A trajetória de Austen e suas influências
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A trajetória de Austen e suas influências

2. JANE AUSTEN: VIDA E OBRA

2.1 A trajetória de Austen e suas influências

Jane Austen (1775-1817) é um ícone da literatura britânica e mundial. Suas obras ressoam a mais de dois séculos entre leitores e admiradores de seus romances além de servirem de esteio para estudos acadêmicos, desse modo, torna-se pertinente sublinhar fatos de sua vida e obra, visto que tais fatores influenciaram diretamente suas narrativas e em particular o objeto desta pesquisa: Persuasion [Persuasão] (1818). A escritora nasceu em 16 de Dezembro de 1775, na Inglaterra na zona agrária de Hampshire (Steventon), residindo boa parte de sua vida nesta localidade, filha do casal George Austen (1731-1805) e Cassandra Leigh (1739-1827), ambos pertencentes a classe menos abastada da nobreza.

Jane Austen era a sétima filha da linhagem de oito irmãos, cujos nomes eram: Henry (1771-1850), que acompanharia de perto o desenvolvimento dos escritos da irmã, negociando algumas de suas publicações e escrevendo sua biografia postumamente; Cassandra (1773- 1845), sua confidente e amiga, cuja proximidade pode ser percebida nas correspondências que trocaram durante a breve vida de Austen, pode-se afirmar que foram cerca de 100 (Cem) cartas; Charles (1779-1852) que serviu a marinha juntamente com o irmão Frank (1774- 1865), os irmãos dela combateram durante as guerras napoleônicas, e devido a tais serviços na Academia Real da Marinha foram promovidos a almirantes, em Persuasion (1817) o protagonista torna-se capitão da marinha evidenciando o apreço que a escritora sentia pelos irmãos. Edward (1767-1852), que fora adotado por Thomas Knight primo do reverendo Austen, abraçando posteriormente o sobrenome de seus benfeitores – Edward Austen Knight; James (1765-1819), tornou-se um prodígio, entrando para Oxford aos 14 (quatorze) anos, tornando-se médico em 1887; e George (1766-1838), o único dentre os homens que não

A família Austen apresentava uma condição financeira instável, fato ligado ao costume de primogenitura, tal circunstância estabelecia que as terras e o patrimônio da família seriam repassados ao filho mais velho ou em alguns casos para a filha, o que não era o caso de George Austen e Cassandra Leigh, pais de Jane Austen, porém comungavam em um círculo influente de relações, tal conjuntura colaborava na sobrevivência da família. Essa questão foi levantada por Austen em Pride e Prejudice [Orgulho e Preconceito] (1813), visto que as irmãs Bennet não poderiam herdar a casa da família, pois o herdeiro direto segundo a lei da primogenitura era o primo Mr. Collins, logo, a mãe Mrs. Bennet afligisse na busca por realizar bons casamentos para as filhas, para que não fiquem desamparadas no futuro.

Outro fator ligado a situação financeira menos abastada da família, seria a ausência de um dote para que suas filhas (Cassandra Austen e Jane Austen) tivessem a oportunidade de realizar no futuro um bom casamento. Os problemas financeiros da família influenciavam diretamente nos escritos da romancista, realidade descrita por Janet Tood na seguinte passagem da obra Jane Austen in Context:

A escrita de Austen na juventude mostra uma crescente consciência das realidades econômicas da vida para as mulheres nas franjas da pequena nobreza, realidade que canalizam dinheiro e terras para os homens, ignorando as mulheres como sua mãe ou ela mesma5 (Tradução nossa).

Neste sentido, observa-se que as questões econômicas problematizadas em suas obras evidenciam uma influência direta de particularidades da vida da escritora, tais fatores faziam-se presentes nas discussões literárias da família e nas paródias das obras de autoria de Austen, estas reunidas em Juvenilia (três volumes), que teve início em 1787, época que a escritora tinha 11 anos, e continuou durante os seis anos seguintes (até Junho de 1793). Ainda sobre as questões econômicas refletidas em seus escritos, Tood (2005, p.07) pontua que:

As desigualdades de herança patriarcal permeiam os primeiros romances publicados por Austen, Razão e Sensibilidade (1811; elaborado a partir de Novembro de 1797, a partir de um romance de 1795 em letras, 'Elinor e Marianne') e Orgulho e

Preconceito (1813; redigido como "First Impressions", Outubro 1796-agosto de

1797). As primeiras versões dessas obras, escritas no final de sua adolescência e aos vinte e poucos anos, certamente também refletem uma preocupação com a realidade e a ameaça de deserdação de filhas que o trabalho de Ruth Perry revelou como característica de romances do século XVIII em geral, e Austen, em particular6 (Tradução nossa).

Em meados de 1783, Cassandra e Jane deixaram a residência dos pais na localidade de Hampshire para residir com Mrs. Cawley, com o propósito de dar continuidade em suas formações educacionais. Neste período as irmãs residiriam em Oxford e posteriormente em Southampton, porém, devido a um surto de Tifo que se alastrou na época, partiram novamente para a residência dos pais. Em 1785, foram conduzidas a Abbey School um internato próximo de Reading – especula-se que este período no internato teria inspirado a romancista a retratar

5

“Austen's youthful writing shows an increasing awareness of the economic realities of life for women on the fringes of the gentry, realities that channel money? and land to men, bypassing women like her mother or herself” (TOOD, 2005, p.06).

6

The inequities of patriarchal inheritance pervade Austen's first published novels, Sense and Sensibility (1811; drafted from November 1797, from a 1795 novel in letters, 'Elinor and Marianne') and Pride and Prejudice (1813; drafted as 'First Impressions', October 1796-August 1797). The early versions of those works, written in her late teens and early twenties, certainly also reflect a preoccupation with the reality and threat of disinheritance of daughters that Ruth Perry's work has revealed as characteristic of eighteenth century novels in general, and Austen's in particular (TOOD, 2005, p. 07).

no romance Emma (1815) o internato de Mrs. Goddard –, porém, ao final do ano letivo as

irmãs encerram em definitivo seus estudos na instituição, passando assim, a continuar os estudos no ambiente doméstico.

Em relação as leituras no seio familiar, constata-se que a figura paterna, o reverendo George Austen, – formado em Oxford em 1760 – incentivou e contribuiu para a formação educacional da romancista, visto que o mesmo era tutor, e lecionava para aprendizes no próprio ambiente familiar. O hábito da leitura cultivada no lar, realizava-se através de uma biblioteca particular voltada para o divertimento da família, logo, o círculo familiar era um ambiente de discursos intelectuais e culturais.

Em 1801, o reverendo Austen já havia reunido em torno de 500 (quinhentos) títulos em sua biblioteca particular, dentre os escritos encontravam-se obras de: Samuel Richardson, Laurence Sterne, Henry Fielding, etc. Neste mesmo ano, George Austen aposentou-se de suas atividades e mudou-se com a família para Bath (1801-1806), posteriormente, em 1805 o pai falece e a condição financeira agrava-se, logo, mãe e filhas passam a contar com a ajuda financeira dos homens da família. Austen nunca viria a contrair matrimônio, em sua biografia há apenas indícios que durante a adolescência flertou com Mr. Heartley e Mr. Thomas Lefroy, por quem demonstrou mais afeição, porém a condição financeira do pretendente não favorecia o enlace matrimonial.

Ao descortinar a vida da romancista inglesa é perceptível o isolamento e a discrição que conservou ao longo de sua breve vida. Austen permaneceu distante da sociedade literária e não manteve correspondência com outros escritores, dessemelhante da escritora Anglo- Irlandesa Maria Edgeworth (uma das precursoras do romance europeu), que correspondeu-se com Sir. Walter Scott tido como criador do Romance Histórico – gênero que trata de uma junção entre ficção e história –, ambos lidos por Jane Austen em sua juventude; apesar do contato da escritora com os escritos de Scott a mesma tratava com zombaria aspectos românticos na obra do escritor. Entre as leituras da autora no século XVIII podem ser citados obras tidas como romances clássicos cujos autores são: Richardson, Pope, Shakespeare, Hume, Johnson, Byron, e o próprio Walter Scott, estes mencionados de modo particular no romance Persuasão (1818), fato que pode ser observado na seguinte narração:

[...] A conversa que haviam tido na noite anterior não o impedia de buscar de novo a companhia dela, e caminharam juntos por algum tempo, falando como antes do sr. Scott e de Lorde Byron, e incapazes como antes, e tão incapazes quanto quaisquer

outros dois leitores, de pensar exatamente igual sobre os méritos de ambos os poetas.7 (AUSTEN, 2012, p. 133)

Logo pode-se dizer, que Jane Austen foi uma leitora assídua de romances, assim como seus familiares. Segundo citação de Tood (2005, p.41; tradução nossa): “O gosto do Sr. Austen era liberal, englobando todas as espécies de literatura, de acordo com a "Biographical Notice" de Henry Austen”.8

Ainda sobre suas influências, Austen foi uma espectadora pontual das produções teatrais (comédias e farsas) encenadas no celeiro da reitoria de Steventon, vila localizada na rural da Inglaterra, onde assistiu ensaios de peças de escritores, como: David Garrick, Isaac Bickerstaffe, Henry Fielding, Susannah Centlivre, Richard Brinsley Sheridan, e Hannah Cowley. Tais peças influenciaram a inserção de arquétipos cômicos (libertinos, tagarelas, hipócritas, cônjuges mal-humorados, dentre outros perfis.) em suas obras. Em relação as influências góticas que os Austen tiveram contato destaca-se um momento que Jane Austen presenciou o pároco George Austen lendo o romance gótico The Midnight Bell (1798), de Francis Lathom, e utilizou a mesma referência em sua obra Northanger Abbey (1817), – uma paródia gótica – quando Isabella Thorpe dá uma lista de obras para leitura a Catherine Morland.

Analisando a vida de Austen, é perceptível que a escritora preservou um vínculo íntimo com sua irmã Cassandra a primeira crítica de seus romances e sua primeira leitora, já que acompanhava o desenrolar das tramas enquanto ela escrevia. Cassandra era três anos mais velha, e tornou-se a grande confidente da escritora, além de dividirem o fascínio pela leitura e encenações teatrais, ainda sobre o laço fraternal das irmãs, William Baker (2008, p.09; tradução nossa) dirá que:

[...] Pareciam levar uma vida para si mesmas dentro da vida familiar geral, que era compartilhada apenas por ambas. Não vou dizer que seus sentimentos e opiniões

7

[...] Their conversation, the preceding evening, did not disincline him to seek her again; and they walked together some time, talking as before of Mr. Scott and Lord Byron, and still as unable, as before, and as unable as any other two readers, to think exactly alike of the merits of either (AUSTEN, 1993, p.103).

8

Mr Austen's taste was liberal, encompassing every species of literature', according to Henry Austen's 'Biographical Notice (TODD, 2005, p.41).

foram conhecidos apenas por elas mesmas. Somente elas compreenderam plenamente o que cada uma tinha sofrido, sentido e pensado 9.

A maior parte das informações que se conhece sobre Jane Austen foram publicadas por seu irmão Henry em 1818 na obra “Biographical Notice” e colhidas com alguns de seus sobrinhos e sobrinhas. Estes ressaltavam que Austen era uma mulher de caráter modesto, ligada a família e reservava-se costumeiramente ao ambiente domiciliar. Porém, a visão apenas da família estreita a veracidade das informações sobre a vida e obra da autora, de modo que, umas das avaliações biográficas relevantes seria examinar outros aspectos, dentre eles o financeiro fator de grande relevância. Tais fatores Tood (2005, p.08-09) pontua do seguinte modo:

[...] Embora não tenha começado a escrever por dinheiro, Austen ficou encantada com seus primeiros ganhos reais: escreveu a seu irmão Frank para anunciar que todas as cópias da primeira edição de Sense and Sensibility tinham sido vendidas: "me trouxe £ 140 - Além dos direitos autorais, se aquele fosse sempre de algum valor. – Eu tenho agora, ao escrever, ganho £ 250. [Tendo vendido os direitos autorais de Pride and Prejudice por £ 110] - o que só me faz desejar mais" (L, 3-6 de julho de 1813). Ou seja, Jane Austen tornou-se um escritora profissional.10

Mediante a esta citação, observa-se que a romancista enxerga a possibilidade de ganhos com sua escrita, o que mais tarde oportunizou um sentimento de realização financeira e profissional, posto que, com o sucesso de vendas de suas obras a autora obteve animo para dar continuidade a sua escrita, o que a tornou uma escritora de sucesso e reconhecimento. Todavia, as primeiras publicações da romancista foram assinadas com um pseudônimo “A lady”, tal fator deve-se ao tratamento preconceituoso que as escritoras recebiam no meio social e no caso especificamente o literário, desse modo, utilizavam pseudônimos para obter respeito no mercado.

Austen, começou a sentir fraqueza, cansaço e dores por volta de 1815, mas suas crises agravaram-se em 1817, na época os médicos não tinham conhecimento sobre a doença que a atingia (doença de Addison), assim sendo a escritora mudou-se para Winchester para tratar-se, porém em Julho de 1817 faleceu. Jane Austen, deixou um testamento onde favorecia

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[…]“seemed to lead a life to themselves within the general family life, which was shared only by each other. I will not say their full feelings and opinions were known only to themselves. They alone fully understood what each had suffered and felt and thought” (BAKER, 2008, p. 09).

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[…] Though she did not begin by writing for money, Austen was delighted by her first real earnings: she wrote to her brother Frank to announce that every copy of the first edition of Sense and Sensibility had been sold: 'it has brought me £140 - besides the Copyright, if that shd ever be of any value. - I have now therefore written myself into £250. [having sold the copyright of Pride and Prejudice for £110] - which only makes me long for more' (L, 3-6 July 1813). That is, Jane Austen became a professional writer (TOOD, 2005, p.08-09).

a sua grande companheira em vida, sua irmã Cassandra. Seu corpo está sepultado na Catedral de Winchester, localizada em Hampshire no Reino Unido.11

O próximo subtópico apresenta a cronologia das publicações das obras da escritora, a partir de sua primeira publicação até as publicações póstumas.

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