Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa – Organização Comunista Internacionalista (Esquerda Marxista)
Oliver Cromwell por Samuel Cooper, 1656

Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa

Hoje completam-se 350 anos desde a morte de Oliver Cromwell1, o destacado líder da revolução burguesa inglesa de 1640. Sem ele, com sua firme coragem e determinação, a revolução teria sido traída pela grande burguesia que constantemente buscava conciliar com a coroa. Não é por acaso que Cromwell foi descrito como o Lenin da revolução burguesa inglesa.

A Revolução Inglesa de 1640 a 1660 foi uma grande reviravolta social semelhante à Revolução Francesa de 1789. O antigo regime feudal foi destruído e substituído por uma nova ordem social capitalista. A guerra civil foi uma guerra de classes que derrubou o despotismo de Carlos I e a ordem feudal reacionária que estava por trás dele. O Parlamento representou as novas classes médias crescentes da cidade e do país que desafiaram e derrotaram o antigo regime, cortando a cabeça do rei e abolindo a Câmara dos Lordes no processo.

Durante a primeira metade do século 17, as relações entre a coroa e a burguesia deterioraram-se fortemente. Carlos defendia continuamente o direito divino dos reis, enquanto os comuns defendiam a “nação”, seus privilégios e direitos herdados. Essas brigas amargas levaram invariavelmente à dissolução dos parlamentos e terminaram com o governo de onze anos de Carlos I.

Carlos conseguiu alienar os homens de propriedade com a imposição de impostos, empréstimos forçados e governo arbitrário. Eventualmente, a cidade de Londres entrou em greve e recusou um empréstimo. Enquanto isso, o exército escocês se dirigia para o sul e ocupava Newcastle. Carlos não teve outra alternativa senão convocar novamente o Parlamento em novembro de 1640. Este era conhecido como o Longo Parlamento e permaneceu com intervalos durante os 20 anos subsequentes. Em pouco mais de um ano, o Parlamento se dividiu e a luta de classes foi levada a cabo pela guerra civil. A questão fundamental era o poder político.

O conflito se expressou em termos religiosos, pois ambos os lados acreditavam estar travando as batalhas de Deus na terra. No entanto, a religião representava algo muito mais amplo do que nos termos de hoje. A Igreja era a principal arma de propaganda da coroa. Bispos e padres atuavam como funcionários do Estado. Nessas circunstâncias, os conflitos sociais e a luta de classes se expressavam como conflitos religiosos. Precisamos descobrir o conteúdo social por trás dos argumentos teológicos. Em 1640, a hierarquia e a censura da Igreja entraram em colapso e seitas milenares radicais surgiram do subsolo.

A vitória do New Model Army, sob o comando de Thomas Fairfax e Oliver Cromwell, na Batalha de Naseby, de 14 de junho de 1645, marcou o ponto decisivo na Guerra Civil Inglesa

Puritanos

“Uma grande parte dos cavaleiros e senhores da Inglaterra … aderiram ao rei”, escreveu o puritano Baxter. “E a maioria dos inquilinos desses senhores, e também a maioria dos mais pobres do povo, que os outros chamam de ralé, seguiram a nobreza e eram para o rei. Ao lado do Parlamento estavam (além dele próprio) a parte menor (como alguns pensam) dos nobres na maioria dos condados, e a maior parte dos comerciantes e proprietários livres e o tipo intermediário de homens, especialmente naquelas corporações e condados que dependem de roupas e de tais manufaturas”.

Cromwell era desse “tipo intermediário” puritano. Ele disse sobre si mesmo: “Eu nasci um cavalheiro, sem viver nem em uma altura considerável, nem na obscuridade“. Ele entrou no Parlamento em 1626, representando Cambridge.

Durante os primeiros estágios da guerra civil, Cromwell reconheceu as táticas desastrosas adotadas pela liderança parlamentar, os grandes. O Parlamento tentou derrotar os cavaleiros por meios feudais tradicionais, chamando a milícia feudal. Eles queriam os senhores tradicionais, homens de nascimento, como generais do exército. Tais métodos quase fizeram o Parlamento perder a guerra civil. Um avanço monarquista em Londres em 1643 foi interrompido apenas pela resistência de três portos e dos cidadãos de Londres. Cromwell eliminou essas fraquezas aplicando métodos revolucionários. Isso mostrou o gênio e a clarividência de Cromwell. Uma guerra revolucionária requer métodos revolucionários. Nas áreas sob seu comando nos condados do leste, a promoção vinha por mérito, não por sangue e títulos familiares.

Prefiro ter um capitão simples, de pelagem avermelhada“, disse Cromwell, “que sabe pelo que luta e ama o que sabe, do que aquilo que você chama de ‘cavalheiro’ e nada mais“. Ele insistia que seus homens tivessem em si “a raiz da questão” e era tolerante com diferentes religiões. “Na verdade, acho que quem reza melhor, luta melhor“, declarou. “Preferia que o maometismo fosse permitido entre nós do que que um dos filhos de Deus fosse perseguido“.

Fervor revolucionário

Ele injetou um fervor revolucionário em suas tropas, o que lhes deu coragem e força para enfrentar o inimigo. 

Eu não vou confortá-lo com expressões confusas sobre minha missão de lutar pelo rei e pelo parlamento. Se o rei por acaso estivesse no corpo do inimigo, eu atiraria minha pistola nele e em qualquer homem particular; Se a consciência não permitir que você faça o mesmo, aconselho a não se alistarem sob mim“.

Dessa maneira, Cromwell estava construindo não apenas um exército, mas um partido da revolução. Nas palavras do historiador Macaulay: 

Mas tal era a inteligência, a gravidade, e o autocontrole dos guerreiros que Cromwell havia treinado que, em seu campo, uma organização política e uma organização religiosa poderiam existir sem destruir a organização militar. Os mesmos homens que, fora do dever, eram considerados demagogos e pregadores de campo, foram distinguidos pela firmeza, pelo espírito de ordem, e pela obediência rápida na vigília, no exercício e no campo de batalha. Mas somente neste campo a disciplina mais rígida foi encontrada na companhia do entusiasmo mais feroz. Suas tropas avançaram para a vitória com a precisão das máquinas, enquanto inflamavam com o fanatismo mais selvagem dos cruzados.

Cromwell desenvolveu um desprezo pelos lordes que bloquearam seus métodos de recrutamento. Ele desprezava os grandes que não queriam derrotar o rei com grande força. “Se vencermos o rei noventa e nove vezes, ele ainda é rei“, disse o conde de Manchester, general de Cromwell. “Meu senhor“, respondeu Cromwell, “se é assim, por que pegamos em armas em primeiro lugar?“.

Tropas de choque

Cromwell apelou para as ordens inferiores que foram inflamadas com zelo revolucionário como as verdadeiras tropas de choque da Revolução Inglesa. A grande burguesia estava mais aterrorizada que o rei com as ordens inferiores e estava desesperada para chegar a um acordo. Eles possuíam muitas propriedades e temiam perdê-las se as coisas fossem longe demais. A burguesia foi um freio para sua própria revolução. Esses presbiterianos representavam uma monarquia limitada, enquanto os independentes de Cromwell, a pequena burguesia revolucionária, representavam uma república. À medida que a guerra civil se desenrolava, o partido Independente ganhou maior apoio e tomou o lugar dos presbiterianos de liderança entre as massas pequeno-burguesas, que despertavam na cidade e no campo, e formaram a principal força motriz da revolução.

Presbiterianos

Enquanto os presbiterianos procuravam um acordo, Cromwell conseguiu impor sua autoridade revolucionária após sua grande vitória em Marston Moor, em 1644. “Agora é hora de falar ou calar-se para sempre“, disse ele ao Parlamento, exigindo uma reorganização democrática do exército como pré-condição para derrotar os monarquistas. A “Ordem de Abnegação”, de 1645, removeu efetivamente os comandantes presbiterianos aristocráticos e estabeleceu o New Model Army2, aberto a todos os talentos e financiado por um imposto nacional. O exército foi transformado. Como conseqüência, o New Model Army, sob Cromwell, impôs derrota após derrota aos monarquistas, que foram finalmente derrotados em Naseby em 1645.

Carlos foi preso pelos escoceses e vendido ao Parlamento. Os presbiterianos abriram negociações com Carlos na esperança de chegar a um acordo, apesar da derrota monarquista. Eles controlaram o Parlamento e aprovaram uma resolução para dissolver o exército sem a provisão adequada. Aqueles que se alistassem seriam enviados para a Irlanda. Isso causou a rebelião no exército conduzida pelos niveladores3 e pelos agitadores do New Model Army.

Niveladores

Os niveladores foram um movimento notável que exigiu o estabelecimento de direitos democráticos e uma república. Os agitadores foram eleitos representantes das fileiras do exército.

Cromwell, que desconfiava da posição política dos niveladores, foi forçado a colocar-se à frente deste movimento para contê-lo. O exército, sob a influência dos niveladores, marchou sobre Londres. A disciplina de Cromwell só foi restaurada no exército quando chegaram notícias de que o rei havia escapado.

Mais uma vez os presbiterianos queriam negociar com o rei, na esperança de isolar os mais radicais e o exército. Desta vez, com o apoio do exército, foi realizado um expurgo da Câmara dos Comuns, colocando o poder nas mãos da pequena burguesia revolucionária, os independentes. Mais uma vez Cromwell mostrou seu desprezo revolucionário pela autoridade. A execução de Carlos I logo se seguiu (“Eu digo que vamos cortar sua cabeça com a coroa nela“) e a República foi declarada.

Depois de se apoiar na ala esquerda para suprimir os monarquistas e conciliadores, Cromwell agora se apoiava sobre as classes proprietárias para realizar um expurgo da extrema-esquerda. A República se apoiava sobre uma base social muito estreita. Cromwell dissolveu o Parlamento Longo. “Você não é Parlamento nenhum… (apontando para o cetro) O que vamos fazer com esta bugiganga? Peguem, tirem daqui“. “Quando eles foram dissolvidos, não havia mais que o latido de um cão“. Ele foi declarado Lorde Protetor e a recém-formada ditadura revolucionária repousou sobre um homem sentado em baionetas, cercado por inimigos monarquistas em casa e no exterior. Ele não tinha alternativa senão eliminar todos os obstáculos à sua missão histórica.

Protetorado

Classes diferentes em condições diferentes e por objetivos diferentes são compelidas em situações específicas e, de fato, nos períodos mais aguçados e críticos da história a investir poder e autoridades extraordinários sobre seus líderes de modo a fazer avançarem de modo mais completo e preciso seus interesses fundamentais“, explicou Trotsky. O Protetorado de Cromwell foi um desses exemplos. “Em uma época Oliver Cromwell e em outra Robespierre expressaram as tendências historicamente progressistas do desenvolvimento da sociedade burguesa“.

Na época da morte de Cromwell, em 1658, a base social da revolução começou a se afrouxar. Isso preparou o caminho para a restauração em 1660. No entanto, a revolução tinha destruído a velha ordem. A monarquia constitucional não poderia fazer o relógio retroceder. A sociedade pré-Cromwell nunca poderia ser restabelecida por uma restauração. O que foi escrito pela espada da revolução não poderia ser apagado pela caneta restauracionista.

A tarefa histórica de Cromwell era infligir o golpe mais devastador contra a velha ordem feudal. Para realizar tal tarefa, ele se apoiou sobre as camadas mais revolucionárias da sociedade. Sob Cromwell, a revolução adquiriu toda a profundidade vital para esta conquista. Tal determinação, dedicação e coragem não devem apenas ser admirados, mas são atributos que precisam ser assimilados pela nova geração de hoje que deseja realizar a revolução socialista na Grã-Bretanha e internacionalmente.

Notas:

1 Artigo publicado originalmente em 3 de setembro de 2008.

2 Em português, Exército de Novo Tipo.

3 Os Niveladores (em inglês, Levellers) eram um importante movimento na Inglaterra durante o período da Guerra Civil (1642–1651) e da Comunidade (1649–1660). Eles surgiram entre os agitadores, homens de forte visão republicana.

TRADUÇÃO DE EVANDRO COLZANI.

PUBLICADO EM MARXIST.COM