Planta geral do complexo Gallaratese. Blocos A1, A2, B e C foram projetados pelo Studio Ayde (Carlo Aymonino & Alessandro De Rossi), e o Bloco D foi projeto de Aldo Rossi.
O Complexo Gallaratese ilustrado em "The language of post-modern architecture" (1977), de Charles Jencks, na segunda edição espanhola (reprodução). Na legenda, lê-se: "ALDO ROSSI. Bairro Gallaratese. Milão, 1969-1971. Uma extenso pórtico de pilastras repetido é coroado por janelas constantes até o infinito. Os corredores internos também são áridos funis de vazio. Uma vez que as formas são ‘vazias', muitos críticos têm assumido que estão acima de qualquer associação histórica; mas os sinais são sempre convencionais e os significados estão bem estabelecidos na Itália."
Citado por: 1
O projeto consiste de um complexo habitacional com cerca de 440 unidades, podendo atender a 2.400 moradores. Sua inten��o inicial era que o projeto abrigasse, al�m das habita��es, uma zona de com�rcio e servi�os, com um conjunto de lojas e escrit�rios, por�m poucos esfor�os foram criados para implantar estes usos, o que lhe restringe a ser quase exclusivamente residencial. Havia a previs�o de destina��o social das unidades habitacionais, mas a Prefeitura de Mil�o recuou nas negocia��es com a empresa propriet�ria e respons�vel pelo empreendimento, permanecendo vago at� uma ocupa��o popular em mar�o de 1974, que foi removida � for�a pela pol�cia. Apesar de algumas unidades terem sido vendidas a um custo mais baixo para inquilinos que estivessem morando de aluguel em habita��o popular, o complexo acaba tendo um car�ter mais privativo, sobretudo ap�s a decis�o por cerc�-lo. Os blocos s�o caracterizados por v�rios tipos de apartamentos: um quarto, 26 metros quadrados, apartamento pequeno de 80 metros quadrados, apartamento m�dio de 100 metros quadrados e apartamento grande de 150 metros quadrados. Dentro de cada torre � poss�vel encontrar diferentes tipologias: apartamentos duplex, com s�t�o, etc. A complementaridade dos blocos coordenados por Aymonino e o edif�cio singular de Rossi s�o uma grande marca do complexo, o que levou o historiador Manfredo Tafuri a referir-se a ele como "a complexidade de Aymonino e o sil�ncio de Rossi".
O complexo teve grande visibilidade junto � cr�tica especializada, foi publicado nas principais revistas italianas da �poca e teve destaque na XV Triennale de Mil�o, em 1973. O projeto foi apresentado em detalhes na edi��o n. 7 da revista italiana Lotus, ainda em 1970, acompanhado de textos cr�ticos de Aymonino e Rossi. � um dos marcos da arquitetura neorracionalista italiana, pela sua express�o de um repert�rio claramente moderno que incorpora certas qualidades espaciais do universo cl�ssico. Representa tamb�m um esfor�o simult�neo de investiga��o sobre a forma da cidade contempor�nea num momento de crise da arquitetura moderna, associada a certa aspira��o social.
ANDREOLA, Florencia. Complesso residenziale Monte Amiata, nel quartiere Gallaratese 2, Milano. 1967-74. In: BIRAGHI, Marco; FERLENGA, Alberto (Org.). Architettura del novecento - vol. III: opere, progetti, luoghi. L-Z. Turim: Einaudi, 2013. p. 471-476.
AYMONINO, Carlo. Progetto architettonico e formazione della città. Lotus, Milão, n. 7, p. 20-41, 1970.
MOLINARI, Luca. Matteotti Village and Gallaratese 2: design criticism of the Italian Welfare State. In: SWENARTON, Mark; AVERMAETE, Tom; VAN DEN HEUVEL, Dirk (Ed.). Architecture and the Welfare State. Londres; Nova York: Routledge, 2015. p. 259-275.
ROSSI, Aldo. Due progetti. Lotus, Milão, n. 7, p. 62-85, 1970.
�
Carlo Aymonino, 1970:
"Na organiza��o geral ignorou-se deliberadamente o ‘lugar', uma vez que n�o h� indica��es naturais (um terreno plano sem caracter�sticas relevantes - nem �rvores, nem cursos d'�gua) ou artificiais (a vizinhan�a � composta dos tradicionais blocos de 8 pavimentos ou torres de 12, dispostos em um desenho bastante casual); procurou-se, protanto, acentuar o ‘destaque' do complexo, recorrendo a uma forma geral que fosse a mais compacta e constru�da poss�vel e que, no limite, poderia resultar quase em um �nico edif�cio ou, melhor dizendo, numa �nica constru��o.
Consequentemente, as refer�ncias formais foram muito determinantes desde o in�cio, segundo duas linhas de desenvolvimento: a primeira recuperando pesquisas anteriores (o concurso para o Teatro Paganini, em Parma), com a ‘complica��o' do uso pretendido e os volumes nos pontos de sobreposi��o de elementos funcionais (o sal�o do teatro no caso de Parma, as lojas e alguns equipamentos comunit�rios propostos no caso de Gallaratese); e a segunda usando, como estrutura de base, elementos geom�tricos facilmente leg�veis (os dois tri�ngulos) para depois neg�-los parcialmente ou enriquec�-los nos pontos de ‘contraste' planim�trico e altim�trico (partes mais altas ou mais baixas da constru��o.)"
*
"Nell'impostazione si � deliberatamente ignorato il � luogo �, in quanto privo di suggerimenti naturali (un terreno piano senza caratteristiche rilevanti - n� alberi, n� corsi d'acqua) e artificiali (le scale limitrofe sono dei tradizionali parallelepipedi di 8 piani o delle torri di 12, disposti secondo un disegno notevolmente casuale); si � cercato pertanto di accentuare il � distacco � ricorrendo ad una forma generale il pi� possibile compatta e costruita, che al limite potesse risultare quasi un unico edificio, meglio un'unica costruzione.
l riferimenti formali sono stati conseguentemente molto determinanti sin dall'inizio, secondo due linee di sviluppo: la prima riprendendo ricerche precedenti (il concorso del Teatro Paganini in Parma) sulla � complicazione � delle destinazioni d'uso e dei volumi nei punti di sovrapposizione degli elementi funzionali (la sala del teatro nel caso di Parma, i negozi e le poche attrezzature collettive proponibili nel caso del Gallaratese); la seconda utilizzando come impianto di base elementi geometrici facilmente leggibili (i due triangoli) per negarli in parte o arricchirli nei punti di � contrasto � planimetrico e altimetrico (parti pi� alte o pi� basse della costruzione)."
AYMONINO, Carlo. Progetto architettonico e formazione della città. Lotus, Milão, n. 7, p. 20-41, 1970, tradução nossa.
"O projeto para o bairro Gallaratese foi conclu�do este ano; trata-se de uma ala aut�noma dentro do complexo que penetra, ou termina, na unidade residencial de Carlo Aymonino. Eu n�o falo de inser��o porque este termo na arquitetura � demasiado amb�guo; a colabora��o foi limitada �s quest�es gerais que uniram os dois projetos. Minha profunda admira��o pela arquitetura de Aymonino me libertou de todos os problemas de adequa��o; olhando para o plano geral, acredito que o resultado � positivo. A tipologia destes dois projectos - San Rocco e Mil�o - � diversa. Um complexo de quadras no primeiro projeto e um extenso bloco a ballatoio no segundo. As duas tipologias - ou formas tipol�gicas - representam duas refer�ncias fundamentais dos tipos construtivos da habita��o. Tomar essas formas tipol�gicas assim rigidamente significa reconhecer a preemin�ncia tipol�gica no discurso da habita��o, onde a redu��o formal dos tipos � bastante rigorosa. Acredito que este pode ser considerado o primeiro passo da projeta��o; uma proposta de um sistema de projeta��o." [p. 62]
*
"Il progetto per il quartiere Gallaratese � stato terminato quest'anno; si tratta di un corpo di fabbrica autonomo che penetra, o termina, nell'unit� residenziale di Carlo Aymonino. Non parlo di inserimento perch� questo termine in architettura � troppo equivoco; la collaborazione si � limitata alle questioni principali che univano i due progetti. La mia profonda ammirazione per l'architettura di Aymonino mi ha reso libero da ogni problema di adeguamento; credo, guardando la planimetria generale, che il risultato sia positivo. La tipologia di questi due progetti, San Rocco e Milano, � diversa. Un complesso di corti nel primo progetto e un corpo lungo a ballatoio nel secondo. Le due tipologie - o forme tipologiche - rappresentano due riferimenti fondamentali tra i tipi edilizi dell'abitazione. L'aver assunto queste forme tipologiche rigidamente significa il riconoscere la preminenza tipologica nel discorso dell'abitazione dove la riduzione formale dei tipi � ormai del tutto rigorosa. Credo che si possa considerare questo il primo avvio alla progettazione; una proposizione per un sistema di progettazione."
ROSSI, Aldo. Due progetti. Lotus, Milão, n. 7, p. 62-85, 1970, tradução nossa.
"[...] No bairro Gallaratese em Mil�o, ao expressionismo moderado de Carlo Aymonino, que articula seus blocos residenciais convergindo para o centro do teatro ao ar livre em um jogo complexo de ruas artificiais e articula��es [...], Rossi cria uma oposi��o com a precis�o sagrada de seu bloco geom�trico que paira acima da ideologia e de todas as propostas ut�picas de um ‘novo estilo de vida'.
O complexo projetado por Aymonino deseja ressaltar cada uma das solu��es, cada junta, cada artif�cio formal. Aymonino, ao que parece, quer falar a linguagem da sobreposi��o e da complexidade, na qual objetos singulares que s�o unidos violentamente insistem em expor seu papel individual dentro da ‘m�quina'. No entanto, e de modo bastante significativo, quando Aymonino atribui a Rossi o projeto de um dos blocos dentro deste bairro [...], deve ter sentido a necessidade de se confrontar com uma proposta radicalmente oposta � sua. E � aqui que encontramos, frente ao aglomerado de sinais de Aymonino, o signo absoluto de Rossi." [p. 45-46]
*
"[...] In the Gallaretese [sic] neighborhood in Milan, to the moderated expressionism of Carlo Aymonino, who articulates his residential blocks as they converge into the fulcrum of the open-air theater in a complex play of artificial streets and nodes [...], Rossi creates an opposition in the sacred precision of his geometric block which is held above ideology and above all utopian proposals for a ‘new lifestyle.'
The complex as designed by Aymonino wishes to underscore every resolution, every joint, every formal artifice. Aymonino apparently wants to speak the language of superimposition and complexity, within which single objects violently strung together insist upon displaying their individual role within the entire ‘machine.' Yet, and quite significantly, Aymonino, by assigning to Rossi the design for one of the blocks within this neighborhood [...], must have felt the need to confront himself with a proposal radically opposed to his own. And it is here that we find, facing the aggregation of Aymonino's signs, the absolute sign of Rossi."
TAFURI, Manfredo. L'architecture dans le boudoir: the language of criticism and the criticism of language. Oppositions, Nova York, n. 3, p. 37-62, mai. 1974, tradução nossa.
"O movimento por moradia em Mil�o est� tomando grandes dimens�es, est� crescendo com o envolvimento cada vez mais maci�o de fam�lias de trabalhadores que de hora em hora, �s dezenas, juntam-se �queles que h� algumas semanas tinham tomado posse dos blocos de apartamentos GESCAL em Baggio. Ontem � noite, das casas ocupadas de Baggi[o], partiu um grupo de fam�lias e seus agregados para o gueto oper�rio nas proximidades do Gallaratese e ocuparam uma enorme constru��o de propriedade da empresa imobili�ria Monte Amiata (por tr�s da qual se encontram as m�os do Vaticano e da Montedison)." [p. 1]
"J� nesta manh�, ap�s a primeira noite de ocupa��o, o edif�cio est� assumindo uma nova roupagem: bandeiras vermelhas nas janelas, com enormes escritos revestindo a fachada ‘Queremos um aluguel oper�rio, 10 por cento do sal�rio', ‘Luta dura, casa segura'." [p. 1]
*
"Il movimento per la casa a Milano sta acquistando dimensioni generali, sta crescendo con il coinvolgimento sempre pi� massiccio di famiglie operaie che di ora in ora, a decine, si aggiungono a quelle che da alcune settimane gi� hanno preso possesso dei palazzoni GESCAL di Baggio. Ieri sera, dalle case occupate di Baggi, una colonna di famiglie con masserizie � andata nel vicino ghetto operaio del Gallaratese ed ha occupato una immensa costruzione di propriet� della societ� immobiliare Monte Amiata (dietro cui si nascondono le mani del Vaticano e della Montedison)."
"Gi� da questa mattina, dopo la prima notte di occupazione, il palazzo sta assumendo una nuova veste: bandiere rosse alle finestre, scritte enormi rivestono la facciata � Vogliamo un affitto proletario, 10 per cento del salario �, � Lotta dura casa sicura �. [...]"
MILANO. Tremila proletari si prendano la casa. Lotta Continua - Giornale Quotidiano, Roma, ano III, n. 74, p. 1;4, 29 mar. 1974, tradução nossa. Disponível em: <fondazionerrideluca.com>. Acesso em: 5 jul. 2016.
"Em meu projeto para o conjunto residencial de Gallaratese, em Mil�o, existe uma rela��o anal�gica com certas obras de engenharia que se misturam livremente tanto com a tipologia do corredor como com uma impress�o que me deixou a arquitetura tradicional dos pr�dios milaneses, onde o corredor significa um estilo de vida impregnado de fatos cotidianos, de intimidade dom�stica e de rela��es pessoais diversificadas. Mas um outro aspecto desse projeto me foi revelado por Fabio Reinhart durante uma viagem que sempre faz�amos atrav�s do Passo de S�o Bernardino, no caminho de Zurique que passa pelo vale Ticino. Reinhart notou o elemento repetitivo presente no sistema de t�neis de lados abertos, ou seja, a exist�ncia de um padr�o inerente. Em outra ocasi�o, eu mesmo me lembrei de que me havia dado conta dessa estrutura particular - e n�o somente das formas - da galeria, ou passagem coberta, sem necessariamente ter tido a inten��o de dar-lhe express�o numa obra de arquitetura.
De igual maneira, organizei um �lbum de meus projetos que se compunha unicamente de coisas j� vistas em outros lugares: galerias, silos, casas velhas, f�bricas, casas de fazenda na regi�o campestre da Lombardia ou perto de Berlim, e muitas mais, algo entre a mem�ria e o invent�rio.
N�o creio que esses projetos me afastem da postura racionalista que sempre defendi; talvez hoje eu esteja vendo determinados problemas de modo mais abrangente. Em todo caso, estou cada vez mais convencido do que escrevi muitos anos atr�s na ‘Introdu��o a Boull�e': para estudar o irracional � preciso assumir de certa forma uma atitude racional como observador. Do contr�rio, a observa��o - e eventualmente a participa��o - d�o lugar � desordem." [p. 381]
ROSSI, Aldo. Uma arquitetura analógica. In: NESBITT, Kate (Org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica 1965-1995. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 379-384, grifo do autor.
"Aldo Rossi e os racionalistas italianos tentam com boa vontade continuar com os modelos cl�ssicos das cidades italianas, projetando edif�cios neutros que tenham um ‘grau zero' de associa��o hist�rica; no entanto, invariavelmente, sua obra remonta � arquitetura fascista dos anos trinta - apesar de muita nega��o. As insinua��es sem�nticas s�o mais uma vez desiguais e levam a significados muito opressivos, uma vez que a constru��o � simplista e mon�tona. Cr�ticos e apologistas s�rios destes arquitetos, como Manfredo Tafuri, acabam evitando o �bvio em sua necessidade de justificar esses edif�cios com interpreta��es elaboradas e esot�ricas." [p. 20]
*
"Aldo Rossi and the Italian Rationalists try very sympathetically to continue the classical patterns of Italian cities, designing neutral buildings which have a ‘zero degree' of historical association ; but their work invariably recalls the Fascist architecture of the thirties - despite countless disclaimers. The semantic overtones are again erratic, and focus on such oppressive meanings, because the building is oversimplified and monotonous. Serious critics and apologists for them, such as Manfredo Tafuri, find themselves evading the obvious in their attempt to justify such buildings with elaborate, esoteric interpretation."
JENCKS, Charles. The language of post-modern architecture. Nova York: Rizzoli, 1977, tradução nossa.
"[...] Ciente da tend�ncia da racionalidade interessada em absorver e deturpar qualquer gesto cultural significativo, Rossi estruturou sua obra a partir de elementos arquitet�nicos hist�ricos que podiam evocar e inclusive transcender os paradigmas racionais (quando n�o arbitr�rios) do Iluminismo: a forma pura postulada na segunda metade do s�culo XVIII por Piranesi, Ledoux, Boull�e e Lequeu. O aspecto mais enigm�tico, para n�o dizermos herm�tico, desse pensamento, reside em sua preocupa��o impl�cita com o Panopticon (cf. Surveiller et punir [Vigiar e punir] de Michel Foucault, 1975), sob cuja rubrica ele certamente incluiria - de acordo com os Contrastes de Pugin, de 1843 - a escola, o hospital e a pris�o. Rossi parece ter retornado obsessivamente a essas institui��es normatizadoras, quase punitivas, que para ele, ao lado do monumento e do cemit�rio, constituem o �nico programa capaz de encarnar os valores da arquitetura per se. Segundo a tese apresentada pela primeira vez por Loos em seu ensaio Architektur, de 1910, Rossi admitiu que, em sua maioria, os programas modernos s�o ve�culos inadequados para a arquitetura, e, para ele, isto vinha significando recorrer � chamada arquitetura anal�gica, cujos referenciais e elementos devem ser abstra�dos do vern�culo no sentido mais amplo poss�vel. Com esse objetivo, seu bloco de apartamentos Gallaratese, projetado como parte do conjunto habitacional que Carlo Aymonino construiu nos arredores de Mil�o em 1973, foi uma oportunidade de evocar a arquitetura da tradicional casa de c�modos milanesa. Da mesma maneira, sua C�mara Municipal para Trieste, projetada em forma de uma penitenci�ria em 1973, era tanto uma homenagem � tradi��o da constru��o local no s�culo XIX quanto um coment�rio sarc�stico sobre a natureza b�sica da burocracia moderna. [...]" [p. 357-358]
FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2003, grifos do autor.
"Parece-me agora que estes projectos e constru��es se formam nas fases e nas idades da vida; a casa dos mortos e a da inf�ncia, o teatro ou a casa da representa��o. Mas todos estes n�o s�o temas ou, pior ainda, fun��es, mas sim as formas por que se manifesta a vida e, portanto, a morte.
Poderei ainda falar de outros projectos a que apenas acenei, a projectos como o San Rocco e a unidade residencial no Bairro Gallaratese em Mil�o. O primeiro � de 1966, o segundo de 1969-1970.
Do primeiro apenas referi a instala��o da ret�cula romana e o sucessivo desalinhamento desta, como uma fissura num espelho resultante de um acidente.
Do segundo referi a simplicidade, no sentido de um rigor de engenharia; e a sua dimens�o.
Mas ao falar da vida do homem deverei aclarar, ainda melhor, os aspectos que da vida de participa��o c�vica, desde a adolesc�ncia, me impressionaram - com um olhar arqueol�gico e antropol�gico.
Referi-me aos p�tios de Sevilha, aos cortili de Mil�o, ao pr�prio p�tio do Hotel Sirena. E ainda �s varandas, �s galerias, aos corredores como impress�o liter�ria e aut�ntica de conventos, escolas, casernas.
Em suma, estas formas da habita��o - juntamente com a da villa - depositaram-se na hist�ria do homem ao ponto de pertencerem tanto � arquitectura como � antropologia; � dif�cil pensar noutras formas, noutras representa��es geom�tricas, precisamente porque delas n�o temos a solu��o." [p. 110-111]
ROSSI, Aldo. Autobiografia científica. Lisboa: Edições 70, 2013, grifos do autor.
"O fascismo assombra a colunata do projecto Gallaratese, mas � apenas um dos fantasmas. Todos os arquitectos cl�ssicos, de Le Corbusier a Ledoux e a lctinos, escondem-se por entre os pilares. Toda a It�lia est� ali em grandeza p�blica, em pobreza privada e em indom�vel postura ret�rica. Um americano n�o pode deixar de adivinhar a presen�a de Louis Kahn. O seu majestoso desenho da sala hip�stila em Karnak - onde as colunas n�o s�o estruturalmente musculadas nem esculturalmente afirmativas mas est�o simplesmente ali, na sua enormidade, modelando a luz, ocupando o espa�o - parece quase a prototipiza��o daquelas colossais colunas de Rossi. Estas s�o t�o grandes por rela��o com a sua modesta carga que parece n�o existir compress�o estrutural sobre elas, permanecendo seres puramente visuais, apari��es que avan�am passo a passo por entre os pilares-l�minas. Em qualquer caso, a colunata do Gallaratese � o derradeiro espa�o do sonho. Julgada por crit�rios funcionalistas do criticismo moderno pode ser vista como fora de escala e gratuita, mas deve ser vista literalmente, de facto, a outra luz, que � a das ‘fun��es imprevis�veis' de Rossi. E a�, ainda que relegada para os confins da consci�ncia, as suas formas marcham atrav�s dos corredores do sono, povoando os sonhos. Faremos justi�a a Freud se notarmos que, tamb�m aqui, poder� mesmo existir um elemento sexual, uma vez que a forma longa e tensa da estrutura de Rossi � claramente lida como um corpo que se perfila em direc��o ao edif�cio castanho, exuberante, e em forma de L, de Aymonino. Qualquer que seja a raz�o, e s�o seguramente muitas, algo de profundo se toca, nalguma necessidade da alma por espa�o e grandeza, gl�ria, amor e rela��o, algum desejo generoso n�o verbalizado mas aqui representado pictoricamente." [p. 134-135]
SCULLY, Vincent. Pós-escrito: ideologia na forma. In: ROSSI, Aldo. Autobiografia científica. Lisboa: Edições 70, 2013. p. 129-138.
"risco Quais s�o os projetos que admira de Rossi ou quais s�o os projetos que expressam de forma mais evidente o seu pensamento?
DV Bom, trata-se de prefer�ncias pessoais na realidade. Posso dizer quais s�o os projetos de Rossi que amo mais ou sobre os quais mais fundei minha forma��o e que mais me influenciaram no plano pessoal. Entretanto, eu acredito tamb�m os primeiros projetos, isto �, aqueles que t�m ainda um fundamento purista. Um projeto bel�ssimo � aquele do Monumento � Resist�ncia de Cuneo, mesmo que seja um projeto que o mundo de Rossi superar�. Parece-me um projeto, sendo um grande cubo escavado de maneira muito densa e com grande capacidade figurativa, um projeto ainda muito belo e muito denso. E depois para referir-me ainda ao Rossi em certo sentido racionalista ou purista, eu acredito que poderia falar da Stecca do Gallaratese, a unidade de habita��o do Gallaratese, cuja for�a est� tamb�m na contraposi��o � arquitetura de Aymonino, mas que est� dentro de uma linha da arquitetura milanesa: aquela linha que recolhe a tradi��o da casa pobre, da casa popular, combina-a com a pesquisa racionalista sobre a casa l�gica, da casa constru�da com exatid�o, e produz obras de grande efic�cia e de grande for�a figurativa. Eu creio que a casa de Rossi venha da casa de Pollini no bairro Harar, da casa de Giancarlo de Carlo em Sesto San Giovanni, da casa de Lingeri no QT 8, isto �, tem uma s�rie de precedentes racionalistas atr�s de si, dos quais parte e coloca de novo em rela��o com a casa popular, da qual aqueles projetos racionalistas haviam se afastado �s vezes por excesso de purismo. Mas depois eu acredito que um dos mais belos projetos de Rossi permane�a sendo aquele do Cemit�rio de Modena. [...]" [p. 217]
VITALE, Daniele; LANCHA, Joubert José; BUZZAR, Miguel Antônio. Aldo Rossi, cidade e projeto. [Entrevista com Daniele Vitale]. risco, São Carlos, v. 5, p. 210-219, 2007. Disponível em: <www.revistas.usp.br>. Acesso em: 18 abr. 2016.
"A obra de Aldo Rossi apresenta marco contempor�neo nos estudos te�ricos de tipo que resultaram em projetos relacionados com a cidade, como o Conjunto Habitacional Gallatarese, constru�do de 1969 a 1973, em Mil�o. Para Rossi, o momento criativo � individual e se d� atrav�s de um modo peculiar de interpreta��o e de educa��o. Pensa a arquitetura no contexto e nos limites de uma grande diversidade de associa��es, correspond�ncias e analogias (...) pensa em objetos familiares cuja forma e posi��o j� s�o fixas, mas cujos significados podem ser modificados, como objetos arquet�picos cujo apelo emocional desvenda preocupa��es eternas. Esses objetos situam-se entre o invent�rio e a mem�ria.
Para o Conjunto Habitacional Gallaratese [...], parte de um complexo habitacional projetado por Carlo Aymonimo, Rossi prop�e uma organiza��o espacial apoiada no conceito de ‘galeria', restituindo o tradicional habitat rural da Lombardia [...]. Utiliza o mecanismo tipol�gico para an�lise e desenvolvimento [...], referenciando-se no modelo de rua interior contempor�neo de Le Corbusier."
PERDIGÃO, Ana Kláudia de Almeida Viana. Considerações sobre o tipo e seu uso em projetos de arquitetura. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 114.05, nov. 2009, grifo da autora. Disponível em: <www.vitruvius.com.br>. Acesso em: 18 abr. 2016.
"Se [Giancarlo] De Carlo foi respons�vel por desenvolver a ideia de uma participa��o mais ampla no processo de projeto na It�lia, buscando uma arquitetura como o resultado de um di�logo democr�tico com a classe trabalhadora, o complexo habitacional Gallaratese 2 em Mil�o, projetado por Carlo Aymonino e Aldo Rossi no mesmo per�odo, representou uma abordagem de design oposta, em busca da autonomia da arquitetura enquanto um monumento contempor�neo pl�stico e ideol�gico, que poderia ‘salvar' �reas perif�ricas da It�lia." [p. 269]
"Assim como o Villaggio Matteotti em Terni, Gallaratese 2 n�o se cumpriu como um modelo alternativo social e urbano. Uma vez conclu�do, em 1972, a empresa Monte Amiata tentou vend�-lo para a Prefeitura de Mil�o; depois, em 1974, decidiu vender as unidades a um pre�o reduzido para permitir que trabalhadores de baixa renda pudessem se tornar propriet�rios. No mesmo ano, grupos de estudantes e oper�rios ocuparam os edif�cios at� serem removidos � for�a pela pol�cia. A maioria dos usos comerciais e p�blicos previstos para algumas das unidades n�o se realizou e, depois de alguns anos, os propriet�rios decidiram cercar o complexo habitacional, contrariando a ideia do Gallaratese 2 como um fragmento ativo de uma cidade nova e emergente." [p. 271-274]
*
"If [Giancarlo] De Carlo was responsible for developing the idea of broader participation in the design process in Italy, looking to generate architecture as the outcome of a democratic dialogue with the working class, the Gallaratese 2 housing complex in Milan designed by Carlo Aymonino and Aldo Rossi in the same period represented an opposing design approach, looking for the autonomy of architecture as a plastic, ideological, contemporary monument which could ‘save' Italy's peripheral areas." [p. 269]
"As with the Matteotti Village in Terni, Gallaratese 2 failed as a social and urban alternative model. Once completed in 1972, Monte Amiata tried to sell it off to the municipality of Milan, and then in 1974 decided to sell the dwellings at a reduced price to enable lower income earners to become home owners. In the same year, groups of students and workers occupied the buildings until they were forcibly removed by the police. Most of the commercial and public uses envisaged for some of the units failed, and after a few years, home owners decided to gate the housing complex, thwarting the idea of Gallaratese 2 as an active fragment of a new, emerging city."
MOLINARI, Luca. Matteotti Village and Gallaratese 2: design criticism of the Italian Welfare State. In: SWENARTON, Mark; AVERMAETE, Tom; DEN HEUVEL, Dirk (Ed.). Architecture and the Welfare State. Londres; Nova York: Routledge, 2015. p. 259-275, tradução nossa.