Fim da exportação de animais vivos

Defensores do bem-estar animal cantam vitória no Reino Unido

15 de maio 2024 - 12:04

Aprovação da lei que proíbe exportação de animais de criação vivos vem acabar com uma prática que ainda vigora na União Europeia. Ao fim de meio século de campanhas, os ativistas celebram o fim deste “comércio horrível, desnecessário e arcaico”.

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Bovino transportado de Portugal para Israel
Bovino transportado de Portugal para Israel. Foto de Israel Against Live Shipments

A lei do bem-estar animal recebeu luz verde da Câmara dos Lordes esta terça-feira e falta apenas o carimbo real para entrar em vigor. Ela vem acabar com a exportação de animais de criação vivos para abate ou engorda a partir de Inglaterra, País de Gales e Escócia. De fora fica a Irlanda do Norte, por causa das regras comerciais especiais com a União Europeia que vigoram neste território no pós-Brexit.

Em 2017, o fim da exportação de animais vivos foi um dos argumentos usados pelos conservadores para convencer os britânicos a votarem a favor da saída do Reino Unido, alegando que as regras comerciais em vigor na União Europeia impediam o país de tomar aquela iniciativa unilateralmente.

O movimento a favor desta proibição conta já com meio século de manifestações e bloqueios de portos por parte dos defensores do bem-estar animal. Assim chamaram a atenção para este comércio que obriga milhares de animais a embarcar em navios ou camiões sobrelotados para viagens longas que provocam sofrimento, exaustão e até a morte durante o trajeto. 

Em 1995, um dos protestos contra a exportação de vitelos vivos acabou em tragédia quando uma ativista foi esmagada até à morte por um camião em Coventry, tornando-se um símbolo desta luta. E é justamente a Jill Phillips que a Animal Aid dedicou a vitória agora alcançada. "Temos assistido a uma série de promessas não cumpridas por parte do Governo sobre a questão da proteção dos animais, pelo que estamos muito satisfeitos com a notícia da proibição da exportação de animais vivos, graças ao apoio generalizado da população. Temos esperança de que este projeto de lei seja rapidamente transformado em lei, antes das eleições gerais, a fim de evitar o sofrimento de milhões de animais", acrescentou Iain Green, líder desta ONG.

"Fosse qual fosse o tempo, fosse qual fosse a hora do dia, a KAALE esteve presente nestas viagens e os nossos membros são as últimas caras amigas que milhões de animais terão visto antes de serem exportados. Congratulamo-nos com o facto de a lei proibir finalmente este comércio cruel e de os habitantes de Kent deixarem de ter de se opor a ele”, afirmou Yvonne Birchall, da campanha Kent Action Against Live Exports, que ao longo de 29 anos organizou protestos nos portos britânicos onde o gado era carregado com destino ao continente europeu.

"Este é um grande dia para celebrar e um dia há muito esperado. Durante décadas, os animais de criação suportaram estas exportações árduas e sem sentido para o continente - mas nunca mais! Estou extremamente orgulhoso dos nossos apoiantes, cuja dedicação e persistência ajudaram a garantir esta vitória tão difícil”, afirmou Philip Lymbery, da associação Compassion in World Farming.

Parlamento Europeu fez inquérito e concluiu que a UE não cumpre o seu dever de garantir o bem-estar dos animais durante o transporte

Em 2020, a eurodeputada bloquista Marisa Matias integrou a Comissão de Inquérito sobre Transporte de Animais, que durante meses ouviu responsáveis políticos e associações que denunciam os atentados ao bem-estar animal. Durante ano e meio, as audições confirmaram que o regulamento europeu está desatualizado e não é fiscalizado. Além disso, foram verificadas várias violações ao regulamento existente, tais como falta de comida e bebida, transporte feito em temperaturas extremas, demasiado longas e veículos sobrelotados.

“A UE não está a cumprir o seu dever de garantir que os animais estão bem durante todo o transporte, desde a partida ao destino”, concluiu o relatório, recomendando a proibição do transporte de animais com menos de 35 dias de vida, a descida do limite de 35ºC para 30ºC da temperatura máxima prevista durante o transporte, a criação de uma lista de operadores que violam frequentemente as regras, com vista à revogação de licenças e a transição para o transporte de carcaças dos animais para consumo.

“Assistimos ao longo dos anos ao sofrimento evitável de animais amontoados em camiões e embarcações. As sucessivas tragédias no mar e na estrada deram origem a esta comissão de inquérito, que durante o seu funcionamento produziu evidência suficiente para impedir o transporte de animais vivos", afirmou a eurodeputada do Bloco na conclusão dos trabalhos, lamentando que várias propostas tenham sido chumbadas, nomeadamente a do limite de tempo do transporte em navios, que atualmente pode demorar meses.

Petição pública quer obrigar deputados a tomarem posição sobre o transporte de animais vivos

O fim da exportação de animais vivos tem sido uma bandeira do movimento pelo bem-estar animal em todo o mundo e começa a dar frutos. A Austrália já se comprometeu a acabar a exportação de ovinos até 2028 e no ano passado um tribunal brasileiro proibiu aquela prática, com a decisão ainda pendente de um recurso.

Em Portugal, a PATAV - Plataforma Anti-Transporte de Animais Vivos - tem documentado as exportações a partir dos portos de Sines e Setúbal e liderado as iniciativas a favor da proibição da exportação de animais vivos por via marítima de Portugal para países fora da União Europeia, uma medida que as leis europeias permitem e que já foi adotada noutros países.

A associação recorda que Portugal exporta animais vivos por via marítima para países do Médio Oriente e Norte de África desde 2015  e só em 2023 foram exportados meio milhão de bovinos e ovinos. Um transporte que dura em média nove dias, a que se soma o transporte por via rodoviária em Portugal e nos países de destino. Além do custo ambiental deste comércio, a associação destaca que a falta de condições no transporte levam a “problemas vários de salubridade, desidratação severa, perda de peso, cegueira, enfraquecimento, doenças, stress, lesões e até morte, agravado pelo facto de não existir médico-veterinário a bordo”, refere a PATAV.

Neste momento, a PATAV está a promover uma petição dirigida à Assembleia da República para que os deputados tomem uma posição nesse sentido. A petição conta já com mais de três mil assinaturas e pode ser subscrita aqui.