Como era Belém quando Jesus nasceu? – Church News
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‘Pequena Vila de Belém’: Perspectivas arqueológicas sobre o cenário do nascimento de Jesus

Registros históricos, descobertas arqueológicas e a geografia natural da região podem aumentar muito a compreensão do primeiro Natal

A época do Natal é um período maravilhoso do ano para se visitar a Terra Santa e vivenciar, em primeira mão, os locais bíblicos nos quais Jesus viveu, ensinou, realizou milagres e ofereceu Seu sacrifício expiatório. Entre tais locais, o lugar mais associado ao início da história do Novo Testamento é Belém: o cenário do nascimento de Jesus, conforme descrito nos Evangelhos de Mateus e Lucas.

Os visitantes de Belém sentem imediatamente seu profundo significado bíblico, ao relembrarem os eventos da Natividade, enquanto observam a paisagem antiga em que ocorreram. No entanto, muitos visitantes também são rápidos em notar o quão pouco a cidade moderna de Belém se parece com a vila da Judeia dos relatos do evangelho do primeiro século.

Hoje, por exemplo, Belém é um centro urbano densamente povoado e multicultural repleto de mercados palestinos, lojas que vendem lembranças locais para peregrinos, restaurantes que servem cozinha tradicional beduína, minaretes que soam o chamado muçulmano à oração e vários lugares sagrados cristãos que comemoram eventos relacionados com o nascimento de Jesus. Estes últimos incluem capelas católicas e ortodoxas gregas, lembrando o “campo dos pastores” de Lucas 2; a Gruta do Leite marcando um lugar onde, segundo a tradição local, Maria teria amamentado Jesus durante a fuga para o Egito; e, mais proeminentemente, a Praça da Manjedoura: um complexo de igrejas da era bizantina construído sobre uma caverna, onde por muito tempo se pensava ser o local onde Jesus veio ao mundo. Juntos, estes locais oferecem uma rica experiência cultural e criam espaços valiosos para os visitantes se juntarem a outros crentes de todo o mundo, para celebrarem a mensagem de Natal.

A praça atual, em frente à Igreja da Natividade, na Praça da Manjedoura de Belém.
A praça atual, em frente à Igreja da Natividade, na Praça da Manjedoura de Belém. | Neil Ward, via Wikimedia Commons. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Church_of_the_Nativity_(7703592746).jpg

Porém, para se imaginar a “pequena vila de Belém” de 2.000 anos atrás, devemos confiar nos registros históricos que ainda existem do mundo bíblico, nas descobertas arqueológicas da Judeia do primeiro século e na geografia natural da região circundante. Embora estas fontes disponíveis não permitam uma reconstrução completa do vilarejo conhecido por Maria e José, especialmente porque apenas um trabalho limitado de escavação ter sido realizado na própria Belém, elas fornecem informações valiosas sobre o cenário cultural da história da Natividade, os principais elementos nos Evangelhos, e como seria a vida cotidiana em Belém na época do Novo Testamento. Quando consideradas em conjunto, estas observações podem esclarecer nossa compreensão sobre o primeiro Natal e enriquecer profundamente a maneira como lemos os relatos das escrituras sobre o nascimento de Jesus.

Belém está localizada a cerca de 8 km ao sul de Jerusalém. No período do Velho Testamento, começou a se desenvolver como um assentamento modesto, ao longo de uma cordilheira em forma de meia-lua, na fronteira da região montanhosa da Judeia, a oeste, e do deserto da Judeia, a leste. Durante séculos, a vila consistia principalmente de um aglomerado de casas, acessadas por uma estrada de terra, que se ramificava do Caminho dos Patriarcas – a principal rota comercial norte-sul entre Jerusalém e Hebrom, que tinha uma quantidade significativa de tráfego inter-regional do Egito, Arábia e Síria. (Para o enterro e memorial da matriarca Raquel perto deste momento, ver Gênesis 48:7).

“Mosteiro em Belém”, por Bernhard Fiedler, 1882.
“Mosteiro em Belém”, por Bernhard Fiedler, 1882. | Domínio público, via Wikimedia Commons. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bernhard_Fiedler_-_Kloster_in_Bethlehem_-_2972_-_Kunsthistorisches_Museum.jpg

As encostas das colinas ao redor de Belém, e seus campos adjacentes, forneciam terras férteis para a colheita de trigo e cevada (ver Rute 1:22; 2:1–3 e 4:11), o que provavelmente deu à vila seu nome em hebraico, “Casa de Pão”. Estas colinas inclinadas também continham pomares de oliveiras, faixas extensas de rocha calcária com cavernas naturais, e grandes extensões de mata natural, o que tornava a paisagem ao redor de Belém ideal para os pastores locais levarem rebanhos de ovelhas e cabras. Um desses pastores da vila foi Davi, que quando jovem foi ungido pelo profeta Samuel para governar Israel (1 Samuel 16:1–13), e que mais tarde passou a simbolizar as esperanças proféticas do futuro reinado da nação (ver Isaías 11 :1–16; Amós 9:11–15 e Jeremias 23:5–6).

Durante o início do período romano, a vila de Belém parece ter mantido seu caráter agrícola, com uma pequena população de famílias religiosas da Judeia continuando a colher em seus campos próximos e a pastorear seus rebanhos nas encostas circundantes. Entretanto, sob o reinado de Herodes, o Grande (40-4 a.C.), estes campos e pastagens podem ter sido incorporados ao maior centro econômico de Jerusalém: a poderosa cidade-templo no centro do reino de Herodes. Se fosse esse o caso, é possível que grande parte da produção agrícola dos arredores de Belém, bem como muitas das ovelhas e cabras criadas ali, fossem usadas para suprir as várias ofertas e sacrifícios necessários para o templo de Jerusalém, como implícito em fontes rabínicas posteriores (ver m. Shekelim 7:4 – em inglês).

Os “campos dos pastores”, pequenas torres de vigia, terraços e cavernas naturais, usadas para pastorear ovelhas e cabras ao longo das encostas das colinas perto de Belém.
Os “campos dos pastores”, pequenas torres de vigia, terraços e cavernas naturais, usadas para pastorear ovelhas e cabras ao longo das encostas das colinas perto de Belém. | Matthew J. Grey

Além destas percepções históricas, a topografia natural desta região e as pesquisas arqueológicas realizadas perto de Belém fornecem vislumbres da paisagem do primeiro século da topografia circundante, incluindo grutas naturais para abrigar animais; cercas baixas de pedra para delinear espaços de pastagem; torres de vigia feitas de pedras empilhadas para oferecer segurança; e pequenas piscinas de imersão (miqva’ot) escavadas na rocha, que permitiam que os trabalhadores agrícolas mantivessem os padrões bíblicos de pureza ritual requeridos para se lidar com produtos ou animais que seriam enviados ao templo. Juntas, estas características teriam formado o cenário físico para a descrição de Lucas dos “pastores que viviam nos campos, vigiando seus rebanhos durante a noite”, quando o anjo lhes proclamou as boas novas do nascimento do Messias na vila (ver Lucas 2:8–11).

Os “campos dos pastores”, pequenas torres de vigia, terraços e cavernas naturais, usadas para pastorear ovelhas e cabras ao longo das encostas das colinas perto de Belém. | Matthew J. Grey

O relato de Lucas também faz alusão a uma casa do vilarejo em Belém, que compartilhava características comuns a casas descobertas em outras partes desta região. O trabalho de escavação realizado na região montanhosa da Judeia mostrou, por exemplo, que as casas não pertencentes à elite no período, geralmente tinham uma ou duas salas de estar feitas com paredes de pedras empilhadas; telhados rebocados planos; pisos de terra compactada ou de rocha, sobre os quais esteiras de junco podiam ser colocadas para comer e dormir; e um pequeno pátio para atividades de preparação de alimentos. Esta configuração doméstica não permitia quase nenhum espaço privado, especialmente ao acomodar famílias grandes ou multigeracionais.

Era comum que essas casas fossem construídas perto ou sobre cavernas naturais de calcário, que poderiam ser reaproveitadas como abrigo para os animais da família: ovelhas, cabras ou burros, talhando nas paredes da gruta pequenos nichos para lamparinas a óleo que forneciam uma luz interior suave, e bebedouros de pedra para dar água aos animais. Esta última característica foi quase certamente o que Lucas imaginou, quando descreveu os pastores vendo o bebê Jesus envolto em faixas e deitado em uma manjedoura (Lucas 2:12). Embora nenhuma casa completa do período tenha ainda sido escavada dentro da própria Belém, é bem possível que algumas das cavernas reaproveitadas, preservadas pela Igreja da Natividade, tenham funcionado como este tipo de estábulo, para casas que ficavam perto ou acima delas no época do nascimento de Jesus. 

Uma caverna reutilizada, localizada sob uma casa construída no século I, escavada perto de Belém. Esculpida na parte superior da parede, à esquerda está uma fileira com pequenos nichos para segurar lamparinas a óleo; e esculpida na parede da caverna à direita, uma fileira de comedouros ou bebedouros para animais. Esta última característica provavelmente se assemelha à “manjedoura” na qual Jesus foi colocado, de acordo com Lucas 2.
Uma caverna reutilizada, localizada sob uma casa construída no século I, escavada perto de Belém. Esculpida na parte superior da parede, à esquerda está uma fileira com pequenos nichos para segurar lamparinas a óleo; e esculpida na parede da caverna à direita, uma fileira de comedouros ou bebedouros para animais. Esta última característica provavelmente se assemelha à “manjedoura” na qual Jesus foi colocado, de acordo com Lucas 2. | Oren Gutfield

Enquanto Lucas concentra seu relato da Natividade nos pastores, na dinâmica doméstica e na manjedoura que estavam presentes naquela primeira noite de Natal, o Evangelho de Mateus enfatiza o tenso contexto político que cercava do primeiro século. Cerca de quatro décadas antes do nascimento de Jesus, um monarca chamado Herodes, o Grande, foi nomeado “rei dos judeus” pelo Senado Romano, para governar a região da Judeia em seu nome. Apesar de seu poder real e exibições ostentosas de grandeza, que ainda podem ser vistas por seus monumentais projetos de construção em toda a região, Herodes tinha plena consciência de que muitos judeus o viam como um governante ilegítimo, nomeado por uma entidade estrangeira, e que muitos ansiavam pelo retorno de um rei da linhagem de Davi para substituí-lo. Esta agitação local levou um Herodes paranoico a proteger zelosamente seu poder, muitas vezes eliminando potenciais rivais ou ameaças ao seu trono, mesmo que surgissem dentro de sua própria família.

Parte do antigo complexo de cavernas, agora usado como uma série de capelas, sob a Igreja da Natividade em Belém. Durante a época do Novo Testamento, estas e outras grutas próximas podem ter servido como estábulos, depósitos ou instalações de água para as famílias.
Parte do antigo complexo de cavernas, agora usado como uma série de capelas, sob a Igreja da Natividade em Belém. Durante a época do Novo Testamento, estas e outras grutas próximas podem ter servido como estábulos, depósitos ou instalações de água para as famílias. | Matthew J. Grey

É com este pano de fundo que Mateus apresenta Jesus, em vez de Herodes, como o rei legítimo da Judeia, enviado por Deus através da linhagem de Davi (Mateus 1:1–17) e nascido em Belém: a casa de Davi no Velho Testamento profetizada também para ser o local de nascimento do futuro messias davídico (ver Miqueias 5:2; e comparar com Mateus 2:5–6). Mateus então destaca o direito de Jesus à monarquia da Judeia, contando a história de homens sábios seguindo uma estrela do leste (ecoando uma linguagem semelhante a de Números 24:15–19; Salmos 72:10–16; e Isaías 60:1–7) e perguntando a Herodes: “Onde está o menino que nasceu rei dos judeus?” Em resposta à pergunta dos sábios, o enfurecido rei ordenou o massacre de todas as crianças do sexo masculino em Belém com menos de 2 anos de idade (Mateus 2:1–18).

A dinâmica política deste episódio pode ser vista em uma última característica arqueológica na paisagem de Belém: a monumental fortaleza-palácio e túmulo que Herodes construiu, perto do sudeste da vila chamada Herodion. Entre todos os enormes projetos de construção de Herodes, esta montanha artificial contendo torres defensivas, piscinas, palácios de lazer, um teatro em estilo romano e seu próprio mausoléu, foi o único local que ele nomeou em sua homenagem, com a intenção de servir como o memorial eterno ao seu reinado.

Monumento e túmulo de Herodes, o Grande, em Herodion, uma montanha artificial e um palácio fortificado construído a sudeste de Belém.
Monumento e túmulo de Herodes, o Grande, em Herodion, uma montanha artificial e um palácio fortificado construído a sudeste de Belém. | Asaf T., domínio público, via Wikimedia Commons. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Herodium_from_above_2.jpg

É possível que a localização deliberada de Herodion por Herodes, tão próximo a Belém, tenha sido em si uma tentativa de criar uma impressão de legitimidade dinástica: se as escrituras e a tradição local defendiam que o verdadeiro rei de Israel, um dia ascenderia da cidade natal de Davi, o monumento pessoal de Herodes forjaria uma forte associação visual entre ele e o monarca davídico, que se esperava vir daquele local. O nascimento de Jesus em Belém, portanto, ocorreu literalmente à sombra do reinado de Herodes, à vista de Herodion, ao mesmo tempo que representava a ele como um desafio divino, ao dar à luz o último messias real nascido na vila de Davi.

Desta forma, os vestígios arqueológicos em Herodion, como os campos dos pastores, estruturas domésticas e estábulos atestados em torno de Belém, fornecem um contexto e percepções valiosos que podem informar profundamente nossa leitura moderna das histórias bíblicas da Natividade, enriquecer profundamente a maneira como visualizamos os eventos que os cercavam, e nos ajudar a apreciar as realidades físicas por trás da mensagem de Natal de “grande alegria para todas as pessoas”: “Na [vila] de Davi vos nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lucas 2:10–11).

— Matthew J. Grey é professor de Escrituras Antigas, da Universidade Brigham Young

Nota do editor: Ouça Dr. Grey discutir mais sobre sua pesquisa no podcast do Church News [em inglês], de 20 de dezembro.

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