Crítica | Gran Torino (Clint Eastwood, 2008) - Plano Crítico
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Crítica | Gran Torino (2008)

por Rodrigo Pereira
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Como o Homem Sem Medo na Trilogia dos Dólares (Sergio Leone) e Harry Callahan em Perseguidor Implacável (Don Siegel), para não prolongar demais, Clint Eastwood se consolidou como um dos rostos mais conhecidos de Hollywood. Entretanto, não foi apenas na frente das câmeras, através do western spaghetti ou de personagens durões e carrancudos (apesar disso ser boa parcela de sua contribuição para a arte), que Eastwood trilhou sua carreira. O quase nonagenário ator também aventurou-se como diretor e realizou obras que foram, de uma forma geral, bem recebidas por público e crítica (Sobre Meninos e Lobos, Sully: O Herói do Rio Hudson, Cartas de Iwo Jima, Sniper Americano e Os Imperdoáveis são alguns exemplos). Quanto a Gran Torino, um de seus trabalhos da safra madura em que atua e dirige simultaneamente, o resultado não foge muito disso e é bastante satisfatório.

O filme acompanha a vida de Walt Kowalski (Clint Eastwood), um trabalhador aposentado e veterano da Guerra da Coreia que passa seus dias realizando pequenos reparos domésticos e bebendo cerveja. Viúvo, mal-humorado e com uma relação totalmente conturbada com seus filhos, Kowalski acaba se aproximando do jovem asiático Thao (Bee Vang) após esse envolver-se com uma gangue local e ser obrigado a roubar o carro do velho ranzinza. Apesar de seu desprezo contra asiáticos, negros e latinos, Kowalski aos poucos adquire apreço pelo jovem e sua irmã Sue (Ahney Her), percebendo que tem muito mais em comum com a família deles do que com a sua própria.

Sinto-me na obrigação, porém, de comentar sobre o lado pessoal do astro antes de seguir abordando exclusivamente a obra, especialmente suas opiniões políticas, pois um dos maiores méritos do longa vem justamente de como algumas dessas questões e visões são postas em cena.

Clint Eastwood é, sabidamente, um homem de princípios conservadores. Sempre ao lado do Partido Republicano, declarou apoio ao magnata Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016. Por que essas constatações tornam-se necessárias? Porque a forma como o diretor coloca sua visão conservadora acerca de temas como imigrantes vindo para seu país pode causar uma aversão e repulsa inicial em quem possui uma visão mais progressista (como este que vos escreve), mas que devido a maneira como a trama é conduzida nos convida a refletir sobre nossas opiniões e até questionar algumas certezas.

Não é incomum de se ver uma pessoa conservadora, principalmente em discussões políticas, ser considerada como alguém carregado de preconceitos e atrasos, quase como uma personificação do mal e de tudo que há de ruim. O que Eastwood faz, no entanto, é mostrar como Kowalski, uma personagem que causa asco e repugnância por seus atos desde o início, pode ser vítima de um julgamento prévio e errôneo. Não estou dizendo que está tudo bem em ser xenófobo, racista ou preconceituoso de qualquer forma, obviamente não está, porém o diretor nos desafia a rever alguns conceitos. Como na cena em que o velho veterano resolve, finalmente, se confessar para o padre Janovich (Christopher Carley) e revela seus maiores pecados da vida: ter beijado uma mulher no natal de 1968 já sendo casado; lucrado 900 dólares com a venda de um barco e não pagar os impostos da negociação; pouco conhecer seus dois filhos por não saber como ser mais próximo deles. Essas questões, conforme a própria personagem admite, foram as que mais o atormentaram durante sua vida. Um pouco distante do mal em pessoa, não é?!

A intenção do diretor é clara: mostrar que nem sempre aquilo que julgamos conhecer realmente é o que parece (a velha máxima de não julgar um livro pela capa). Algo ainda melhor, no entanto, vem da honestidade de Eastwood em não “vender” Kowalski ou sua visão de mundo como melhor que as outras. Ele faz exatamente o contrário quando a personagem lentamente percebe que tem muito mais em comum com a família asiática que tanto desprezou (por conta, por exemplo, do respeito às tradições e aos mais velhos perpetuados entre eles) do que com sua própria família, tornando-se cada vez mais próximo de Thao, Sue e seus familiares do que jamais poderia imaginar. Como se também propusesse para si refletir sobre suas convicções.

Apesar dessa interessante e eficiente maneira de abordar visões diferentes de mundo de forma totalmente honesta, nem tudo são flores. As atuações de Bee Vang e Ahney Her são incrivelmente fracas, ainda mais quando colocadas ao lado de alguém como Clint Eastwood, que trabalha com a arte há pelo menos cinco décadas. Para se ter noção, até o andar da atriz em determinados momentos parece algo totalmente forçado e artificial, assim como as explosões de raiva de Vang ao ser trancado no porão contra sua vontade (essa cena chega a dar vergonha alheia).

Mesmo com esses graves problemas de atuação que impossibilitam uma melhor avaliação, Gran Torino é uma obra sólida e eficiente num âmbito geral e tem seu ponto forte na proposta de nos convidar a refletir e questionar julgamentos e opiniões. Uma boa pedida para gerar discussões acerca de diversos assuntos enquanto assiste Clint Eastwood com suas caretas e grunhidos.

Gran Torino — Alemanha, Estados Unidos, 2008
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Nick Schenk, Dave Johannson
Elenco: Clint Eastwood, Bee Vang, Ahney Her, Christopher Carley, Brian Haley, Geraldine Hughes, Dreama Walker, Brian Howe, John Carroll Lynch, William Hill, Brooke Chia Thao, Chee Thao, Choua Kue, Scott Eastwood, Xia Soua Chang
Duração: 116 minutos

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