Os Mutantes sofrem estranha mutação no álbum 'Zzyzx' | Blog do Mauro Ferreira | G1

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Por Mauro Ferreira

Jornalista carioca que escreve sobre música desde 1987, com passagens em 'O Globo' e 'Bizz'. Faz um guia para todas as tribos

Capa do álbum 'Zzyzx', da banda Os Mutantes — Foto: Reprodução

Resenha de álbum

Título: Zzyzx

Artista: Os Mutantes

Gravadora: Jardim Elétrico

Cotação: * * 1/2

Zzyzx – o 11º álbum de estúdio da banda Os Mutantes, lançado na última sexta-feira, 24 de janeiro – é óvni na discografia desse grupo que sobrevive do nome feito entre 1967 e 1972.

Nesses anos rebeldes, Arnaldo Baptista (teclados, baixo e voz), Rita Lee (voz) e Sérgio Dias (guitarra e voz) criaram identidade brasileira para o rock com doses bem articuladas de deboche e psicodelia.

Desde a saída (ou expulsão) de Rita em 1972 e da dissidência de Arnaldo em 1973, após a gravação do lisérgico álbum O A e o Z, a banda vem sofrendo diversas mutações, sempre com o guitarrista Sérgio Dias à frente. A do álbum Zzyzx é mais uma delas. Uma das mais estranhas.

A fase progressiva dos Mutantes nos anos 1970 é cultuada com fervor por seguidores do gênero, mas, a rigor, discos como Tudo foi feito pelo sol (1974) já nada tinham a ver com o som que deu fama e glória ao grupo. Tanto que a banda se dissolveu em 1978 até ser reagrupada pelo persistente Dias em 2006.

Terminado o revival de 2006, com Arnaldo e com Zélia Duncan no posto de vocalista (ocupação que silenciosamente diluiu a amizade e a parceria de Zélia com Rita Lee), Sérgio Dias vem mantendo os Mutantes em cena com foco no culto da banda em nichos do universo pop. De lá para cá, a banda apresentou três álbuns de estúdio.

Em Haih... or amortecedor (2009), o grupo esboçou simulacro do som da fase áurea dos Mutantes. Fool metal Jack (2013) flagrou Os Mutantes perdidos em rota confusa pavimentada entre o rock e o folk.

Lançado em escala planetária através da gravadora Jardim Elétrico, Zzyzx é alien nessa discografia porque o disco não se parece com nada feito anteriormente pela banda. Ao mesmo tempo, somente o nome Os Mutantes e a presença de Sérgio Dias conectam a rigor a banda de 2020 – formada pelo guitarrista-líder com Camilo Macedo (guitarra e vocal), Claudio Tchernev (bateria), Esméria Bulgari (vocais e percussão), Henrique Peters (teclados) e Vinícius Junqueira (baixo) – com o grupo que se integrou aos mentores da Tropicália para derrubar os muros que separavam a música brasileira entre 1967 e 1968.

Os Mutantes apresentam onze músicas inéditas no álbum 'Zzyxz', quase todo cantado em inglês — Foto: Divulgação

Com 11 músicas inéditas, sendo nove compostas e cantadas em inglês, o álbum Zzyzx traz no título o nome da estrada da Califórnia (EUA) que conduz à Área 51, local protegido por autoridades dos Estados Unidos por supostamente concentrar a existência de ETs.

No irregular repertório desse óvni fonográfico, Os Mutantes alinham múltiplas referências em sacrifício da unidade do disco. Fica difícil encontrar alguma conexão entre Candy – faixa com evocações dos grupos vocais da década de 1960 e do doo wop dos anos 1950 – e Beyond, a música que abre o disco com ecos do folk-rock da década de 1970.

Para quem é conquistado por solos de guitarra, a sombria Mutant's lonely night reitera o virtuosismo de Sérgio Dias. E por falar em técnica, há exuberância instrumental na faixa final – Void, pautada por toques de cítara e guitarra – e merece menção honrosa a marcação proeminente do baixo de Vinícius Junqueira em Gay matters, canção que parece perseguir o molde dos standards da era de ouro dos musicais norte-americanos.

Sempre buscando abrigo em algum lugar do passado, Os Mutantes simulam o som dos Beatles em Window mirrors, balada que sobressai em cancioneiro construído com frágil arquitetura melódica, como atestam We love you – música valorizada pela pegada roqueira – e Por que não, balada ruim cujo título reproduz o questionamento jovial de Alegria, alegria (Caetano Veloso, 1967) em letra que expressa revolta de forma pueril em versos como “Se eu tivesse uma bomba atômica, jogava em Brasília”.

Música cantada pela vocalista Esméria Bulgari, Tempo e espaço é a faixa que mais se aproxima do universo musical dos Mutantes nos anos 1960, mas sem o menor poder de sedução. Esméria também é a solista da música-título Zzyzx, ambientada em terreno country.

A balada-rock The last silver bird completa o repertório desconexo do álbum Zzyzx, disco indicado somente para seguidores radicais dos Mutantes. Até porque, por mais que o nome seja o mesmo, fica difícil identificar no grupo de 2020 a banda que, mesmo superestimada, fez história na música brasileira entre 1968 e 1972.

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