Único comandante vivo da ALN diz que virou ‘excelente guerrilheiro’ aos 22 anos - Jornal O Globo
Política 50 anos do golpe

Único comandante vivo da ALN diz que virou ‘excelente guerrilheiro’ aos 22 anos

Carlos Eugênio Paz foi um dos opositores do regime mais procurados pelos militares

Ex-guerrilheiro Carlos Eugênio Paz em palestra na 2ª Bienal do Livro e da Leitura em Brasília, na noite da última sexta-feira
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Evandro Éboli
Ex-guerrilheiro Carlos Eugênio Paz em palestra na 2ª Bienal do Livro e da Leitura em Brasília, na noite da última sexta-feira Foto: / Evandro Éboli

BRASÍLIA. Carlos Eugênio Paz foi um dos expoentes da luta armada contra a ditadura no país. Ele conheceu Carlos Marighella, fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN), quando tinha 15 anos e, aos 17, já era dirigente dessa organização. Carlos Eugênio adotou o nome fictício de Clemente nos anos de chumbo, uma referência ao jogador de futebol Ari Clemente, um antigo lateral esquerdo do Corinthians e do Bangu. Na ação armada, participou de episódios cruciais da ALN. Ele foi um dos executores, deu o tiro de misericórdia, nas suas palavras, no empresário dinamarquês Henning Albert Boilesen, do Grupo Ultra, assassinado numa emboscada em 15 de abril de 1971, em São Paulo. Boilesen apoiou a ditadura, contribuiu financeiramente com a Operação Bandeirante (Oban) e foi apontado por diversos presos políticos como um visitante dos presídios, onde acompanhou sessões de tortura aplicadas nos inimigos do regime.

Poucos dias antes, em 23 de março daquele ano, Clemente foi um dos artífices de uma polêmica ação da ALN: o justiçamento do estudante Márcio de Leite Toledo, também da organização, mas que não inspirava mais confiança dos colegas. Ele não só participou do Tribunal Revolucionário da ALN que decidiu pela execução de Toledo, como também foi um dos que dispararam contra ele, numa rua dos Jardins, em São Paulo. Além de muitas outras ações contra militares, entre os quais um cerco ao então II Comandante do Exército, general Humberto de Souza Melo. Mas Clemente, ou Eugênio, não se arrepende de nenhum de seus atos. Na 2ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura, em Brasília, na noite da última sexta-feira, Eugênio falou de sua militância armada, critica a esquerda que deixou o país e afirma que virou um excelente guerrilheiro aos 22 anos.

— Não me arrependo. Tenho profundo orgulho do que fiz. E faria de novo, tentando ser mais competente. Lutei pelo meu país — disse Carlos Eugênio Paz, no seminário "Narrativas guerrilheiras: a luta armada contra a ditadura vista por dentro", mediado pela jornalista Tereza Cruvinel.

Eugênio começou sua fala citando as violações do passado. Sua primeira frase foi:

— Como é bom falar de tudo que vou falar aqui e chegar lá fora e não ser metralhado, preso, torturado, morto ou desaparecido.

O ex-comandante da ALN não sabe como está vivo para contar suas histórias e andanças. Ele participou intensamente das ações da ALN no período que durou a atuação armada da organização de 1967 a 1973.

— Sou muito cagão (no sentido de sortudo). Conheci Marighella aos 15, aos 17 estava na organização, vivi tudo que vivi e estou vivo hoje aqui contando isso. E estou vivo porque não me entregaram. Virei um excelente guerrilheiro. E tinha 22 anos.

Até sua mãe, Maria da Conceição Coelho Paz, que chegou a ser treinada em Cuba e colaborou com a ALN no serviço de enfermaria, foi presa e torturada para dizer onde o filho estava. Mas não disse. Eugênio não chegou a ser preso. Escapou dos cercos e dos tiros.

— Eu era o mais procurado.

Contra sua vontade, e por decisão da organização, ele deixou o país e foi para o exílio. Viveu oito anos na França Ele não foi beneficiado com a Lei de Anistia. Teve que ingressar com uma ação para ter o direito ao retorno. Eugênio se diz decepcionado com lideranças e esquerdistas que deixaram o país no início do golpe e não enfrentaram os militares.

— A direita entrou em campo e a esquerda perdeu por W.O. Muita gente da esquerda fugiu. Escafederam. Não se cobra essa dívida. Me decepcionaram. Ainda bem que não fiz isso — contou Eugênio na sua palestra, citando Leonel Brizola e João Goulart entre os que os decepcionou — Tinha uma pessoa da esquerda que andava com uma maletinha de cadeia, com quatro ou cinco cuecas, pasta de dente e tal. Dizia que a próxima vez que fosse preso já estava com alguns pertences em mãos. Eu dizia para ele: como isso? O senhor quer mudar o mundo e se prepara para ser preso?!

Ele falou também dos militantes de esquerda que se opuseram à luta armada como saída para enfrentar os militares.

— Nossa luta foi massacrada e renegada ao esquecimento. A esquerda participou de um acordo para nos renegar. Dizia (os esquerdistas) que são seis malucos que pegaram em armas. Mas sei que se eles (militares) se levantarem novamente de novo uns seis ou mais vão pegar em armas de novo.

Eugênio falou sobre a revisão da Lei de Anistia. Ele defende punição para os militares e criticou a declaração de um dos integrantes da Comissão Nacional da Verdade - o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias - de que se tiver que apurar crimes que se apure dos dois lados.

— A Dilma Rousseff disse dias desses que aceita acordos (ao se referir a Lei da Anistia, de 1979). Mas não houve acordo. Não me chamaram para esse acordo. Quem estava no exílio não foi ouvido. Falam em ouvir os dois lados. Eu volto para a clandestinidade. Como julgar os dois lados. Já fomos condenados, presos, estuprados, torturados. Aliás, quem está na clandestinidade é a Comissão da Verdade, que não mostra o que está fazendo. A Dilma deveria usar a TV para mostrar o que essa comissão está produzindo.