Os vinte anos de reinado de Diocleciano significaram para Roma um período de estabilidade e paz praticamente desconhecida no conturbado século III. Parecia, inclusive, que o imperador, com a instauração da “tetrarquia” ou governo dos quatro (dois augustos e dois césares), encontrara um sistema que evitaria o regresso à anarquia militar da qual ele próprio se aproveitara para alcançar o trono. Mas não foi assim: a renúncia do imperador ao trono, em 305, mergulhou Roma numa nova guerra civil. E tudo porque o novo augusto do Oriente já não era Diocleciano, mas sim Galério, e porque Constantino e Maxêncio, os respectivos filhos do também augusto Constâncio Cloro e do augusto que abdicara, Maximiano, viram frustradas as suas expectativas de se tornarem césares.


Dos quartéis à corte

Constantino nasceu em Naissus (actual Niš, na Sérvia) numa data que se situará entre os anos 272 e 277. A sua infância decorreu entre quartéis e acampamentos militares, seguindo sempre o pai para onde quer que fosse que os imperadores que se sucediam no trono o enviassem para combater. Nessas viagens, acompanhava-o também a mãe, Helena, uma mulher de baixa condição, que mais provavelmente seria a concubina de Constâncio Cloro e não a sua legítima esposa.

moeda Constantino

Coexistência de Religiões. Constantino é representado ao lado da divindade do Sol Invicto (em segundo plano), invocado como companheiro do imperador, nesta moeda romana do ano 313 (Biblioteca Nacional, Paris).

A condição da família mudou radicalmente quando, em 293, cinco anos depois de ter sido nomeado prefeito do pretório da Gália pelo augusto Maximiano, Constâncio foi promovido a césar com a aprovação de Diocleciano. A Gália e a Bretanha foram o sector que lhe tocou administrar na distribuição de poderes que deu origem à tetrarquia. Constantino não acompanhou o pai neste novo destino. Diocleciano mandou-o chamar à sua capital no Oriente, Nicomédia, em cuja corte o jovem recebeu uma educação cuidada, de acordo com a sua nova condição de filho de um césar. Apesar desta mudança de rumo, não descuidou a formação militar. Como parte da sua instrução neste campo, em 297, acompanhou Diocleciano na sua campanha contra um usurpador, Domício Domiciano, que se proclamara augusto no Egipto. Em 305, com o fim da primeira tetrarquia, Constantino viu com decepção como o pai, elevado à condição de augusto do Ocidente, tinha de aceitar como césar uma pessoa da mais alta confiança de Galério, o sucessor de Diocleciano como augusto do Oriente e, como tal, autoridade máxima do império. Essa pessoa era Flávio Valério Severo. Constantino, além disso, não podia regressar com o seu pai, mas sim seguir Galério para a Nicomédia. A razão apresentada foi que o augusto não queria perder um oficial tão promissor como Constantino, se bem que toda a gente sabia qual era a verdadeira razão: Galério pretendia ter um refém que lhe garantisse a lealdade de Constâncio. Mas o jovem conseguiu fugir e chegar à Bretanha, onde teve ainda a oportunidade de acompanhar o pai na sua campanha contra os pictos e de lhe fechar os olhos no momento da sua morte em Iorque, no dia 25 de Julho de 306. Imediatamente depois, as tropas proclamaram-no augusto.


Uma vitória sob o sinal da cruz

Galério tentou evitar o confronto e decidiu elevar Severo a augusto do Ocidente e fazer de Constantino o césar. Mas a situação não tardou a complicar-se com a proclamação de Maxêncio como augusto em Itália, a morte de Severo e o surgimento em cena de Maximiano reclamando o seu antigo título de augusto. A fim de selar uma aliança com Constantino, Maximiano deu-lhe a sua filha Fausta como esposa.

fim da proibição do cristianismo

O fim das perseguições contra os cristãos.

Constantino, o primeiro imperador baptizado, deu liberdade de culto e legalizou a situação dos cristãos, mudando decisivamente a história de Roma. Um ano após a batalha da Ponte Mílvio (312), na qual, segundo a tradição cristã, a intervenção de Deus concedeu a vitória a Constantino, este e o seu companheiro no Oriente, Licínio, promulgaram o Edito de Milão. A religião cristã deixava, assim, de ser perseguida, o que se traduziu numa rápida expansão que afectou todas as camadas da sociedade romana. O império começou a tornar-se cristão, embora não sem conflitos, tanto entre os adeptos dessa religião e os que se apegavam aos cultos pagãos, como entre as diferentes correntes cristãs, que se confrontavam em questões doutrinárias. Constantino contribuiu para essa expansão, concedendo privilégios à Igreja, construindo templos e convocando o Concílio de Niceia, a primeira tentativa de estabelecer uma doutrina unificada. Tudo isto levou os historiadores desta confissão, como Eusébio de Cesareia e Lactâncio, a considerarem-no o primeiro imperador cristão, apesar de Constantino apenas ter sido baptizado no final da vida. A Igreja ortodoxa considera-o o “décimo terceiro apóstolo” e canonizou-o. Na imagem, Constantino é baptizado pelo papa Silvestre (Oratório de São Silvestre, Roma).

A guerra civil tornou-se inevitável, e não entre dois pretendentes ao trono, mas sim entre uma mão cheia deles, pois a Galério, Maxêncio, Maximiano e  Constantino somaram-se o césar Maximino Daia, que também decidiu proclamar-se augusto; Licínio, o augusto que Galério nomeara para substituir Severo, e ainda o vicário de África, Domício Alexandre. Uma série de alianças tão interessadas como pouco duradouras, doenças mortais, assassínios e batalhas foram esvaziando as hipóteses até que no Ocidente ficaram apenas dois contendores com possibilidades efectivas, Constantino e Maxêncio. Ambos se enfrentaram no dia 28 de Outubro de 312, na Ponte Mílvio, na realidade um pontão de navios sobre o rio Tibre, a norte de Roma, que Maxêncio construíra para atacar na margem oposta as tropas de Constantino com a que era a sua melhor arma, a cavalaria pesada. A batalha terminou com a vitória de Constantino, cujas forças, pela primeira vez na história de Roma, combateram sob o sinal cristão da cruz. Segundo a tradição, pouco antes de entrar em combate, o filho de Constâncio teve a visão daquela cruz no céu, ao mesmo tempo que ouviu uma voz que dizia: “In hoc signo vinces” (“com este sinal vencerás”). E assim foi.


Desde então, aquela cruz, encimada pelo monograma de Cristo rodeado por uma coroa de louros, tornou-se o lábaro, o símbolo do Império Romano Cristão. Maxêncio morreu afogado no Tibre no decurso da batalha e a sua cabeça, cortada e pregada numa lança, abriu a procissão triunfal com que Constantino fez a sua entrada em Roma. Depois de anos de luta, tornara-se o augusto indiscutível do sector ocidental do império. Do oriental era Licínio, com quem estabelecera uma aliança. Um ano depois, Licínio derrotou na batalha de Tzirallum o último dos pretendentes ao trono sobreviventes, Maximiano Daia. A guerra civil acabara com a divisão do império em duas metades e dois claros vencedores, que, num primeiro momento, decidiram manter a sua aliança e, inclusive, selá-la através do casamento de Licínio com a irmã de Constantino, Flavia Júlia Constância.

Em 313, Constantino reuniu-se com Licínio em Milão, onde acordaram a distribuição territorial do Império. Outro assunto ali discutido foi de natureza religiosa e que se traduziu no Edito de Milão. Nele se decretava a liberdade religiosa nos territórios imperiais, tanto ocidentais como orientais, bem como a restituição à Igreja de todas as propriedades e bens que lhe tinham sido confiscados durante as perseguições empreendidas pelos   anteriores   imperadores   romanos. O documento não estabelecia o cristianismo como religião oficial do império, mas ao legalizar a sua situação, permitiu uma expansão que ainda se viu mais acentuado pela simpatia e interesse de Constantino nesta fé.

Constantino I

A devoção de Constantino pela sua mãe Helena. Constantino adorava a sua mãe Helena, de quem o pai, Constâncio Cloro se separara em 293 para contrair novo matrimónio com Teodora, a enteada de Maximiano, e assim fortalecer a sua posição como imperador.

Este camafeu mostra parte da família do imperador, que aparece em segundo plano a contar da esquerda 2. Quando foi proclamado pelas suas tropas, Constantino mandou chamar a mãe, Helena 1, à corte. Paralelamente, esforçou-se para que a propaganda imperial insistisse na legitimidade do casamento entre Constâncio Cloro e Helena. Para o imperador não se tratava apenas de silenciar os rumores de que a mãe não fora mais do que uma concubina, de baixo estatuto social, mas também para consolidar a sua própria situação no trono perante os seus meios-irmãos, os filhos de Constâncio e Teodora. Seja como for, Helena regressou à vida pública e, segundo a tradição cristã, foi decisiva na conversão ao cristianismo do filho e do império. A sua influência, em todo o caso, foi maior do que a das esposas de Constantino. De Minervina pouco se sabe, embora lhe tenha dado o seu primeiro filho, Crispo 5. Em contrapartida, da segunda, Fausta 4, sabe-se que Constantino se casou com ela em 307 para garantir o apoio do seu pai Maximiano na luta pela coroa, e com a qual teve o seu filho Constant no II 3, que também seria imperador romano. Constantino mandou matá-la em 326.

Restabelece-se a unidade do império

Apesar do encontro de Milão, a diarquia constituída por Constantino e Licínio não era sólida. No entanto, e depois de algumas batalhas que não foram decisivas para nenhum dos lados, ambos os imperadores tentaram novamente aproximar as suas posições, cientes de que nenhum deles teria força suficiente para se impor ao outro. O resultado das suas conversações foi a Paz de Sérdica (actual Sófia, Bulgária), assinada em 317 e respeitada até 324, quando novamente se avivaram as hostilidades. Constantino derrotou então o seu rival nas batalhas de Adrianópolis e Crisópolis, e, embora Licínio tenha, num primeiro momento, conseguido fugir, acabou por ser preso na Nicomédia e exilado para Salónica. Um ano depois, e perante o receio de que conseguisse reunir os seus apoiantes para regressar à luta, foi executado por ordem de Constantino.

Constantino I

O sarcófago de Santa Helena. Cenas de carácter militar, nas quais os romanos subjugam os bárbaros, decoram este monumental sarcófago (Museus do Vaticano, Roma).

Não foi o único assassínio que ele ordenou: em 326, foi a vez do seu filho mais velho Crispo, fruto da sua primeira esposa Minervina; e também, em 326, a sua segunda esposa, Fausta. Embora as causas não sejam ainda claras, os historiadores bizantinos apontam para uma relação entre o filho e a sua madrasta, ou também para uma conspiração desta para se livrar do primogénito e deixar o caminho da sucessão livre para os seus próprios filhos.

Pela primeira vez em quarenta anos, o império voltou a ver-se unificado sob um único imperador. Constantino quis então que o seu reinado fosse recordado para sempre. E, para tal, ordenou a construção de uma nova capital, uma segunda Roma que não era já pagã, mas sim cristã. A mítica Tróia cantada por Homero (século VIII a.C.) nas epopeias Ilíada Odisseia foi inicialmente o local escolhido pelo imperador. No entanto, cedo foi descartada a favor de uma antiga colónia grega, Bizâncio, cuja localização no estreito de Bósforo era de especial interesse estratégico, tanto em termos da sua defesa contra um ataque, como pelo facto de se encontrar entre a Europa e a Ásia. Em 11 de Maio de 330 foi inaugurada e baptizada com o nome do seu fundador: Constantinopla, “A cidade de Constantino.”

Constantino I

Uma nova capital para um império no seu auge. 

A longa crise do século III d.C. implicou a transferência do centro de gravidade do império de um Ocidente empobrecido para um Oriente próspero. Era urgente construir uma nova capital que soubesse capitalizar o impulso económico dessa zona e a partir da qual respondesse também com prontidão aos desafios representados pelos conflitos fronteiriços do Danúbio e da Ásia.

O imperador Diocleciano já percebera a importância desses territórios orientais quando decidiu governar a partir de Nicomédia, na Anatólia. Como soberano de um império novamente reunificado, Constantino quis ir mais além e construir uma nova capital que imortalizasse o seu nome. Essa “segunda Roma” chegou a ser pensada para as ruínas de Tróia, um lugar com grande significado simbólico, uma vez que os romanos se reconheciam como descendentes de um troiano, Eneias, sobrevivente da destruição da cidade pelos gregos. Por fim, foi escolhida uma antiga colónia helénica, Bizâncio, cujo principal património era a sua localização estratégica no estreito de Bósforo, exactamente no ponto onde a Europa e a Ásia se encontram. As obras tiveram início em 324. Seis anos depois, em 10 de Maio de 330, o próprio Constantino presidiu aos ritos inaugurais da sua cidade, que recebeu o nome de Constantinopla. Foi a capital de um império, o Romano do Oriente, que sobreviveu ao seu homólogo do Ocidente por mais mil anos, até à sua queda em 1453 nas mãos dos turcos. Actualmente, tem o nome de Istambul. Na imagem, Constantino oferece a cidade à Virgem e ao Menino (Santa Sofia, Istambul).

O imperador empreendeu também uma ambiciosa reforma da administração, através da qual o império ficou dividido em quatro sectores que correspondiam aos dos tempos da tetrarquia instaurada por Diocleciano.

Da mesma forma, o imperador Constantino reformou o sistema monetário e reorganizou o exército com o objectivo de o tornar mais operacional perante as incursões dos povos bárbaros. Todas estas mudanças trouxeram uma nova estabilidade ao império.

A mudança mais importante foi o novo papel que o cristianismo adquiriu. Embora Constantino governasse como monarca absoluto, procurou consolidar ideologicamente o seu poder sobre a Igreja. Neste trabalho, contou com a ajuda de importantes figuras, como o bispo Eusébio de Nicomedia. O ritual, a simbologia, tudo o que rodeava a monarquia deveria enfatizar a sua origem divina. Uma consequência disto foi que a meritocracia desejada por Diocleciano como critério para escolher os herdeiros ao trono foi substituída pelos laços de sangue: a graça de Deus encontrava-se numa família e, portanto, o mais lógico seria que o sucessor do imperador fosse seu filho ou o seu parente mais próximo.

Os cristãos, no entanto, não eram uma unidade na época de Constantino, pelo contrário, encontravam-se divididos numa infinidade de correntes que diferiam umas das outras em questões de doutrina. Uma das mais importantes era a dos arianos, que, com base nos ensinamentos do bispo alexandrino Ário, negavam a divindade de Cristo e, portanto, a ideia da Trindade, ou seja, a concepção de Deus como Pai, Filho e Espírito Santo.

Constantinopla

O arco de Constantino. Este grande arco triunfal foi erigido junto ao Palatino romano, perto do Coliseu, para comemorar a vitória na batalha da Ponte Mílvio de um imperador que, tal como reza a inscrição principal, foi “inspirado pela divindade”.

Constantino, que seguramente nunca terá compreendido estas discussões, tentou levar os representantes dos diferentes grupos a  chegarem a um consenso mínimo. Para isso, convocou e presidiu o Concílio de Niceia, que, em  23  de Maio de 325, reuniu, naquela cidade da Ásia Menor, mais de duzentos bispos, sobretudo da parte oriental do império. Fruto das suas deliberações foi a condenação do arianismo como heresia e a aprovação de um credo que consensualizava uma primeira definição dos dogmas cristãos, incluindo o trinitário.

Paradoxalmente, tudo isto não significa que Constantino fosse cristão. Durante a sua infância cresceu na crença, difundida entre os militares ilírios, de um único deus, o Sol. Por outro lado, oficialmente, e visto que não recebera o baptismo, não poderia considerar-se um cristão. Apenas veio a ser baptizado no seu leito de morte: em Nicomédia, sentindo-se indisposto, pediu ao bispo Eusébio que o baptizasse. Pouco depois, em 22 de Maio de 337, morreu. Foi sepultado na Igreja dos Santos Apóstolos que mandara construir em Constantinopla.