Acrimônia: Ela Quer Vingança - Papo de Cinema

Acrimônia: Ela Quer Vingança

14 ANOS 120 minutos
Direção:
Título original: Acrimony
Gênero: Thriller
Ano: 2018
País de origem: EUA

Crítica

2.8

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Sinopse

Melinda é uma esposa fiel e super dedicada ao marido. Ele, por outro lado, é um cara malandro que não liga para a esposa. A mulher está cansada dessa situação e toma uma decisão drástica quando descobre que está sendo traída.

Crítica

Boa parte da trama de Acrimônia transcorre no longo flashback em que a falta de sutileza sobressai como traço dominante. Obedecendo a ordens judiciais, Melinda (Taraji P. Henson) vai à psicanalista designada para orienta-la durante o tumultuado processo de assimilação da separação e do sucesso inesperado do ex-marido. Retrocedendo ao passado, vemos como a então garota (Ajiona Alexus) logo se enrabichou pelo carismático Robert (vivido na juventude por Antonio Madison), fazendo toda sorte de concessões para que o relacionamento fosse adiante. O cineasta Tyler Perry investe num princípio banal, com animosidades arrefecendo gradativamente, dando lugar à paixão avassaladora. O sonho do sujeito de construir uma bateria que se renova automaticamente é amparado pelo dinheiro que a namorada recém-herdou da mãe. Aliás, a falta de espessura dramática quanto à morte mostrada dá uma boa ideia do que esperar deste longa-metragem absolutamente desajeitado, sem eira nem beira.

Após episódios controversos, sobretudo a insistência de Robert no projeto aparentemente falido e a necessidade de recorrer às economias da amada para preencher lacunas financeiras – seja os semestres faltantes à graduação ou os materiais essenciais à consolidação do protótipo –, Melinda toma a primeira atitude intempestiva. Forçando a barra para justificar o fato dela, tomada de ciúmes, ter derrubado o trailer em que ele transava com uma amiga, o realizador consegue extrapolar a falta de sensibilidade inicial, passando batido pelo efeito da resposta violenta. Em Acrimônia as coisas estão tons acima da linha do aceitável para que tenhamos, minimamente, comprometimento com os personagens. Os acessos de raiva da protagonista são folclóricos, comentados pelas irmãs como traços indissociáveis de sua personalidade. Concomitantemente, Robert é desenhado como um sujeito boa praça, muito bem intencionado, mas que sucumbe demasiadamente aos próprios devaneios de grandeza.

Acrimônia percorre um caminho conhecido, com derrotas acachapantes sucedendo pequenas vitórias que ensaiam amenizar tensões. Taraji P. Henson está monocórdica, com um semblante apenas, o atordoado pelas dificuldades cotidianas. Ela não dá conta de expressar minúcias, fazendo de Melissa refém do superficial. Lyriq Bent, ator que interpreta Robert na maturidade, se restringe a reproduzir o ideal sonhador, sequer logrando êxito na tentativa de criar ambiguidades. Tyler Perry conduz seu filme em desabalada carreira rumo ao ordinário, deixando expostas várias e substanciais limitações. Mas tudo degringola feio, mesmo, quando o improvável acontece, assim que as aparentes utopias se tornam realidade. Recorrendo a coincidências duras de engolir – como os antigos amores reaparecendo em situações e/ou posições convenientes –, o cineasta joga Melissa aos leões, desprotegendo-a. Se antes ela se colocava como a esposa que tanto trabalhava enquanto ao marido era facultado sonhar, depois ela endoida vertiginosamente.

É, no mínimo, estranho que Melissa rume ao desvario, deixando uma impressão tão marcada que minimiza as pisadas na bola de Robert. Perry pesa ainda mais a mão quando os sonhos do casal são transferidos à outra dupla. A protagonista assume um papel violento e destrambelhado, como na ridícula sequência que antecede o clímax, com direito a iate invadido. Acrimônia é tortuosamente melodramático, possuindo os contornos de uma novela rasgada, com personagens compelidos a permanecer num espaço unidimensional. Ao invés de apostar nos detalhes, o realizador reforça estereótipos, circunscrevendo as pessoas em territórios pré-moldados. Brigas judiciais mal encenadas, cenas artificiais de discussão familiar, ambiente laboral anódino, são alguns dos sintomas desse filme descartável pela forma como encara situações complexas, emocional e cinematograficamente falando. A resolução fica entre o risível e o caricatural, tendendo ao constrangimento nas suas tentativas de comoção.

Marcelo Müller

Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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