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Estado de Minas PREMIA��O

Ilustrador mineiro Nelson Cruz concorre a pr�mio liter�rio internacional

Escritor � candidato ao pr�mio Hans Christian Andersen, considerado uma esp�cie de Nobel infantojuvenil, pelo conjunto de sua obra


09/04/2021 04:00 - atualizado 09/04/2021 07:17

Cena do livro 'Sagatrissuinorana', de Nelson Cruz: a hist�ria dos tr�s porquinhos adaptada para a escrita de Jo�o Guimar�es Rosa tem a trag�dia das barragens em Minas Gerais como cen�rio(foto: NELSON CRUZ/DIVULGA��O)
Cena do livro 'Sagatrissuinorana', de Nelson Cruz: a hist�ria dos tr�s porquinhos adaptada para a escrita de Jo�o Guimar�es Rosa tem a trag�dia das barragens em Minas Gerais como cen�rio (foto: NELSON CRUZ/DIVULGA��O)
Pr�mio Hans Christian Andersen, principal distin��o conferida � cria��o liter�ria e � produ��o editorial para crian�as e jovens no mundo, foi criado em 1956 pelo International Board on Books for Young People – IBBY. Organizado em oitenta se��es nacionais, o IBBY, que tem sede na Su��a, est� presente em todo o mundo, dedicando-se � promo��o da leitura e dos livros para a inf�ncia em v�rias frentes de atua��o. No Brasil, � representado pela Funda��o Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ, criada em 1968, com sede no Rio de Janeiro.

A FNLIJ tem intensa atua��o na valoriza��o da cria��o e da produ��o editorial para crian�as no Brasil, materializada em semin�rios, congressos, cursos e, principalmente, na realiza��o do Pr�mio FNLIJ – O Melhor para Crian�a, com mais de 45 anos de exist�ncia, e do Sal�o FNLIJ do Livro para Crian�as e Jovens. Como membro do IBBY e ancorada em longevo e sistem�tico acompanhamento da produ��o editorial nacional, a FNLIJ indica os candidatos brasileiros �s duas categorias, escrita e ilustra��o, do Pr�mio Hans Christian Andersen, que em mais de 60 anos foi conferido a apenas quatro latino-americanos: as escritoras Lygia Bojunga, Ana Maria Machado e Mar�a Teresa Andruetto, em 1982, 2000 e 2012, respectivamente, e o ilustrador Roger Mello, em 2000.

No final de 2020, a FNLIJ divulgou a aceita��o das candidaturas da escritora Marina Colasanti e do ilustrador Nelson Cruz ao Pr�mio Hans Christian Andersen. Por sua amplitude, uma reuni�o de grandes artistas do mundo inteiro, a escolha dos vencedores tende a ser de alt�ssimo n�vel. A presen�a de nossos autores no processo aponta para a qualidade dos livros publicados para as crian�as no Brasil. Mineiro de Belo Horizonte, Nelson Cruz representa, com os livros para os pequenos e jovens leitores, um pouco de nossa aldeia no mundo.

Em pa�ses desiguais e injustos como o Brasil, a escola � a primeira refer�ncia quando falamos em livro e leitura e, indiretamente, em futuro. � a ela que atribu�mos o dever de repara��o social e nela depositamos nossa difusa esperan�a. Com sinais trocados, � a escola o ponto de partida para uma visada da trajet�ria do escritor e ilustrador Nelson Cruz e da contribui��o de sua obra, especialmente de ilustra��o, para a promo��o da inf�ncia e da juventude em nosso pa�s.

A ditadura militar, que marcou indelevelmente o Brasil e a Am�rica Latina por d�cadas do s�culo 20 e hoje, mais que nunca, diz muito de quem somos e de como vivemos, mostrou-se presente na escola p�blica de periferia que recebeu o menino Nelson, expulsando-o em silenciosa viol�ncia de suas promessas de futuro.

Por se sentir estranho e indesejado naquele espa�o, o menino abandonou a escola. Substitu�da pelo trabalho de pedreiro com o pai, a rotina escolar se revelou �nfima diante do que o adolescente descobriu nos livros e revistas colecion�veis comprados em bancas pelo irm�o mais velho e nos cartuns publicados nos jornais que serviam de prote��o ao ch�o encerado pela m�e. O que a escola tirou sem nem sequer oferecer, os livros e as revistas devolveram a Nelson Cruz.

Com a ajuda de uma amiga da m�e, o rapaz, que demonstrava talento para desenhar, conseguiu aulas gratuitas de pintura com Esthergilda Menicucci. No caminho que percorria para chegar ao ateli� da pintora, na regi�o da Savassi, havia a Biblioteca P�blica. L�, Nelson Cruz descobriu os livros de arte e de literatura, al�m das ofertas culturais existentes na regi�o central da cidade, infelizmente ausentes no Nova Cintra, um bairro pobre e perif�rico naquele per�odo.

Os convites arrancados dos livros da Biblioteca P�blica Estadual e da Biblioteca do Sesc – nem sempre eles s�o oferecidos espontaneamente a todas as pessoas – e os filmes vistos na Sala Humberto Mauro formaram o artista autodidata e se tornaram cria��o em seu trabalho, tanto no realizado em parceria com outros autores, quanto – e especialmente – no de sua autoria individual. A experi�ncia de inven��o vislumbrada na leitura, decantada, se transforma, ent�o, em arte.

Para al�m de ilustrar uma narrativa, no sentido mais imediato e comum que a palavra pode ter, os tra�os e cores de Nelson Cruz contam hist�rias, as que est�o no texto e as que a ele s�o convocadas pela experimenta��o art�stica: personagens que se agigantam, palavras que gritam, gestos que silenciam, paisagens que entristecem e angustiam, detalhes que prometem pequenas alegrias.

Os desvios aprendidos em sua pr�pria trajet�ria e a rebeldia diante do que est� posto, seja como destino ou como narrativa, s�o marcas da obra de Nelson Cruz que fazem de hist�rias experi�ncias. No universo do autor, o mundo e a vida s�o constru�dos, ora com estranho lirismo, ora de maneira humor�stica, em amb�guas certezas.

A densidade de montanhas realizada pela perfei��o de cores que se colocam em movimento constr�i tamb�m a fluidez e o balan�o das ondas; a reinven��o de sucata – restos de madeira e caixas de papel�o – em poesia experimenta a narrativa da materialidade escolhida como caminho; a gra�a e a beleza imediatas de um desenho se revelam mais potentes a visita��es demoradas; e, por �ltimo, mas n�o menos importante, a escolha do qu� e de como contar – que personagens, que hist�rias, que vozes, com que cores, em que formatos – evidencia a celebra��o dos livros, da literatura e, principalmente, dos pequenos e jovens leitores como pot�ncia para a indaga��o e para a compreens�o do mundo.

A identifica��o imediata de temas nos livros do autor pode ser tentadora em um primeiro momento, mas, inevitavelmente, se mostra aligeirada e modesta em leituras mais atentas. As ilustra��es de “Um dia de chuva” (2002) e de “De carta em carta” (2002), ambos com textos de Ana Maria Machado, anunciam um jogo de luzes, sombras e perspectiva original na ent�o cria��o de livros para crian�as no Brasil. Ao longo do tempo, o engenho de ampliar sentimentos e tens�es se tornou marca do trabalho de Nelson Cruz e, ancorado em desejo de experimenta��o art�stica e compromisso �tico, criou novas possibilidades para os jovens leitores no pa�s.

O projeto de apresentar a leitores improv�veis (em fun��o de sua faixa et�ria e dos m�todos pouco dispostos � leitura, ela mesma nas pr�ticas escolares com os livros) grandes textos da literatura universal inaugurou muitos caminhos nos modos de ler no Brasil, sendo um deles a apresenta��o da ilustra��o como elemento narrativo que se oferece para al�m da inf�ncia. A publica��o de edi��es ilustradas de “Conto de escola” (2002), de Machado de Assis, de “O edif�cio” (2016), de Murilo Rubi�o, e de “Se os tubar�es fossem homens” (2018), de Bertolt Brecht, fez com que esses autores se mostrassem como generoso convite para obras que pareciam inalcan��veis.

O mesmo acontece com a recria��o ilustrada de vida, trajet�ria e obra de personagens e autores da hist�ria brasileira, em perspectivas inexistentes, at� ent�o, nos livros para crian�as e jovens no pa�s. “Dirceu e Mar�lia”, “Chica e Jo�o” e “B�rbara e Alvarenga” narram hist�rias da hist�ria do Brasil que extrapolam datas e acontecimentos oficiais, como dispostos nos livros did�ticos; os processos de forma��o de escritores e a pr�pria escrita como objeto de cultura, com suas marcas hist�ricas, s�o oferecidos aos pequenos em “No longe dos Gerais”, “Um escritor na capela” e “A m�quina do poeta”, acompanhados por convites para uma aproxima��o com Guimar�es Rosa, Graciliano Ramos e Carlos Drummond de Andrade, respectivamente.

Protagonista em nosso tempo, a ang�stia que sentimos diante do planeta sendo destru�do pela gan�ncia humana tamb�m ocupa a extensa centralidade da obra de Nelson Cruz, seja na narrativa de uma �rvore que se torna testemunha do nosso tempo, em “A �rvore do Brasil” (2009), seja na poesia-protesto de “Benjamina” (2019), que se realiza em plenitude no encontro de palavras, imagens e materialidade, ou na composi��o de restos de madeira e distintas vozes po�ticas recriadas em afinado coro em “O livro do acaso” (2014).

Porque diverso e potente, o trabalho de Nelson Cruz n�o se presta a muitas organiza��es; o que vemos aqui, tamb�m nos olha de l�. Onde colocar uma Alice que passeia por telhados de casas pobres, quando nossa refer�ncia nos comprime entre a imagem da favela e o desejo do pa�s das maravilhas? Como enquadrar um conjunto de haicais visuais (sim, pequenos poemas feitos com um t�tulo e tr�s ilustra��es!) que nos surpreende com delicadeza, lirismo e humor?

Na impossibilidade de classificar e organizar, acolhida pela desconfian�a da pouca serventia da tarefa, nos restam ler e ver os livros do autor e, claro, trabalhar para que eles estejam nas m�os de crian�as e jovens, em bibliotecas de todo o mundo.

Tudo o que o artista encontrou nos livros e nas artes nos � devolvido, aos leitores, em cria��o. O que em um per�odo autorit�rio da hist�ria brasileira a escola interditou a um menino perif�rico, hoje � oferecido a crian�as e jovens nos livros de Nelson Cruz, incluindo os conflitos e as contradi��es de suas experi�ncias individuais e coletivas. Toda a obra do autor se oferece, como em uma galeria, �s inf�ncias e juventudes como caminhos poss�veis, embora incomuns, para saber quem somos, como vivemos e de que rela��es participamos.

*Fab�ola Farias � doutora em ci�ncia da informa��o pela UFMG e leitora-votante da Funda��o Nacional do Livro Infantil e Juvenil


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