Crítica | IGOR - Tyler, The Creator

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Tyler Okonma. Uma memória muito lúcida que tenho é de ouvir algumas músicas pontuais suas. Claro que a estética e os visuais de tudo que saía da sua cabeça sempre foi algo fascinante, mas nunca consistente. A instrumentalização de seus álbuns sempre foi um aspecto que se destacou apesar de, vez que outra, mal mixados. Esse primeiro parágrafo serve mais como um agradecimento. Me apaixonei aos poucos pelo tipo de artista que você se tornou.

Quase dois anos depois de ‘‘Scum Fuck, Flower Boy’’, Tyler, The Creator nos entrega “IGOR”, onde fala espontaneamente sobre como é se apaixonar por alguém, começar uma relação com esse alguém, se entregar completamente a esse alguém, até se desapaixonar e esperar algum tipo de relação pós término. Mas antes de dissecar “IGOR” é importante salientar o fator que ‘‘Flower Boy’’ foi na vida do cantor.

Tyler, com seu último álbum, conseguiu a atenção não só de seus fãs, mas literalmente de todo o mundo. Aos que não ligavam muito pros trabalhos anteriores do Rapper, o LP foi algo a se admirar; para os não simpatizantes com os tópicos e a agressividade trazidas por ele em suas letras, uma surpresa; e para quem nunca tinha ouvido sobre, uma revelação. Logo, confortável dentro de seu próprio universo, Tyler conseguiu trazer a melhor versão de si em cada área artística que se envolveu. ‘‘Potato Salad’’ e ‘‘Okra’’ foram dois dos melhores singles do ano passado e a estética da ‘‘Golf LeFleur’’ se torna cada vez mais irresistível.

Tendo isso em vista, “IGOR”, o quinto álbum de Tyler, The Creator é uma revolução musical, ou a concretização dela iniciada no 4 álbum do artista. Aqui, sem nenhuma supervalorização, Tyler alcança o apogeu de seus talentos reforçando o fato dele ter produzido e composto todas as 12 faixas.

Como ele observou e suplicou sobre o seu álbum, “IGOR” não é ‘‘Bastard’’, ‘‘Globin’’, ‘‘Wolf’’, ‘‘Cherry Bomb’’ e tão pouco ‘‘Flower Boy’’. Não espere um álbum de Rap, ou melhor, escute não esperando nenhum padrão ou esteriótipo. Hoje, fica claro que Tyler rima quando quer, não porque precisa, e tão pouco precisa, porque quando rima é extremamente pontual e preciso no que quer dizer. E é exatamente salientando isso que percebemos a transição do Rapper para um dos artistas mais completos da nossa geração.

‘‘IGOR’S THEME’’ de cara já prende a atenção de quem quer que escute. A nossa única companhia durante os primeiros 30 segundos é um muro de sintetizador pesado, ao mesmo tempo fascinante e paralisador, até os vocais não creditados de Lil Uzi Vert se tornarem uma agradável companhia e quase serem usados como um instrumento. A viagem amorosa de Tyler não começa necessariamente em seu início. A primeira faixa é a antecipação do que está por vir. Chega a ser prepotente de uma forma tão encantadora ouvir logo no primeiro minuto do álbum, como se fosse diretamente pra nós, “Ridin’ round town, they com’ feel this one”. A bateria se juntando aos sintetizadores e aos vocais de Solange criam já uma atmosfera hipnotizante. Pronto. A partir de agora todos estão prontos para ouvir a história de amor de Tyler.

‘‘EARFQUAKE’’ e ‘‘I THINK’’ são onde a paixão floresce. A primeira conta com a melhor versão de Playboi Carti transmitindo toda inocência de se apaixonar em sua voz, ele quase parece indefeso ao rimar. A música chega em seu clímax quando Tyler e Charlie Wilson dividem o espaço da ponte, onde Tyler canta sem nenhuma preocupação, o que é um ótimo sinal. Ele, em “IGOR”, prefere muitas vezes expor seus sentimentos através de sua voz e alcances imperfeitos, o que torna tudo ainda mais palpável e charmoso. “I THINK”, usando a melodia de ‘‘Stronger’’ de Kanye e ‘‘Sexy Back’’ de Justin Timberlake é propositalmente redundante e conta com uma produção mais obscura do que é ouvido no restante do álbum. Aliás o flow de Tyler aqui se assemelha muito com o de West quando ele não está repetindo ‘‘How can I tell you?’’ e ‘‘I think I falling in love’’.

“EXACTLY WHAT YOU RUN FROM YOU END UP CHASING” serve como interlúdio para a reflexiva “RUNNING OUT OF TIME”, que usa e abusa dos seus sintetizadores da forma mais calma possível para se abrir e depois intensificá-los aumentando a angustia do processo que é fazer a pessoa se apaixonar reciprocamente por você, mas verdadeiramente pode ser visto como Tyler, que em boa parte da sua vida evitou falar sobre relacionamentos, hoje busca falar, com certa urgência, sobre isso em um disco que fala justamente sobre amor.

“IGOR” também tem espaço para os bangers de Tyler, como é o caso em “NEW MAGIC WAND” e “WHAT’S GOOD”, com destaque para a primeira. Musicalmente acontece tanta coisa aqui. O primeiro verso até o refrão da faixa é levado por uma batida carregada e densa que acompanha Tyler tentando convencer a pessoa por quem ele tem sentimentos, que no caso ainda tem a cabeça presa em uma relação anterior, a não deixá-lo. Durante a ponte, a transição de desespero pra psicopatia se fazem em cima de um sintetizador extremamente suave em contraste com Tyler ameaçando esse outro alguém de morte, e em poucos segundos toda essa mistura de sentimentos se torna pura raiva em um dos versos mais brutais da carreira dele. É a primeira vez em “IGOR” que o amor toma um formato sombrio e o retrato perfeito da loucura que anda de mãos dadas com a paixão.

Metafórica e criativa, “A BOY IS A GUN” é o ponto alto do álbum. É onde Tyler consegue impor seu flow ao mesmo tempo que cria uma atmosfera única e imersiva. Entre tiros, lasers, um lindo piano e uma narrativa que pode se encaixar tanto na sua vida quanto na história de ‘‘Call Me By Your Name’’ a faixa é sensacional. Já “PUPPET” é o ápice romântico de “IGOR”, com um tom confessional que transmite toda vulnerabilidade de estar absorvido dentro de seus sentimentos e conta com uma participação assustadoramente sincera de Kanye, mesmo que sua voz quase passe despercebida na primeira ouvida.

As 3 últimas faixas representam o final de todo relacionamento da forma mais empática possível. “GONE,GONE / THANK YOU” é chocantemente verdadeira, onde a produção mais vívida contrapõe letras extremamente cruas e tristes:

GONE,GONE:

At least I had it (Uh) instead of never
Or maybe I'm too dramatic
(Two, three, go)

Whether it's rain or shine, I know I'm fine for now
My love's gone, my love's gone

THANK YOU:

Thank you for the love, thank you for the joy
But I will never want to fall in love again
Thank you for the time, thank you for your mind, oh
But I don't ever want to fall in love again

“I DON’T LOVE YOU ANYMORE” é obscura e quase depressiva onde os graves quase engolem a afirmação que Tyler não ama mais aquela pessoa e aceitação se torna dúvida. É dramaticamente carregada e tragicamente engraçada quando enfrentamos um But this might just be better for us, you kn com a faixa acabando drasticamente.

Narrativamente falando, “ARE WE STILL FRIENDS” é um final perfeito. Pessoalmente falando é um dos meus desfechos favoritos de todos os tempos. O Sample de ‘‘Dream’’, de Al Green, proporciona a intensidade emocional certa para o final do álbum. Fora o fato de lirica e musicalmente ser linda é fácil achar o apelo comercial na música em um disco que não procura isso em nenhum momento. Seu refrão simples e genial proporciona talvez o único momento dentro da pessoalidade de “IGOR” em que o ouvinte pode berrar seus sentimentos juntos.

Tyler não criou só um álbum com 12 músicas. Tyler criou uma narrativa. Uma grande história que parece ser uma grande música divida em 12 fragmentos. Chega a ser até confuso e inexplicável como algo como o amor pode ser mostrado de uma maneira tão bem resumida e irresistível. “IGOR”, dentro de todas suas camadas, dentro de sua linda bagunça, é uma obra prima.

Are we still friends? (This can't end)
Are we still friends? (Need someone to say hi)
Are we, are we, are we, are we still friends?

10

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