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Cinema

Branco sai, Preto fica

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 10.05.2024
2014
Branco sai, preto fica (2014) é o segundo longa-metragem roteirizado e dirigido por Adirley Queirós (1970). É considerado um marco na abordagem do racismo e da segregação territorial das periferias no Brasil. Destaca-se pelo cruzamento inovador entre as estratégias do documentário, do gênero da ficção científica e de vertentes experimentais do c...

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Branco sai, preto fica (2014) é o segundo longa-metragem roteirizado e dirigido por Adirley Queirós (1970). É considerado um marco na abordagem do racismo e da segregação territorial das periferias no Brasil. Destaca-se pelo cruzamento inovador entre as estratégias do documentário, do gênero da ficção científica e de vertentes experimentais do cinema contemporâneo mundial. 

O filme apresenta um quadro distópico em que Brasília se encontra dominada por um Estado autoritário, com rígido controle dos corpos passíveis ou não de adentrar na capital. Na cidade-satélite Ceilândia, três personagens principais elaboram uma bomba a ser lançada contra Brasília. Dimas Cravalanças [Dilmar Durães] é um viajante intergaláctico do futuro. Sua missão é voltar ao passado para comprovar e responsabilizar o Estado pela invasão policial do baile de black music Quarentão. A operação, que de fato ocorre em 1986, mata e fere jovens negros de Ceilândia. Marquim (Marquim da Tropa [1970]) mantém uma rádio pirata em seu bunker futurista. Sartana [Shockito] trabalha recolhendo e construindo próteses corporais, como a que usa em sua própria perna. 

Para investigar a história, o diretor utiliza duas estratégias principais: a exposição de documentos de época e a rememoração elaborada pelas testemunhas dos fatos narrados. O elenco é composto por atores não profissionais que, de fato, frequentam o baile do Quarentão e vivenciam o acontecimento brutal. No início do filme, a narração de Marquim, que se lembra do baile ao som de black music dos anos 1980, é permeada por imagens de arquivo, nas quais se pode ver os jovens dançando no baile do Quarentão. Na sequência, Dimas Cravalanças aparece em sua nave espacial, um contêiner localizado em um terreno baldio, onde dispõe matérias de jornal sobre o acontecimento. 

Por outro lado, narrar essa violência de Estado a partir de uma ficção permite que os personagens não apareçam apenas como vítimas, mas também como agentes capazes de reinventar os destinos da história.

O filme se encerra com uma cartela na qual se lê “Da nossa memória fabulamos nóis mesmos”, assinada com data (Jan/14) e local (Ceilândia). O ato de fabular, ou seja, de tomar a memória como matéria para criação ficcional, permite inventar novas possibilidades políticas e expressivas para os personagens. Na trama, os corpos, de fato feridos de forma irremediável pela ação policial, em relação com as máquinas e próteses futuristas, revelam-se fortes e potentes. Suas tecnologias inventivas permitem que estabeleçam novos trânsitos, elaborando, por exemplo, meios para furar os bloqueios policiais ou elevadores e esteiras para agilizar o deslocamento de um cadeirante.

Tendo como ponto de partida um argumento sólido, o diretor trabalha com um roteiro moldável a partir das experiências imprevisíveis que se dão no ato de filmar. Sendo assim, a trama é construída com os atores. No entanto, como destaca o crítico Juliano Gomes, apesar dos atores não profissionais, de uma história verídica como ponto de partida e do uso de locações do cotidiano dos realizadores, o filme “leva a hipótese do naturalismo [...] a uma crise”1. Segundo a análise, isso se dá pelo modo rigoroso de composição dos enquadramentos e das luzes, além do maior investimento em tomadas internas com cenários construídos. O filme marca um deslocamento em relação às formas mais próximas do registro documental presentes nos trabalhos anteriores do diretor. 

O crítico Felipe Furtado relaciona a paralisia do cotidiano arrastado dos personagens e sua dificuldade de agir politicamente à sensação de ressaca depois das manifestações de junho de 2013, momento no qual “uma parcela da esquerda brasileira se descobriu sem representação política oficial”2. Ressalta, ainda, a importância de retratar a violência de uma ação policial que se dá justo no final da década de 1980, momento de redemocratização do país, revelando como o autoritarismo e a transgressão dos direitos humanos promovidos pelo Estado brasileiro – e notórios durante o regime militar (1964-1988)3 – continuam ativos mesmo no períodos de transição para a democracia. A crítica Kenia Freitas observa como o filme, ao se dedicar a narrar uma história desconhecida de repressão de uma manifestação cultural afrodiaspórica, um baile de black music, colabora para desfazer “os esforços sistemáticos de apagamento”4 da cultura negra no Brasil.

No plano internacional, é possível verificar relações da estética de Branco sai, preto fica com expoentes das inovações de linguagem do cinema contemporâneo, como o diretor português Pedro Costa (1959) e o tailandês Apichatpong Weerasethakul (1970). O filme se relaciona com o modo de encenação desses realizadores por tomar materialidades concretas existentes em um território como ponto de partida para a criação ficcional. Aproximam-se também no modo de trabalhar com atores não profissionais, valorizando marcas corporais e gestos singulares dessas pessoas. Assemelham-se, além disso, na composição de planos de longa duração, permitindo que o espectador contemple as especificidades dos locais filmados. 

A relevância da abordagem política de temas centrais da cultura brasileira atual, bem como a inovadora abordagem estética, consagra Branco sai, preto fica a ser nos principais festivais nacionais de cinema. No ano de seu lançamento, recebe o título de Melhor Filme no Festival de Brasília e no Festival de Tiradentes. Além de rodar por diversos festivais internacionais, é distribuído em salas comerciais e em plataformas de streaming de grande visibilidade, como a Netflix.

Notas

1. GOMES, Juliano. Fogos e artifício. Revista Cinética, 5 fev. 2014. Disponível em: http://revistacinetica.com.br/home/branco-sai-preto-fica-de-adirley-queiros-brasil-2014/  Acesso em: 30 set. 2021.

2. FURTADO, Filipe. Mix tape para uma guerra pouco visível. Revista Cinética, 12 jun. 2015. Disponível em: http://revistacinetica.com.br/home/branco-sai-preto-fica-brasil-2014-de-adirley-queiros/ . Acesso em 30 set. 2021.

3.FREITAS, Kenia. Branco sai, preto fica (Adirley Queirós, 2014). Multiplot!, 4 abr. 2015. Disponível em http://multiplotcinema.com.br/2015/04/branco-sai-preto-fica-adirley-queiros-2014/ . Acesso em 30 set. 2021.

 

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