Falso Brilhante | Enciclopédia Itaú Cultural

Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Música

Falso Brilhante

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 13.05.2024
1976
Falso Brilhante é um álbum de estúdio da cantora Elis Regina (1945-1982), lançado pela Philips em 1976. O disco tem o repertório baseado no espetáculo homônimo, em cartaz no Teatro Bandeirantes de dezembro de 1975 a fevereiro de 1977 em São Paulo. O show tem 257 apresentações e público de 280 mil pessoas. Criado coletivamente pela equipe, com di...

Texto

Abrir módulo

Análise

Falso Brilhante é um álbum de estúdio da cantora Elis Regina (1945-1982), lançado pela Philips em 1976. O disco tem o repertório baseado no espetáculo homônimo, em cartaz no Teatro Bandeirantes de dezembro de 1975 a fevereiro de 1977 em São Paulo. O show tem 257 apresentações e público de 280 mil pessoas. Criado coletivamente pela equipe, com direção cênica de Myriam Muniz (1931-2004) e musical de Cesar Camargo Mariano (1943), traz uma retrospectiva da carreira da cantora, com elementos teatrais e um repertório de 42 músicas, dividido em duas partes. O cenário circense das apresentações é evocado pela arte gráfica do disco, cujo interior traz imagens dos músicos caracterizados em seus personagens. O título, extraído do bolero “Dois pra lá, dois pra cá” [João Bosco (1946) e Aldir Blanc (1946)], lançado por Elis em 1974, é ressignificado como uma metáfora da vida de artista, em que o suposto brilho ofusca os dissabores.

Seguindo a multiplicidade do espetáculo, as dez faixas que compõem o LP abrangem diversos gêneros, com canções inéditas no repertório de Elis. Uma delas é a valsa “Fascinação”, composta pelo italiano Dante Pilade Marchetti (1876-1940) com letra do francês Maurice de Féraudy (1859-1932), em 1905. A canção é popularizada nos anos 1940, traduzida por Armando Louzada e interpretada pelo cantor Carlos Galhardo (1913-1985). Nos arranjos de Cesar Camargo Mariano, recebe modulações nas trocas de acorde e o teclado imita cordas. À exceção dessa e da última faixa do disco, “Tatuagem” [Chico Buarque (1944) e Ruy Guerra (1931)], a seleção musical privilegia canções de teor político e contestatório. A última, apesar de seu conteúdo romântico, provém da peça teatral Calabar: o Elogio da Traição, censurada até o início dos anos 1980 por criticar a ditadura militar vigente. 

Gravado em apenas dois dias entre as folgas do espetáculo, Falso Brilhante, à época, é tido como inferior aos três trabalhos anteriores da cantora em termos técnicos e de arranjos. No entanto, recebe elogios pelo resgate da emoção e pelo engajamento1. O disco traz um diálogo arrojado de Elis com o rock, sendo comparado ao da cantora norte-americana Janis Joplin (1943-1970), ainda que pejorativamente2.

Tal apreciação deve-se às duas primeiras faixas, a balada “Como os Nossos Pais” e o rock “Velha Roupa Colorida”, ambas da autoria de Belchior (1946). A última, com andamento em blues e vocal rasgado, é gravada em duas tentativas e exige uma extensão vocal acima da região alcançada pela mezzo-soprano Elis. Somada às rotinas de espetáculos, resulta na voz rouca registrada na gravação. A interpretação agressiva, no entanto, dá o contorno requisitado pelas letras das canções, que denunciam o cerceamento da liberdade com o Ato Institucional n. 5 (AI-5) e a acomodação da sociedade frente a esse quadro. A versão de Elis impulsiona a carreira de Belchior, procurado no mesmo ano pela Philips para gravar o disco Alucinação (1976), que, assim como Falso Brilhante, é produzido por Mazzola (1950).

Outro compositor lançado por Elis é Thomas Roth (1951), autor de “Quero”. Retomando o tema de “Casa no Campo” [Zé Rodrix (1947-2009) e Tavito (1948)], gravada por Elis em 1972, a música manifesta o ideal de uma vida bucólica, recebendo interpretação suave, sem ornamentos, que contrasta com a dramaticidade de outras faixas. Em “Los Hermanos” [Atahualpa Yupanqui (1908-1992)], Elis opta por uma interpretação impostada, com ornamentos de vibrato, terminando triunfalmente com a palavra libertad, o que confere à canção a estrutura de um flamenco. Outra representante da nueva canción latino-americana no disco, “Gracias a la vida”, saúda os que a apoiam em sua trajetória e homenageia a compositora chilena Violeta Parra (1917-1967), autora da canção. Por causa desta faixa, o disco é proibido na Argentina durante a ditadura militar e a cantora recusa convites para apresentar-se no país no período. 

Completam o disco três parcerias de Aldir Blanc e João Bosco, “Um Por Todos”, “Jardins de Infância” e “O Cavaleiro e os Moinhos”. A primeira decompõe-se em três momentos e tem a segunda parte transformada em samba, “meio velório, meio farra”. “Jardins de Infância” é mais enfática com relação à cegueira social frente à ditadura: “Você vive o faz de conta, / Diz que é de mentira, brinca até cair”. “O Cavaleiro e os Moinhos” remete ao anti-herói Dom Quixote e inicia defendendo: “Acreditar na existência dourada do sol / Mesmo que em plena boca / Nos bata o açoite contínuo da noite”. A intensidade da voz assume um crescendo, desfechando num brado na palavra “vento”. O segundo movimento da música, acelerado, tem aspecto jocoso, confirmado pela letra - “Eu, baderneiro, me tornei cavaleiro / Malandramente (...)” - até atingir o ápice em “Já não há mais moinhos como os de antigamente”.

Falso Brilhante representa uma síntese da obra de Elis Regina, mesclando padrões performáticos anteriores e posteriores à bossa nova, consolidando suas características como intérprete. Com esse trabalho, a cantora concilia popularidade com reconhecimento por parte da crítica especializada. O disco é exemplar do paradoxo entre mercado e engajamento, ocorrido no cenário musical brasileiro nos anos 1970. Se, por um lado, a politização implica dilemas para os artistas, por outro, é exigida pela audiência de classe média, consagrando a expressão MPB como uma tendência musical eclética.

Em 2007, é lançado o DVD Falso Brilhante, pela EMI Music, produzido por Roberto de Oliveira, com uma síntese do espetáculo. Inclui “O Guarani” e clássicos do repertório internacional (“Singin’ in The Rain”, “La Puerta”, “Nel Blu Dipintu di Blu”, “Hymne À L'Amour”) e mais “Aquarela do Brasil”, “Diz que Tem” e “Canta Brasil”. O DVD tem também imagens de outras apresentações de Elis e duetos com Tom Jobim (1927-1994), Milton Nascimento (1942) e Fátima Guedes (1958). 

Faixas

1. “Como Nossos Pais” (Belchior)
2. “Velha Roupa Colorida” (Belchior)
3. “Los Hermanos” (Atahualpa Yupanqui)
4. “Um por Todos” (João Bosco/Aldir Blanc)
5. “Fascinação” (Fascination) (F. D. Marchetti/Maurice de Féraudy/Versão: Armando Louzada)
6. “Jardins de Infância” (João Bosco/Aldir Blanc)
7. “Quero” (Thomas Roth)
8. “Gracias a la Vida” (Violeta Parra)
9. “O Cavaleiro e os Moinhos” (João Bosco/Aldir Blanc)
10. “Tatuagem” (Chico Buarque/Ruy Guerra)

Notas

1 A principal crítica nesse sentido é feita pelo jornalista Maurício Kubrusly no artigo “Elis num Brilho que Ofusca a Perfeição”, em 23 fev. 1976. Disponível em: < http://www.elisregina.com.br/Por-Elis/Albuns >. Acesso em 19 set. 2016.

2 Oswaldo Mendes é o autor dessa segunda crítica, intitulada “Abaixo os falsos brilhantes de Elis Regina”. Disponível em: < http://www.elisregina.com.br/Por-Elis/Albuns >. Acesso em 19 set. 2016.

Fontes de pesquisa 4

Abrir módulo
  • ELIS Regina. Site Oficial da Artista. Disponível em: http://www.elisregina.com.br/.
  • FARIA, Arthur de. Elis: uma biografia musical. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2015.
  • LUNARDI, Rafaela. Em busca do “Falso Brilhante”. Performance e projeto autoral na trajetória de Elis Regina (Brasil, 1965-1976). Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
  • MARIA, Julio. Elis Regina: nada será como antes. São Paulo: Master Books, 2015.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: