França: Quem é Didier Deschamps, o 'Dunga francês' que igualou feitos de Zagallo e Beckenbauer nesta Copa do Mundo - ESPN
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França: Quem é Didier Deschamps, o 'Dunga francês' que igualou feitos de Zagallo e Beckenbauer nesta Copa do Mundo

É inevitável comparar o francês Didier Deschamps com Dunga.

Afinal, o hoje treinador da seleção da França, que superou a Croácia por 4 a 2 e se sagrou campeã do mundo, tem diversas semelhanças com o brasileiro. Ambos foram volantes de marcação, mas conhecidos também pelo bom passe. Os dois foram capitães de suas seleções em conquistas da Copa do Mundo e Eurocopa/Copa América. E a dupla também é conhecida por não ser muito chegada em um sorriso, preferindo a sisudez, principalmente com a imprensa.

O "Dunga francês", porém, se reinventou durante a Euro-2016 e a Copa-2018, e acabou conquistando seu país.

Deschamps, 49 anos, teve uma carreira extremamente vitoriosa como jogador. Conquistou dois Franceses e uma Uefa Champions League com o Olympique de Marselha no início dos anos 90, transformando a equipe celeste no único time francês até hoje a faturar o troféu continental.

Na Juventus, foi alçado à condição de lenda. Entre muitos outros títulos, ganhou três Italianos, um Mundial de Clubes e chegou três vezes seguidas à final da Champions, sendo o responsável por erguer a taça em 1995/96. Teve ainda boas passagens por Chelsea (campeão da FA Cup) e Valencia, no qual pendurou as chuteiras.

Pela seleção, foi titular e capitão dos Bleus nas vitórias sobre o Brasil, na final da Copa-1998, e sobre a Itália, na decisão da Euro-2000, imortalizando-se nas fotos com o troféu nas mãos. Ele forma, ao lado do alemão Franz Beckenbauer e do espanhol Iker Casillas, parte de um seleto clube: a de capitães que levantaram as taças da Champions, da Copa do Mundo e da Eurocopa.

Após se aposentar, em 2001, assumiu o Monaco em seu primeiro trabalho como treinador. Ficou quatro anos no Principado, ganhando a Copa da Liga em 2003 e levando o time de maneira surpreendente à final da Liga dos Campeões em 2003/04, eliminando Real Madrid e Chelsea pelo caminho. Na final, porém, foi presa fácil para o Porto de José Mourinho.

Depois, teve passagem por uma temporada como técnico da Juventus, que se reestruturava após ser rebaixada pelo escândalo de apostas Calciopoli, e levou a "Velha Senhora" de volta à elite, conquistando o título da Serie B de 2006/07.

Em seguida, retornou ao Olympique de Marselha, sua "casa" desde jovem. Com o clube, seguiu sua rotina de títulos: campeão do Francês e tricampeão da Copa da Liga, restabelecendo o time como uma das forças do futebol local. Era inevitável que viesse o convite da seleção da França, como de fato chegou em julho de 2012, após Laurent Blanc deixar a equipe para assumir o então "novo rico" Paris Saint-Germain.

Seu começo, porém, foi muito ruim, e ele ficou à beira da demissão. Após campanha irregular nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2014, teve que disputar o playoff contra a Ucrânia para vir ao Brasil. Na ida, fora de casa, perdeu por 2 a 0. Parecia liquidado. Passou uma semana ouvindo críticas de todos os lados. E se armou em cima disso para virar o jogo.

Na volta, no Stade de France, os Bleus tiveram uma atuação do melhor nível. Contra uma Ucrânia que ficou oito jogos seguidos sem levar gol e sustentava uma invencibilidade de 12 jogos, a França de Deschamps atropelou por 3 a 0 no famoso alçapão e se classificou para a Copa-2014 - o que lhe valeu uma renovação de contrato até a Eurocopa 2016. Depois do jogo, Didier soltou cobras e lagartos contra a imprensa.

Assim como Dunga, sua relação com os jornalistas nunca foi das melhores. Durante o Mundial do Brasil, teve diversos "arranca-rabo" com a mídia francesa, principalmente depois da eliminação para a rival Alemanha, nas quartas de final, no Maracanã.

Ele chegou à Euro sob desconfiança, com seu time tendo vencido diversos amistosos contra seleções médias, mas tendo sido derrotados por adversários de nível maior, como Brasil, Inglaterra e Bélgica na reta de preparação para o torneio continental. Também sofreu com uma chuva de críticas por não ter convocado os atacantes Benzema e Ben Arfa, e foi até acusado de ser racista pelo ex-jogador Eric Cantona - também foi satirizado pelo jornal Charlie Hebdo.

Na estreia, contra a Romênia, escalou justamente o time que todos queriam, com o meio-campo formado por Kanté, Matuidi e Pogba e o trio de ataque com Payet, Griezmann e Giroud. Ganhou suado, por 2 a 1, e foi mais criticado do que elogiado pelo triunfo. Foi então que resolveu reagir e tomar as rédeas da situação.

A partir desse momento, ele mudaria a França e a levaria à final da Euro. Sem jogar de forma brilhante, nem perto do nível que se imagina com um elenco estrelado como o atual dos Bleus, mas, ainda assim, atuando de forma eficiente e vencedora

Primeiro, mudou o ataque: descansou Griezmann, estafado pela temporada no Atlético de Madri, contra Albânia e Suíça, na fase de grupos, e ganhou um "novo jogador" a partir das oitavas de final: resultado: o camisa 7 deslanchou e terminou como artilheiro da Euro, com seis gols, tendo inclusive marcado os dois da vitória sobre a Alemanha, na complicada semifinal.

Deschamps também mudou o meio-campo. Os especialistas queriam Kanté, vindo de temporada maravilhosa e campeão inglês com o Leicester. O treinador, porém, preferiu Sissoko, vindo de temporada horrível e rebaixado com o Newcastle na Premier League. Mais um acerto. Depois disso, o futebol de Matuidi e Pogba floresceu aos poucos, e os Bleus se arrumaram ao longo da Euro.

O técnico também mexeu na zaga. Começou o torneio com o veterano Rami fazendo parceria com Koscielny. Nas oitavas, porém, Rami levou o segundo cartão e ficou suspenso. Didier resolveu apostar no jovem Umtiti para o jogo contra a Islândia, e viu o defensor, então recém-negociado com o Barcelona, sair criticado por ter permitido dois gols.

Mas Deschamps viu algo que os outros não viram, e resolveu bancar Umtiti contra a Alemanha. A imprensa francesa temeu por um desastre, mas foi justamente o contrário: o atleta nascido em Camarões fez uma partidaça, segurando bem a pressão dos alemães e mostrando muita tranquilidade na saída de bola. Outro acerto.

Ao mesmo tempo, o ídolo do Olympique e da Juventus resolveu mudar (um pouco) sua postura carrancuda. Passou a ser mais afável no contato com os jornalistas, sorrindo, fazendo piadas e deixando transparecer suas emoções. O ápice disso aconteceu na coletiva pré-final da Euro, quando deu um show e arrancou risos de todos ao comparar o abdômen do craque português Cristiano Ronaldo com uma "barra de chocolates".

Deschamps acabaria sendo derrotado pelos lusos na final europeia em pleno Stade de France, mas saiu daquele torneio fortalecido e com contrato renovado para a Copa do Mundo 2018, na Rússia, dali a dois anos.

Decisão que se provou mais que acertada: o ex-volante conduziu a seleção francesa sem problemas pelas eliminatórias e agora está na final do Mundial. Pode não ter sido com futebol brilhante, mas a eficiência está lá para todos verem.

Assim como Dunga, o francês sempre se manteve firme em uma de suas convicções: o patriotismo. Para jogar com ele, o atleta tem que ter orgulho em representar as cores da França, como ele mesmo fez, com muito sucesso, durante sua carreira.

"Tive meu sucesso como jogador, e hoje, como treinador, tenho muito orgulho de meus jogadores. Vestir a camisa da França foi o melhor que me ocorreu na minha carreira profissional, e não pode ser diferente para eles. Os jogadores sabem o que eles representam para o país e a importância que eles têm quando vestem as cores de nossa bandeira", afirmou o dono de 103 partidas com a camisa tricolor.

Neste domingo, Didier Deschamps entrou, mais uma vez, para a história da França. Com a vitória na Copa do Mundo, se tornou apenas o 3º a conquistar a competição como treinador e jogador, ao lado dos lendários Zagallo (1958 e 1962 como atleta e 1970 como técnico) e Franz Beckenbauer (1974 como jogador e 1990 como treinador).