O filme “Barbie”, que se tornou um hit cinematográfico por contar a história da boneca da Mattel, prometeu, desde suas peças de divulgação, trazer um elenco diversificado para viver as tantas versões de Barbie na tela. Uma das surpresas do longa-metragem de Greta Gerwig é a escalação de Hari Nef, uma atriz e modelo trans, para viver a Barbie Médica. Hari tem longa carreira na televisão, moda e publicidade – e, aos 31 anos, foi pioneira e abriu portas nesses espaços para outras pessoas trans.
“A ideia de que eu poderia simplesmente mudar e transformar a Barbie, criar alguém com a ponta dos meus dedos, a magia disso, e acho que talvez a privacidade disso foi realmente interessante para mim no momento [que trabalhou no filme]. Senti que através da Barbie eu poderia explorar todos os tipos de pessoas e coisas para fazer", afirmou Hari Nef em entrevista à Out, no início de julho, sobre o que a atraiu ao projeto de Gerwig.
A atriz ainda definiu a experiência de estrelar no filme como "a oportunidade mais absurda, única na vida, emocionante e orgásmica" de sua vida. O motivo para isso também está nos looks que sua personagem usou o filme, o que a fez se inspirar muito na estética de drag queens. “Disse a eles diretamente: 'Eu quero o salto mais alto sempre. Eu quero a cintura cada vez menor. Eu quero o maior cabelo de cada vez. Eu quero colocar coisas grandes no meu cabelo'.”
A presença de Hari Nef no elenco de "Barbie" também a colocou no meio do alvo de conservadores da extrema-direita, tornando-se um dos diversos motivos que mobilizaram grupos a tentar boicotar o filme por "violar os direitos da família". Nef, no entanto, rebateu as críticas ao afirmar que sua identidade de gênero não deveria sequer se tornar centro de debates. "Barbies são Barbies, elas não são mulheres humanas. São bonecas. Elas não tem genitais", diz à Out.
“David Heyman, o produtor executivo [do filme], me disse que, quando viu minha fita, não sabia que eu era trans. Ele apenas sabia que eu entendia o que eles queriam. Provavelmente é positivo para a Mattel me incluir nisso porque estamos tentando mostrar todos os tipos diferentes de Barbies, mas não foi por isso que consegui o papel. Consegui o papel porque me encaixo no papel. Para ser honesta, eu não pareço muito diferente no filme das Barbies que eu tinha quando era criança.”
Quem é a atriz e modelo Hari Nef
Nascida na Filadélfia, nos Estados Unidos, em 1992, Hari Nef vem de uma família judia. Ela é formada em Teatro pela Universidade de Columbia, uma das mais conceituadas de seu país. No mesmo ano em que se formou, em 2015, ela estourou como modelo internacional. Aos 24 anos, tornou-se a primeira modelo trans a desfilar pela Gucci, durante a Semana da Moda de Milão, e a primeira pessoa trans a assinar com a agência IMG, que cuida de nomes como Gisele Bündchen e Gigi Hadid.
No mesmo ano, ela conseguiu seu primeiro papel de destaque na televisão como Glitter, em “Transparent”, da Amazon – papel que rendeu a ela sua primeira indicação ao SAG Awards, em 2016, e aclamação da crítica e público. A personagem é uma mulher trans que vive em Berlim, na República de Weimar, quando o sexólogo Magnus Hirschfeld cunhou o termo “transexual”.
Em 2017, ela substituiu a brasileira Valentina Sampaio como garota-propaganda mundial da L’Oréal Paris. Sua grande estreia como rosto da marca foi em uma campanha de bases, que foi veiculada no mundo inteiro.
No cinema, atuou em papéis pequenos desde 2013, mas se destacou em 2018 no filme “País da Violência”, de Sam Levinson, diretor que criou séries como “Euphoria” e “The Idol”. Também está no elenco dos filmes “Mapplethorpe” (2018), “Simchas and Sorrows” (2022) e “Mais Uma Vida” (2022).
Além de “Transparent”, na televisão participou de séries conceituadas, como “You”, “And Just Like That…” e “Maravilhosa Sra. Maisel”. Em 2023, retomou a parceria com Sam Levinson para “The Idol”. No Brasil, a dublagem de sua personagem, Talia, foi feita por um homem cisgênero, o que foi recebido pelo público com críticas e apontado como transfobia.
Hari Nef ainda se tornou uma importante ativista dos direitos LGBTQIAPN+, em especial para pessoas trans, no mundo. Seu espaço de destaque na indústria do entretenimento a fez ter mais vontade de se posicionar pela comunidade a qual pertence – o que faz muito, além de seus papéis, nas redes sociais.
Ela conta, por exemplo, que havia sido rejeitada por três outras agências antes de ser aceita pela agência IMG. “Sou franca. Não sou passiva quanto à injustiça que vejo, Eu poderia escrever um tweet chamando a atenção da mídia para uma marca que cancelou o trabalho com uma modelo após descobrir seu gênero. Poderia dedurar pessoas da indústria da moda que me disseram coisas grosseiras. Poderia criar um segundo de mudança radical positiva. Mas, eventualmente, essa caça às bruxas poderia comprometer o meu papel”, afirmou.