Um tribunal de segunda instância dos Estados Unidos aceitou na quarta-feira um pedido de recurso do Departamento de Justiça, permitindo que o órgão continue a usar em sua investigação documentos sigilosos apreendidos durante a operação de busca na casa do ex-presidente Donald Trump, em 8 de agosto. A decisão reverte o veredicto de uma instância inferior, que havia limitado significativamente o acesso dos investigadores aos materiais.
Foi o segundo revés em menos de 24 horas para o republicano, horas após a Procuradoria de Nova York anunciar a abertura de um processo civil contra Trump, três de seus filhos e sua empresa, a Organização Trump. As duas investigações não têm relação entre si, mas são dois dos vários problemas jurídicos que assombram o ex-presidente, que sinaliza planos de concorrer novamente à Presidência em 2024.
Em 29 páginas, um trio de juízes da Corte de Apelação do 11º Circuito reverteu partes da decisão tomada no dia 22 pela magistrada Aileen Cannon, do Distrito Sul da Flórida. O veredicto impedia o Departamento de Justiça de ter acesso a cerca de 100 documentos classificados como sigilosos até que um perito independente terminasse de avaliá-los.
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O bloqueio temporário, segundo o órgão, praticamente paralisaria não apenas a investigação do Departamento de Justiça, mas uma análise paralela do risco representado pela possível negligência no manuseio dos documentos. Trump é investigado por uma possível violação da Lei de Espionagem, que torna ilegal reter sem autorização informação de segurança nacional que poderia prejudicar os EUA ou auxiliar um adversário estrangeiro.
Os magistrados determinaram que os advogados do republicano não precisam ter acesso aos 100 documentos sigilosos confiscados na residência e resort de Mar-a-Lago. O acesso, disseram, também não precisa ser concedido ao perito independente indicado por Cannon a pedido da defesa de Trump.
O perito, conhecido como árbitro especial, ainda assim poderá continuar a analisar mais de 11 mil documentos confiscados para checar se há violações do sigilo entre advogado e cliente. Apura também se seriam protegidos pelo chamado privilégio executivo, benefício que juristas questionam ser ou não aplicável a ex-presidentes.
“O Departamento de Justiça (...) argumenta que a corte distrital provavelmente errou no exercício de sua jurisdição ao proibir os EUA de usarem os documentos sigilosos em sua investigação criminal e ao demandar que os EUA enviem os documentos classificados como sigilosos a um árbitro independente para revisão”, disseram os juízes. “Nós concordamos.”
O trio de magistrados é composto por Britt Grant e Andrew Brasher, ambos nomeados por Trump, tal qual Cannon, e Robin Rosenbaum, indicada pelo ex-presidente Barack Obama. Diferentemente do Brasil, nos EUA cabe ao presidente indicar juízes federais.
Sem autoridade
Indagados pelo New York Times, advogados do ex-presidente não responderam se têm ou não planos de apresentar um recurso a um tribunal de apelação superior ou à Suprema Corte. Em uma aparição na Fox News na noite de quinta, Trump voltou a insistir que os documentos apreendidos em Mar-a-Lago tiveram seu sigilo derrubado enquanto estava no Salão Oval, afirmando que presidentes podem fazer o procedimento “apenas pensando no assunto”:
— Não precisa nem ter um processo, pelo que eu entendo — disse ele ao apresentador Sean Hannity, chamando novamente a investigação de uma “caça às bruxas”. — Se você é presidente dos EUA, você pode desclassificar apenas dizendo que são desclassificados (...). Você é o presidente. Você toma a decisão.
Presidentes em exercício têm a autoridade para quebrar o sigilo de informações, mas habitualmente há um processo para fazê-lo que não envolve apenas a vontade presidencial. Os procedimentos são coordenados com agências e integrantes do Gabinete para evitar riscos à segurança nacional.
A decisão do tribunal de apelação da Flórida também rejeita as declarações de Trump e de sua defesa de que os documentos estavam desclassificados. Apesar de ser repetido com frequência ao público, a linha argumentativa está relativamente ausente da defesa do ex-presidente.
De acordo com Grant, Brasher e Rosenbaum, Trump “sugere que pode ter desclassificado esses documentos quando era presidente”, mas “os registros não mostram evidência de que qualquer um desses materiais foi desclassificado”:
“De qualquer jeito, ao menos para esses propósitos, o argumento da desclassificação é uma distração, porque desclassificar um documento oficial não mudaria seu conteúdo ou o tornaria pessoal”, escreveram.
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Outros processos
A decisão do tribunal veio apenas horas após a Procuradoria nova-iorquina processar Trump e seus filhos por fraude na Organização Trump. São, no entanto, apenas dois dos imbróglios que envolvem o ex-presidente.
A Procuradoria de Manhattan faz uma investigação similar sobre a Organização Trump, e o Departamento de Justiça investiga também o ataque ao Capitólio por turbas favoráveis ao ex-presidente, em 6 de janeiro de 2021. O trabalho é independente da investigação política conduzida por uma comissão da Câmara, cujas audiências públicas trouxeram à tona as informações mais detalhadas até aqui sobre o incidente.
No estado da Geórgia, um promotor investiga uma possível interferência eleitoral do ex-presidente e seus aliados. A unidade federativa foi um dos epicentros da cruzada judicial para tentar reverter o voto popular em 2020. Lá Trump e seus aliados pressionaram para que as autoridades eleitorais e o Legislativo local, controlado pelos republicanos, agissem a seu favor.