu às agruras do mercado e vendeu sua marca para um grupo de moda, atuando como diretor criativo em algumas coleções, até se despedir com um desfile do seu melhor: alfaiataria e fetiche. Conduziu a plateia numa atmosfera de rompimento velado, lembrando um grande ensinamento da arte: tudo tem sua beleza, até a morte.

Mas para quem já foi fotografado dentro de caixão para convite de desfile, morrer de novo era apenas metáfora para o recomeço. Rapidamente, se reconfigurou. O mundo precisa de causas e a moda, idem. Nesse mood, estreou no estilo da À La Garçonne, levantando a bandeira do upcycling, num resgate de habilidades do passado, quando fazia calças de colchas de piquê.

Ele transgrediu de novo. Enterrou caveiras do passado com roupas para o agora e desejo de perenidade, de não descarte, de durabilidade estética com peças garimpadas em brechós e ressignificadas em apuro técnico, estético e ético, refletindo o impacto de sua moda no mundo.

Sua nova história é construída sob o ponto de vista de um arqueólogo apaixonado por evidências culturais do passado, observando marcas do tempo, numa afirmação de como as coisas da vida podem estar impregnadas de simplicidade e memória.

Entre a transgressão e a desconstrução, Alexandre Herchcovitch prossegue único em sua vocação para moldar o novo.

Edição de moda: Alexandre Herchcovitch