Um passo adiante da Netflix - Crítica de Beasts of No Nation
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    Beasts of No Nation
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Beasts of No Nation

    Um passo adiante da Netflix

    por Renato Hermsdorff

    Perto do ápice de X-Men 2 (2003), a personagem Tempestade desafia o pegajoso vilão Groxo: “Sabe o que acontece com um sapo quando é atingido por um raio? O mesmo que acontece com qualquer outra coisa”. Pois sabe o que acontece quando a Netflix resolve investir em uma produção original um de longa-metragem de ficção? O mesmo que acontece quando a plataforma de vídeos on-demand produz uma série própria, é a resposta (as premiadas House of Cards e Orange Is The New Black são os dois maiores exemplos de produções originais bem-sucedidas da empresa).

    Como era de se esperar, com Beasts Of No Nation, a Netflix não poupa esforços (leia dinheiro) para adaptar para os cinemas o romance homônimo do escritor norte-americano de origem nigeriana Uzodinma Iweala.

    Estreando simultaneamente na “TV” e em algumas selecionadas salas de cinema, o filme traz performances vigorosas do estreante, não-profissional, Abraham Attah (de 14 anos, que aparenta ser ainda mais novo), como o protagonista da história, e de Idris Elba (Thor), como Comandante, num registro ao mesmo tempo carismático e assustador.

    A guerra civil na Nigéria chega ao vilarejo de Agu (Abraham), cuja população se encontra no meio da disputa entre governo e rebeldes. Depois que os habitantes de sua vila são caçados – e executados – pelo exército, o menino consegue fugir, mas é cooptado pela milícia de Elba, que o treina para ser um guerrilheiro. A partir dessa virada, o filme acompanha um verdadeiro tour de force da(s) criança(s) pelos horrores do conflito.

    A grande sacada da obra (tanto livro quando filme) é a maneira bem-sucedida como a produção se revela ao espectador sob a ótica infantil, do menino que se brutaliza com o passar dos acontecimentos, num desabrochar cruel – e, ao mesmo tempo, inevitável – do personagem inserido naquela dura realidade.

    Para chegar nesse contraponto (o antes e o depois), o filme tem início com a rotina de “diversão” dos pequenos – pontuada por danças e a tentativa hilária da “venda” de uma TV sem tela pelo animado grupo de crianças ao qual pertence o protagonista, logo na abertura – e passa pelo dia a dia (feliz demais, no entanto) da família de Agu, apresentada quase como que saída de um comercial de margarina – guardadas as devidas proporções da realidade social. 

    Feita a virada, que se dá de maneira gradual, filme não poupa o espectador – é de uma violência chocante, sobretudo pelo retrato das crianças em campo (de guerra). Nesse aspecto, lembra o brasileiro Cidade de Deus – descontado o “humor” do filme de Fernando Meirelles.

    Por trás disso tudo está a direção competente de Cary Fukunaga, de True Detective – primeira temporada, que fique bem claro (na segunda, ele atua como produtor executivo).

    Com o filme, Fukunaga prova (como se preciso fosse) que é um virtuose da imagem. Ele tem o domínio da câmera, sabe o que quer de seus planos, e o resultado é um verdadeiro deleite visual, de belos enquadramentos, uma iluminação opaca que contrasta com a exuberância das florestas das locações (e, portanto, nada óbvia), planos-sequência de tirar o fôlego. Não à toa ele assina também como o diretor de fotografia da produção.

    Depois de concorrer ao Oscar de documentário (longa-metragem) com A Praça Tahrir (2013), parece que a Netflix tem ambiciosos planos de dominar o mundo (do entretenimento, pelo menos). E Beasts of No Nation é um importante passo adiante nesse sentido.

    Filme visto no 40º Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro de 2015.

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