Nas Artes Visuais, embora às vezes as palavras “naturalismo” e “realismo” sejam utilizadas como sinônimos, significando uma representação que se assemelha à realidade, os dois termos não significam a mesma coisa, na Teoria da Arte. (Mesmo assim, em alguns livros de História da Arte os termos são ocasionalmente utilizados como se tivessem o mesmo significado.)
Usando como exemplos algumas obras de Arte famosas, explicaremos a diferença entre os dois conceitos.
(Uma observação. Em Literatura também há uma distinção entre “naturalismo” e “realismo”. Em alguns pontos os conceitos são semelhantes aos utilizados nas Artes Visuais, porém há especificidades relativas à própria Arte Literária. Portanto, as definições que este texto explorará não equivalem totalmente para a Literatura. Ainda assim, quando se entende o que significam “naturalismo” e “realismo” na Pintura, por exemplo, passa a ser bem mais fácil entender os conceitos quando aplicados para a Literatura.)
CONCEITO DE “NATURALISMO”
Por “naturalismo”, nas Artes Visuais (Pintura, Escultura, Fotografia), entende-se a representação das coisas (pessoas, paisagens etc.) como elas são, do ponto de vista da imagem. Isto é, uma pintura naturalista “parece-se com uma fotografia”.
Observe que nem mesmo toda fotografia será um bom exemplo de naturalismo. Uma foto muito editada no Photoshop não será naturalista. Já as fotos que as pessoas colocam no Instagram, se não foram editadas, são um bom exemplo de naturalismo. Isto é, a câmera do celular capturou o que estava à sua frente e esta captura foi publicada sem alterações pelo usuário do aplicativo. Isto é, o que foi publicado existiu, de fato, com aquelas cores, com aquela iluminação etc.
Pense no “naturalismo”, portanto, como “a qualidade da imagem” em comparação com a realidade.
CONCEITO DE “REALISMO”
Nas Artes Visuais, o “realismo” é a busca de uma representação correta dos fatos, das cenas, independente da qualidade de “reprodução fotográfica” atingida pelo artista.
Aquelas mesmas fotos que as pessoas colocam no Instagram, embora possam ser naturalistas (se não editadas), comumente não são realistas. Antes da foto, as pessoas arrumam o cabelo, fazem poses, procuram seus melhores ângulos, organizam os objetos que aparecem ao fundo (escondendo “os pouco fotogênicos”)… e, enfim, sorriem para a foto. Esta não é a realidade que existia naquele momento, naquele ambiente, antes da foto.
Já uma foto jornalística comumente é realista (e naturalista), pois retrata fielmente um instante específico de uma cena, capturado pela máquina fotográfica do repórter: um político discursando, um acidente de trânsito, um jogador de futebol comemorando um gol etc.
Pense no “realismo”, portanto, como a verossimilhança, a plausibilidade da cena retratada.
DIFERENÇAS ENTRE “NATURALISMO” E “REALISMO”
Embora “naturalismo” e “realismo” sejam duas coisas diferentes, há uma semelhança entre as duas técnicas ou movimentos artísticos. Ambos buscam, cada qual à sua maneira, uma aproximação com a verdade. Uma técnica, o naturalismo, busca a “verdade visual” da cena. Outra, o realismo, busca a “verdade social”. Mas as duas coisas não precisam necessariamente andar juntas.
Assim, uma pintura ou escultura pode ser naturalista e não ser realista, ou o contrário. Porém, pode ser as duas coisas – ou nenhuma delas! Veremos alguns exemplos destas quatro situações.
NATURALISMO SEM REALISMO
“O beijo” é a mais famosa pintura do pintor austríaco Gustav Klimt. Esta obra pode ser considerada naturalista, mas não realista. O naturalismo está presente na representação do rosto da principal personagem: parece um rosto real e desconfiamos que o pintor o fez utilizando-se de uma modelo viva. Outros detalhes naturalistas estão na representação das mãos de ambos, dos pés dela… Entretanto, a pintura não parece muito realista. O dourado excessivo na roupa de ambos (Klimt utilizou-se lâminas de ouro), a quase fusão entre os dois personagens, o fundo vazio, o casal aparentemente à beira de um precipício… tudo isto faz com que “O beijo”, se pareça com um sonho, e não com uma cena real fotografada.
Este tipo de representação, embora apareça em vários movimentos artísticos, é comum nas obras do movimento artístico conhecido como Simbolismo, do qual Gustav Klimt foi um dos principais nomes.
REALISMO SEM NATURALISMO
Vincent van Gogh, pintor holandês, em “Quarto do artista em Arles” retratou o cômodo onde residia, quando passou uma temporada na cidade francesa que dá nome ao quadro. É simples percebermos como nesta pintura o artista buscou o realismo. O título da obra nos mostra que não se trata de um quarto qualquer, e sim o do próprio artista que, sentado frente à sua cama, retratou tudo o que viu: alguns quadrinhos na parede, uma toalha dependurada, uma mesinha, duas cadeiras… Por outro lado, a pintura não se parece de forma alguma com uma fotografia, pelo contrário. É claramente um desenho, um esquema, feito com traços fortes, do que o pintor enxergava no quarto. As cores utilizadas também não são naturalistas, pois parecem ser muito mais intensas do que a cama, a colcha etc. deveriam ser na vida real.
Este tipo de representação, muito realista, mas pouco naturalista, é comum entre os pintores do movimento artístico chamado de Expressionismo, do qual Vincent van Gogh foi não apenas um dos maiores nomes, mas é considerado também um pioneiro.
NATURALISMO E REALISMO
O pintor americano Edward Hopper é o autor de “Nighthawks” (que pode ser traduzido como “Falcões da noite”). A cena interior do bar parece bem realista. Um fim de noite onde um casal conversa, um homem bebe sozinho e o garçom se agacha para pegar algo. Ninguém está “posando para uma foto” – o criador da obra, pelo contrário, parece ter flagrado a cena à distância, quase escondido. O tom é de solidão, talvez de tristeza, cansaço. A cena é plausível, o artista deve ter mesmo presenciado algo assim, pensamos. Ou seja, há realismo na pintura. Ao mesmo tempo, embora a rua pareça muito “limpinha”, assim como o balcão do bar, a pintura tem um quê de fotografia, pois o desenho é muito bem feito, as cores parecem adequadas, assim como a iluminação etc. Ou seja, também há naturalismo em “Nighthawks”, de Edward Hopper.
Não existe um movimento artístico chamado de “Naturalismo”. O naturalismo é mais entendido como uma técnica, um modo de representação. Contudo, existe um momento artístico, na Pintura, que ficou conhecido como “Realismo”. Neste, as obras comumente são realistas e naturalistas. Além disto, costuma-se classificar como adepto do Realismo apenas os pintores que buscaram retratar a realidade do povo, da realidade “nua e crua”, não os que pintavam com perfeição festas em castelos de reis…
NEM NATURALISMO, NEM REALISMO
Por fim, é possível que uma obra de Arte não busque nem o naturalismo e nem o realismo.
O artista holandês Piet Mondrian pintou a tela acima, à qual deu o nome de “Boogie-woogie da Broadway”. Boogie-woogie é um estilo musical, uma variante do blues. O quadro se parece com música? O quadro, sem o seu título, lembraria o blues, a alguém? Obviamente, não. Caso a tela se chamasse, por exemplo, “Congestionamento em Nova York”, até poderíamos enxergar ali carros parados uns atrás do outros, pensar que os quadrados amarelos representam táxis… Mas, não, o quadro de Piet Mondrian se chama “Boogie-Woogie”! Entretanto, não representa um bar onde músicos tocam blues. O nome da pintura não tem nada a ver com o que enxergamos: linhas coloridas paralelas e perpendiculares, formadas por quadrados amarelos, azuis e vermelho, deixando vários espaços em branco entre elas. É assim que descreveríamos o quadro para um deficiente visual, não? Desta forma, a imagem não representa nada que existe na natureza – nem de forma realista, nem de forma naturalista. A imagem representa uma cena completamente inexistente, completamente inventada, uma cena “abstrata”.
Este tipo de obras é comum no movimento artístico conhecido como justamente como Abstracionismo, do qual Piet Mondrian foi um dos primeiros e mais importantes nomes.
REALISMO? NATURALISMO?
Fora da teoria, na “vida real” das obras de Arte, nem sempre é simples dizermos se uma pintura ou escultura é naturalista e/ou realista.
Vejamos, por exemplo, o famoso quadro “Um domingo à tarde na ilha de La Grande Jatte”, do pintor francês Georges Seurat. Observe com atenção a pintura e tente responder: nesta obra observamos naturalismo, realismo, ambos ou nenhum dos dois?
(Clique na imagem para ampliá-la.)
Pois bem. A resposta correta, honesta, talvez seja: a pintura é “mais ou menos naturalista” e “mais ou menos realista”.
Georges Seurat foi criador de um momento artístico que seria chamado de Pontilhismo. No Pontilhismo, como o nome indica, a pintura é feita ponto a ponto – como os pixels de uma imagem que vemos no computador ou no celular. Através da soma dos pontos, forma-se uma imagem que faça sentido. Se nos afastarmos da obra, deixamos de ver os pontos e vemos as figuras de uma forma mais nítida.
Contudo, a pintura de Seurat, mesmo que vista de longe, é naturalista? “Mais ou menos.” Não é um borrão, porém não se parece exatamente com uma foto. Às vezes até lembra uma foto, porém, talvez, uma foto antiga, tirada em uma máquina velha, com baixa definição. Ou seja, há um “meio” naturalismo na imagem, não um naturalismo pleno.
A obra é, então, realista? “Mais ou menos”, também. De fato, as pessoas, na época do artista, mais de um século atrás, deveriam ir para o parque, no domingo, vestidas desta maneira, cachorros deveriam correr pela grama etc. Mas há algo de irreal na cena. As pessoas parecem estátuas, duras, até mesmo as que estão andando – e todas estão olhando ou indo para a mesma direção. É como se o artista houvesse pedido a todos para ficarem “congelados”. Ou seja, há um “meio” realismo na cena, não um realismo pleno.
RESUMO: “NATURALISMO” E “REALISMO”
Embora às vezes os termos “naturalismo” e “realismo” seja utilizados como sinônimos, significando uma semelhança com a realidade, há uma diferença entre os dois, na Teoria da Arte. Esta definição de “semelhança fotográfica com a realidade” se aproxima do conceito de “Naturalismo”. O “Realismo” se refere mais a uma semelhança “dinâmica” com a cena retratada, com a plausibilidade, com a verossimilhança entre a obra e a realidade.
O naturalismo é mais uma técnica, uma busca do artista de “enganar” o espectador – que pensará estar vendo algo concreto, e não uma tela. Já o Realismo foi alçado ao posto de movimento artístico, designando artistas e obras que buscam retratar a “dura realidade”, especialmente das classes sociais mais baixas.
Na prática, nem sempre é simples dizer se uma obra é naturalista, realista, ambas as coisas ou nenhuma delas. Contudo, é um exercício interessante: veja algumas OBRAS DE ARTE FAMOSA e tente classificá-las!