Origem e Simbolismo da Senhora das Candeias

Origem e Simbolismo da Senhora das Candeias

Senhora das Candeias a Rir, está o Inverno para Vir...

É uma das iconografias marianas mais conhecidas do mapa religioso português. Todos os anos, a 2 de fevereiro, as gerações mais experientes recordam o célebre ditado popular.

As alterações climáticas são uma realidade e vivenciamos o impacto das mudanças a cada ano que passa, ao assistirmos à diminuição da precipitação e um aumento da temperatura média anual. Dados apresentados pela Organização Meteorológica Mundial referem que os últimos sete anos (2015 a 2021) foram aqueles que reuniram as temperaturas mais altas da história. Talvez, por essa razão, o velho ditado, que todos os anos, a 2 de fevereiro, o saber popular não se cansa de repetir e preservar – “Senhora das Candeias a Rir está o Inverno para Vir; Senhora das Candeias a Chorar, está o Inverno a Acabar – talvez já não faça tanto sentido, porque inverno após inverno, temos assistido quase sempre à Senhora das Candeias (ou da Luz, ou da Apresentação) a “rir”, isto é, praticamente não chove no início de fevereiro.

Foi Numa Pompílio, sábio romano, que introduziu fevereiro e janeiro ao calendário romano, no séc. V a.C.. Até então, o calendário da república romana seguia um padrão solar, não contando os meses de inverno (de pouca luz), iniciando o ano em março, contabilizando desta forma apenas 10 meses. Deve-se a este sábio a origem do atual mês dois do nosso calendário gregoriano, desta feita em nome do deus etrusco Fébruo, divindade ligada à morte e purificação, responsável pela extinção do calor humano interior (que conhecemos como a “febre”).

Ao segundo dia deste mês a igreja católica celebra a iconografia da Senhora das Candeias, comemorada um pouco por toda a latinidade, com grande ênfase em Espanha, nas Ilhas Canárias, onde uma enorme procissão sai às ruas da cidade de Tenerife, onde se encontra o maior santuário dedicado a esta iconografia mariana.

Mas qual a relação desta simbologia da Virgem com o clima e com o calendário?

Em Portugal vemos esta evocação mariana a ganhar maior expressão a partir do séc.XV, quando se descobre uma imagem da Virgem envolta por uma luz, no sítio de Carnide, em Lisboa, lugar onde hoje existe, precisamente, uma igreja e mosteiro dedicado à Senhora das Candeias ou da Luz.

Igreja de Nossa Senhora das Candeias, altar mor, concelho da Madalena do Pico, ilha do Pico

Fotografia | Igreja de Nossa Senhora das Candeias, altar mor, concelho da Madalena do Pico, ilha do Pico, Açores

São muitos os lugares em Portugal que celebram com entusiasta veneração a festa da Senhora das Candeias, com destaque para S. Miguel e Pico (precisamente na freguesia de Candelária), nos Açores, em Viana do Castelo, em Almeida, na Guarda e, com a expansão marítima, a evocação cruza o oceano e alcança o Brasil, onde se encontra com enorme veneração, em Salvador da Baía, em Minas Gerais e em Curitiba (onde é a padroeira). Mas é nas Canárias que a Senhora das Candeias (ou da Candelária) ganha uma expressão de especial fervor, apoiada numa antiga lenda que aponta o achamento, em 1400, de uma imagem da Virgem junto ao mar pelos Guanches, antigo povo que habitava a ilha de Tenerife antes da chegada dos espanhóis.

A razão prende-se com a oportunidade que a igreja católica viu em “colar” as datas de celebração da vida dos santos e da Sagrada Família com os antigos festivais pagãos das passagens das estações. Tanto assim é que os celtas e outros povos do centro da Europa festejavam o “Candlemas” ou Festa de Brigidh, a deusa celta do Fogo. Com o crescimento da igreja, as antigas festividades anuais são alteradas para uma simbologia de caráter cristão, tornando-se fevereiro o mês em que se festeja a Sagrada Família e o dia 2 representa a Apresentação do Menino Jesus ao Templo, 40 dias após o seu nascimento, numa clara alusão à ideia de purificação que já encontramos nas festividades pagãs, relacionando ainda a tradição judaica, já que a mesma evocava que, quando a mulher dava à luz, o seu corpo ficava impuro, assim, 40 dias depois, deveriam deslocar-se a Jerusalém para encontrar a purificação no templo.

É interessante, no ponto de vista histórico e no contexto da simbologia religiosa, explorar as muitas personificações iconográficas que encontramos da Virgem neste mesmo dia 2 de fevereiro: Senhora da Candeias, Senhora da Luz, Senhora da Apresentação e ainda Senhora da Purificação. Todas estas “encarnações” com uma mensagem simbólica única no contexto histórico e catequético da igreja, em que a mesma busca atribuir uma simbologia própria à mulher no contexto familiar cristão. Assim, a partir do séc.X, quando as imagens escultóricas se tornam uma prática comum no seio do esforço de comunicação da mensagem cristã aos fiéis, atingindo um enorme expoente na arquitetura românica, vemos o surgimento de procissões de velas a evocar precisamente o dia da Senhora das Candeias ou da “Candelária”.

Segundo a tradição os Guanches terão ficado aterrorizados com a aparição e tentaram destruir a imagem, tendo as suas mãos ficado paralisadas por artes milagrosas. A imagem terá sido guardada numa gruta, com os conquistadores espanhóis a encontrarem-na anos mais tarde nesse mesmo lugar onde hoje se encontra a extraordinária Basílica Real de La Virgen de Candelaria. Conhecida como uma das “Virgens Negras” de Espanha, esta imagem guarda a tradição de todos os dias “vestir” um manto diferente, usando ao longo do ano mais de 30 mantos de cores e ornamentos distintos, de acordo com as datas e cerimónias litúrgicas.


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