O compositor Burt Bacharach, um dos maiores da História da música americana, morreu na última quarta-feira (8), de causas naturais, aos 94 anos. Segundo notícia divulgada pela agente dele, Tina Brausam, nesta quinta (9), o músico estava em casa, em Los Angeles.
Relembre as celebridades que morreram em 2023
Foi por incentivo de uma mãe afeiçoada às artes, a pintora e compositora amadora Irma, que Burt Bacharach se iniciou na música, aos 12 anos, tendo aulas de violoncelo, bateria e piano. De família judia — o pai, Bert, era escritor e colunista de jornal —, ele queria mesmo era ser jogador de futebol, mas acabou enxergando na música uma oportunidade de ser popular na escola.
Bacharach nasceu em Kansas City, no Missouri, mas cresceu em Nova York. Aos 15 anos, com uma identidade falsa, já vivia a efervescência dos clubes de jazz da cidade, onde curtia apresentações de nomes como Dizzy Gillespie, Charlie Parker e Count Basie, que influenciariam sua obra mais tarde. Antes de iniciar a trajetória profissional, recém-formado em composição musical na McGill University, em Montreal, e na Mannes School of Music, de Nova York, Bacharach serviu ao exército por dois anos, atuando mais como músico, de fato, do que como soldado, animando bailes oficiais.
Uma vez dispensado, aos 24 anos, passou a tocar na noite com diversos artistas, como Polly Bergen, Joel Grey, Georgia Gibbs e Steve Lawrence, além da atriz e cantora Paula Stewart, com quem foi casado de 1953 a 1958 — ela foi sua primeira mulher. Também fez parte da banda do crooner Vic Damone. Mas o trabalho não vingou porque Damone o demitiria três semanas depois de ser contratado, sob a alegação de que Bacharach tinha o costume de sorrir para garotas na plateia.
Com Dietrich no Copa
Como maestro, pianista e arranjador, Burt Bacharach também acompanhou a lendária atriz e cantora alemã naturalizada americana Marlene Dietrich. Em sua biografia, a diva descreveu o músico como alguém “atencioso e terno, galante e corajoso, extremamente delicado e amoroso”. Em setembro de 1959, durante uma turnê mundial, Dietrich se apresentou num abarrotado Copacabana Palace, no Rio, onde os registros dão conta de 700 ingressos vendidos num espaço onde cabiam 400. Contam que, ao final da apresentação, ela teria tascado um beijo no músico, frequentemente apontado como seu affair.
Foi com o letrista Hal David (1921-2012) que Burt Bacharach alcançou o sucesso comercial como compositor. Eles se conheceram ainda nos anos 1950 no mítico Brill Bulding, em Nova York, que abrigava escritórios da indústria da música, um lugar onde vários compositores trabalhavam incessantemente para emplacar suas canções. Os primeiros hits da dupla foram “Magic moments”, que estourou na voz do cantor Perry Como, alcançando a 15ª posição das paradas em 1957; e “The story of my life”, gravada por Marty Robbins, que figurou em oitavo lugar entre as mais ouvidas do ano seguinte. Juntos, eles fizeram centenas de músicas.
Em 1961, num ensaio com a banda The Drifters, para a qual trabalhava como arranjador, Bacharach se encantou com a voz de uma das cantoras escaladas entre as backing vocals. Era Dionne Warwick, com quem também teria uma frutífera parceria — foi ela a artista que mais gravou suas músicas, entre elas “That’s what friends are for”, “I’ll never fall in love again” e “Walk on by”.
No Twitter, Warwick fez um post emocionado lamentando a perda do amigo e parceiro:
"É como perder um membro da família. (...) No lado mais leve, rimos muito e tivemos nossos desentendimentos, mas sempre encontramos uma maneira de deixar um ao outro saber que nossa família, como raízes, era a parte mais importante de nosso relacionamento. Minhas sinceras condolências vão para sua família", escreveu a cantora, que também postou uma foto ao lado de Bacharach.
Além de Warwick, que colocou 15 singles seus no Top 40 entre 1962 e 1968, estrelas como Aretha Franklin, Elvis Presley, Frank Sinatra, Dusty Springfield, Carpenters, Sergio Mendes, Tom Jones e mesmo os Beatles foram alguns dos muitos artistas — estima-se que tenham sido mais de mil — que gravaram canções de Burt Bacharach. Ele era tido como um compositor versátil, de melodias sofisticadas embora acessíveis, desenhadas muitas vezes em compassos não usuais para o mercado pop.
Em 2013, quando esteve no Brasil para um show no Vivo Rio, disse em entrevista ao GLOBO: “Não sei dizer se criei realmente um estilo. Mas tenho minhas pequenas joias, que exibo em público com muito prazer. É o que vou fazer em mais essa ida ao Brasil, um país cuja música admiro profundamente.”
A partir da metade dos anos 1960, por influência da segunda mulher, a estrela de cinema Angie Dickinson, Bacharach mergulhou em trilhas sonoras para o cinema. Conquistou três estatuetas no Oscar: melhor trilha sonora e melhor canção original com “Arthur, o milionário sedutor” (1982); e melhor trilha sonora com “Butch Cassidy” (1970). O compositor também venceu oito vezes o Grammy.
Bacharach viveu um dos períodos mais difíceis da vida quando, em 2007, sua filha Lea Nikki Bacharach, fruto de seu casamento com Dickinson, se matou aos 40 anos. Ela tinha síndrome de Asperger, o que lhe causou transtornos emocionais ao longo da vida. O músico se casou mais duas vezes: com a compositora Carole Bayer Sager, em 1982, e com a instrutora de esqui Jane Hansen, em 1993.
Ao GLOBO, o cantor e compositor Marcos Valle, um dos grandes admiradores de Burt Bacharach no Brasil, falou sobre a influência do americano em seu trabalho:
— Me vem a lembrança de toda a influência que ele teve na música brasileira, na música mundial... e na minha música — diz. — Burt Bacharach surgiu com um estilo mágico, totalmente pessoal, fazendo um elo entre a música clássica e popular americana e pop, ele fez exatamente essa transição, com uma classe incrível. Ele usava uns compassos quebrados que soavam maravilhosamente bem.