O canto dos grilos é, por definição, a banda sonora de uma noite de Verão. Mas, para além de alegrarem os jantares e, ocasionalmente, dificultarem o nosso descanso com o seu incessante ruído, sabia que os grilos são um termómetro natural? Basta escutar o seu peculiar cri-cri e tomar nota do número de vezes que cantam num minuto para saber qual é a temperatura ambiente – fazendo apenas uma divisão e uma subtracção! O autor desta relação matemática é Amos Dolbear, que em 1896 estudou aprofundadamente estes insectos, descobrindo essa estranha ligação térmica.

A LEI DE DOLBEAR

Corria o ano de 1897 quando o físico, inventor e professor norte-americano Amos Dolbear publicou um artigo na The American Naturalist, The Cricket as a Thermomether (O Grilo Enquanto Termómetro), onde mostrava uma equação simples, composta unicamente por uma divisão e uma subtracção, que permitia relacionar a frequência do canto dos grilos com a temperatura exterior. Essa união entre a matemática e a natureza causou furor entre os cientistas da época que, a partir dessa publicação, desenvolveram diversos trabalhos relacionados com a mesma temática, nomeadamente os de Hubert y Mable Frings em 1957 e 1962.

No entanto, houve quem previsse a relação entre temperatura e frequência do canto muitos anos antes de Dolbear publicar o seu artigo: a cientista Margarette Brooks. Em alguns estudos desenvolvidos no ano 1881, a cientista já prognosticava a existência dessa curiosa ligação. Contudo, as suas descobertas passaram despercebidas durante anos.

Retrato de Amos Dolbear em 1880
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Retrato de Amos Dolbear em 1880,

SENSIBILIDADE TÉRMICA E UMA EQUAÇÃO CURIOSA

Os grilos pertencem ao grupo de animais conhecidos coloquialmente como “de sangue frio”. Na ciência, isto significa que, ao contrário dos mamíferos, não são capazes de regular a sua temperatura corporal, razão pela qual são escravos do ambiente em seu redor. A forma como o seu organismo actua e funciona depende completamente da temperatura ambiente.

O que Amos Dolbear fez foi estabelecer uma relação matemática entre a velocidade de uma reacção química e a temperatura a que esta ocorre. Desta forma, afirmou que as reacções inerentes ao metabolismo dos grilos se tornam mais rápidas quando as temperaturas exteriores são mais altas, perdendo velocidade nos momentos frios. Por outras palavras, se estiver calor, o seu metabolismo torna-se mais rápido e a frequência do canto aumenta.

Dolbear descreveu a ligação entre o canto dos grilos e a temperatura através da seguinte expressão:

(Cpm / 5) - 9 = T

Definindo Cpm como cantos por minuto e T como a temperatura ambiente nesse determinado momento. Assim, através de uma simples expressão matemática, é fácil determinar a temperatura exacta em redor do grilo.

 

UMA ESPÉCIE MUITO ESPECÍFICA

Existe, contudo, um conveniente nesta teoria: Dolbear não chegou a especificar a espécie que usou para os seus cálculos. Embora estudos posteriores tenham determinado que se tratava, provavelmente, do Oecanthus fultoni, é impossível saber ao certo.

Este pormenor é extremamente importante pois há que ter em conta que, em algumas espécies, a frequência do canto não é influenciada apenas pela temperatura, mas também por outros factores que afectam o metabolismo, nomeadamente a idade do insecto ou o sucesso do seu acasalamento. Mesmo assim, tudo aponta para que a fórmula seja válida para obter uma temperatura aproximada, não sempre exacta, usando a frequência do canto do grilo do campo (Acheta assimilis), que se pode encontrar em qualquer paisagem rural numa noite de Inverno.

 

Grilo Oecanthus fultoni fotografado na Índia
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Grilo Oecanthus fultoni fotografado na Índia.

 

OS LIMITES TÉRMICOS

Se está a pensar em aplicar esta teoria e calcular a temperatura prestando atenção apenas ao canto dos grilos, deve ter em conta uma série de pormenores para obter o resultado mais exacto possível. Em primeiro lugar, como é óbvio, o mais importante é, tomar bem nota de quantas vezes o grilo canta num minuto. No entanto, isto pode acarretar algumas dificuldades, depois alguns grilados são mais baixos ou o ruído de fundo pode abafar algum grilar. Recomenda-se, por isso, que os conte num intervalo de 10 segundos e multiplique o resultado por seis: a frequência de canto é periódica, por isso o sucesso é garantido.

Outro ponto a ter em conta é que não se trata de uma prática que possa efectuar a qualquer temperatura, pois os grilos só começam a cantar a partir dos 15ºC, razão pela qual é tão difícil escutá-los no Inverno. Além disso, quando a temperatura ambiente alcança os 36ºC, o ritmo diminui e eles param de cantar aos 40ºC. Como tal, só obterá um resultado válido quando a temperatura se encontrar entre os 15 e os 35ºC, pois é esse o intervalo em que se verifica a relação de proporcionalidade entre a temperatura e a frequência.

UM CANTO SINGULAR

Mas, como e por que razão os grilos cantam? Só os machos o fazem e, na maioria dos casos, é um acto que faz parte do ritual de acasalamento: o insecto macho atrai a fêmea emitindo estes sons. No entanto, também existem razões relacionadas com a saúde ou a idade do animal.

O som é produzido pela parte da frente das suas asas, mais concretamente o órgão estridulatório. Este órgão é composto por diferentes zonas rugosas distribuídas uniformemente, podendo variar de uma espécie para outra e fazendo com que cada uma emita uma sintonia com tons diferentes das restantes. Para emitir esse som tão peculiar, os grilos levantam o antebraço esquerdo num ângulo de 45 graus e esfregam-no na parte posterior da zona traseira direita. Um processo simples para uma melodia bela e singular.