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3332 pages, Paperback
First published May 6, 1854
“Existe também uma nação no mundo [ a Inglaterra] que tem como objeto direto de sua constituição a liberdade política. Vamos examinar os princípios sobre os quais ela se fundamenta. Se forem bons, a liberdade aparecerá como num espelho.”
“Um dos instrumentos de poder mais ancestrais e mais solidamente estabelecidos era a Câmara Estrelada, que possuía autoridade discricionária ilimitada para multar. aprisionar e infligir punição física, e cuja jurisdição se estendia a toda sorte de ofensa, desrespeito e desordem que não estivesse prevista na lei comum. Essa corte era formada pelos juízes e membros do conselho real, fora do exercício de suas funções. Nas ocasiões em que o próprio príncipe se fazia presente, era o único juiz, cabendo aos demais aconselhar. Em qualquer governo, essa corte teria sido suficiente para pôr fim a todo e qualquer plano regular, legal e detalhado de liberdade. Quem ousaria opor-se à Coroa e ao ministério? Ou quem arrogaria para si o caráter de patrono da liberdade, sob uma jurisdição arbitrária como essa? Eu me pergunto se alguma das atuais monarquias absolutas europeias contém um tribunal despótico e ilegal como esse.”
“Mas o que efe fivamente mantinha o povo na escravidão, mais do que esses ramos de prerrogativa, eram os princípios então vigentes, que atribuíam ao príncipe poder ilimitado e incontestável, que se supunha estar na origem de todo o Direito e não poderia ser circunscrito por quem quer Que fosse. As homilias publicadas para uso do clero, lidas aos domingos nas igrejas, inculcavam por toda parte uma obediência ao príncipe passiva, cega e irrestrita, e tal que, de modo algum e sob nenhum pretexto, poderia ser legalmente infringida ou violada pelos súditos. Muito foi dito acerca do fato de se ter concedido aos capelães da corte, em reinados posteriores, o direito de pregar doutrinas como essa, mas há grande diferença entre esses sermões e os discursos publicados por autoridades, permitidos pelo príncipe e pelo conselho e promulgados à nação como um todo. Esses princípios foram de tal maneira absorvidos pelo povo, durante os reinados de Elisabete e dos que a precederam, que a oposição a eles era considerada flagrante sedição, e sequer recebia a chancela do elogio e aprovação pública, único suporte para os que se veem frente aos perigos e dificuldades que ameaçam a resistência à autoridade tirânica.”
“Mas a oposição à Igreja e as perseguições promovidas por ela foram suficientes para que os puritanos se inscrevessem no partido da pátria e fomentassem princípios políticos pouco favoráveis às pretensões do soberano. O espírito de entusiasmo - robusto, ousado, incontrolável - predispunha sua mente a adotar preceitos republicanos, e inclinava-os a se arrogar, em suas ações e conduta, a mesma liberdade que tinham em seus voos de rapto e êxtase. Desde o surgimento dessa seita, e durante os reinados de Elisabete e de Jaime, os princípios puritanos foram compreendidos em duplo sentido, como expressando opiniões favoráveis à liberdade política e à liberdade eclesiástica. Na tentativa de lançar no descrédito toda e qualquer oposição parlamentar, a corte afixou a denominação de puritanos aos seus antagonistas, ideia que não tardou a ser adotada pelos puritanos religiosos, por lhes ser vantajosa e confundir sua causa com a dos patriotas, ou membros do partido da pátria.”
“Mesmo no curso ordinário da administração, suas rendas escassas e sua falta de frugalidade começaram a torná-lo dependente do povo. Este, por sua vez, percebeu que a situação em que se encontrava era vantajosa, e tornou-se sensível em relação ao inestimável valor da liberdade civil. O rei não tinha dignidade suficiente para ser respeitado, e por ter boa índole não era temido. Um novo espírito revelava-se a cada dia no Parlamento, e um partido vigilante em relação à constituição formou-se na Casa dos Comuns.”
“Parece que essa era uma prática aceita para chanceleres. Bacon, que adotava essa perigosa conduta, alegou que, como juiz, preservara a integridade da justiça e emitira sentenças contra as mesmas pessoas de que recebera pagamentos ilícitos. As queixas tornaram-se ainda mais ruidosas por causa desse argumento, até que por fim chegaram à Casa dos Comuns, que submeteu aos Lordes um pedido de destituição do chanceler Bacon, que conhecia a sua culpa, fez pouco do anseio de justiça dos Comuns, e tentou, com algumas manobras, evitar o constrangimento de uma investigação mais detalhada.
Os Lordes, porém, insistiram para que confessasse todos os seus atos de corrupção. Reconheceu 28 artigos de culpa. Foi sentenciado a pagar multa de 40 mil libras e a ser encarcerado na torre de Londres pelo tempo que o rei julgasse necessário; doravante, não poderia mais ocupar qualquer cargo, posto ou emprego na administração pública, era privado de assento no Parlamento e estava proibido de frequentar a corte.”
“seu próprio parlamento, e nomearam avar guerra contra seu próprio parlamento, e nomearam uma Corte de Justiça para julgar Carlos por essa traição recém inventada. O voto foi submetido aos Pares.
Durante as guerras civis, os Lordes tiveram um papel menor; após a queda do rei, tornaram-se irrelevantes, e pouquíssimos de seus membros ainda se submetiam à mortificação de comparecer às sessões. Mas aconteceu de, no dia em que esse voto lhes foi encaminhado, a Casa estar mais cheia do que de costume; dezesseis membros se encontravam reunidos. Sem nenhuma voz dissidente, e praticamente sem deliberação, prontamente rejeitaram o voto da câmara inferior e retiraram-se por dez dias, antes de se pronunciar, contando que esse atraso pudesse deter a furiosa disparada dos Comuns.
Estes, porém, não se deixaram abater por um obstáculo tão insignificante. Tendo estabelecido o princípio de que o povo é a origem de todo poder justo, em si mesmo nobre, porém capcioso, e universalmente desmentido pela história e pela experiência, declararam em seguida que os Comuns da Inglaterra, reunidos no Parlamento, escolhidos pelo Povo e representando-o, são a autoridade suprema da nação, e tudo o que seja por eles proposto e declarado como lei tem força de lei, mesmo que não tenha o consentimento do rei ou dos Pares.
“A trágica morte de Carlos colocou a questão de saber se em algum caso o povo estaria intitulado a julgar e punir seu soberano, e a maioria dos homens, levando em conta sobretudo a atroz usurpação dos pretensos juízes e o mérito do virtuoso príncipe que dela fora vítima, inclinava-se a condenar o princípio republicano como se-dicioso e extravagante no mais alto grau. Mas, abstraídas as circunstâncias particulares do caso, os poucos dentre eles que eram capazes de considerar a questão em geral se inclinavam mais a moderar do que a contrariar o sen cimento predominante no Parlamento. Talvez pensassem Assim. Se alguma vez se tornou louvável esconder a ver. dade do populacho, deve-se confessar que a doutrina da resistência é um bom exemplo disso, e a todos os homens de razão especulativa cumpre observar, em relação a esse princípio, o mesmo cauteloso silêncio que as leis, em todo espécie de governo, prescrevem a si mesmas. O governo é instituído para conter a fúria e a injustiça do povo, começa sempre fundado na opinião, e não na força, e essas especulações podem enfraquecer a reverência da multidão pela autoridade, inculcando de antemão a noção de que, em certas situações, o dever de lealdade admite exceção.
Mas, se for impossível proibir tais disquisições, deve-se ao menos reconhecer que a doutrina da obediência é a única que deve ser inculcada, e as raras exceções não devem nunca ou quase nunca ser mencionadas em raciocínios ou discursos de caráter popular. Com essa prudente reserva, não há risco de que os homens venham a regredir a um estado de servidão abjeta. Quando realmente houver ex-ceção, mesmo que inesperada ou inaudita, ela deve, por natureza própria, ser tão óbvia e inquestionável que não deixe margem a dúvida e sobrepuje a restrição, por maior que seja, imposta pelo ensinamento da doutrina geral da obediência, Entre resistir a um príncipe e destronado portimia diferença e grande, e os abusos de poder que autorizam esta última violência são maiores e mais alamicosos do que os que justificam a primeira. A história no entanto fornece exemplos de destronamento e a realidade de uma suposição nesse sentido, embora deva de considerada com muitas restrições no futuro, há que ser reconhecida por todos os investigadores imparciais como parte do passado. Entre depor um príncipe e puni-lo há igualmente grande diferença, e não admira que mesmo homens de pensamento mais alargado se perguntem se a natureza humana jamais poderia, num monarca, chegar a um grau de depravação que autorizasse seus súditos revoltosos a executar um ato de jurisdição tão extraordinário. Essa ilusão, se é que se trata mesmo disso, nos ensina a considerar como sagrada a pessoa do príncipe, e é tão salutar, que dissipá-la por meio do julgamento formal do soberano e de sua execução produziria efeitos muito perniciosos sobre o povo que superariam em muito a suposta influência benéfica que o exemplo de justiça teria sobre os príncipes ao interromper a sua carreira de tirania.
Esses exemplos acarretam igualmente o perigo de levar Os príncipes ao desespero ou então conduzir a situação a extremos tais, contra pessoas muito poderosas, que só resta a elas recorrer às medidas mais sanguinárias e violentas.”