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ARTIGO - 14 de Maio: População Negra “jogada à própria sorte”

publicado: 13/05/2024 10h57, última modificação: 13/05/2024 11h09

Por Jacineide Arão*

WhatsApp Image 2024-05-10 at 17.09.03.jpegA clássica imagem nos livros didáticos de História desde a tenra infância da Princesa boazinha, cortando as correntes e pondo fim à escravidão no Brasil contribuiu para a construção, no imaginário social, de homens e mulheres negras passivas, servis, emudecidas que precisaram contar docilmente com a benevolência de mãos brancas para lhes “salvarem” do terror da escravidão.

A História oficial tenta ainda hoje ocultar, após 136 anos da famigerada abolição, que apenas 5% da população negra ainda exercia trabalho escravo quando foi assinada a tão aclamada Lei Áurea. Uma Lei de apenas dois artigos sentenciando a população escravizada a ficar jogada “à própria sorte”. Para o movimento negro, a Lei áurea foi apenas uma estratégia de desmobilizar a população negra, que ao longo dos séculos de escravização lutou bravamente pela conquista de sua liberdade.

Ao longo desse tempo sombrio, eclodiram no Brasil diversas revoluções que clamavam por direitos, denunciavam a estrutura desigual e as atrocidades que ocorriam em todos os cantos do país, o que denota a resistência ao processo de escravidão desde o início, e as estratégias criadas em prol da luta pela liberdade, a exemplo dos quilombos, das
mulheres negras empreendedoras que, por meio de vendas de quitutes, puderam comprar a alforria de pessoas negras escravizadas muito antes da restrita Lei Áurea.

A Lei Áurea, que apenas sentenciou um processo que já estava em curso no país, direito algum garantiu após séculos de escravidão. Pessoas negras sem direito de frequentar escolas, sem emprego, sem indenização… A abolição nem de longe representou a emancipação da população negra escravizada. Lazzo Matumbi, na canção 13 de Maio, traduz com perfeição o que ocorreu no 14 de maio de 1888:

No dia 14 de maio, eu saí por aí
Não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir
Levando a senzala na alma, eu subi a favela
Pensando em um dia descer, mas eu nunca desci
Zanzei zonzo em todas as zonas da grande agonia
Um dia com fome, no outro sem o que comer
Sem nome, sem identidade, sem fotografia
O mundo me olhava, mas ninguém queria me ver

No dia 14 de maio, ninguém me deu bola
Eu tive que ser bom de bola pra sobreviver
Nenhuma lição, não havia lugar na escola
Pensaram que poderiam me fazer perder

Mas minha alma resiste, meu corpo é de luta
Eu sei o que é bom, e o que é bom também deve ser meu
A coisa mais certa tem que ser a coisa mais justa
Eu sou o que sou, pois agora eu sei quem sou eu […]

Então, comemorar o quê? O 13 de Maio representa hoje um dia de luta contra o racismo. Dia em que a população ocupa as ruas para denunciar a estrutura desigual desse país que segue sendo uma “cova rasa”, onde a população negra continua na base, alijada de direitos básicos, vítima da violência do próprio Estado, ocupando postos de trabalho mais desqualificados, recebendo os piores salários. Ainda hoje emergem no país casos assustadores de pessoas submetidas a trabalho análogo à escravidão. Sem medidas institucionais que garantissem o mínimo existencial, as pessoas negras foram formando as grandes periferias das cidades e buscando estratégias de sobrevivência por meio de muita luta.

Esse processo histórico de luta contra a discriminação, de busca por igualdade de direitos, por liberdade, representa a história do povo negro do Brasil. Neste contexto de luta, a educação é fundamental - desde o acesso à permanência - para pensarmos num processo de emancipação. Todas as conquistas e avanços do povo negro foram fruto de muita luta e resistência, apesar da tentativa de apagamento e silenciamento histórico. Dentre as conquistas há que citar as políticas de ações afirmativas, que representam a tentativa de reparar a dívida histórica com a população negra desse país.

Dia Nacional de Luta e Denúncia contra o Racismo Por Liberdade e Igualdade de Direitos.jpegO IFBA, nesse contexto, tem avançado em um conjunto de ações que guardam relação com demandas advindas de coletivos, em geral, compostos por pessoas negras. Nossa instituição caminha na consolidação de Políticas Afirmativas Institucionais que repercutem no acesso, permanência e êxito de cada estudante. Estas ações têm sido construídas por muitas mãos nos seus diversos campi, em especial, com a colaboração dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabis) em diálogo com a Diretoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis (DPAAE) e demais instâncias. Há inúmeros desafios em curso, a exemplo da construção do Plano de Ações Afirmativas do IFBA, em fase de elaboração.

A Instituição avança na consolidação de políticas importantes, como a instituição de cotas adicionais para quilombolas (antes da exigência da Lei de Cotas após alterações), bancas de heteroidentificação, formação continuada de servidores(as), Programas como o Asé-Toré, institucionalização dos Neabis, entre outras ações. Para tanto, o diálogo e a escuta com a categoria estudantil são fundamentais para que tenhamos a efetivação de cada ação implementada. Neste sentido, a DPAAE juntamente com a Pró-Reitoria de Ensino (Proen), e em diálogo com os campi e demais setores estratégicos, realizará o “I Encontro de Estudantes Cotistas e I Fórum de Assistência Estudantil Discente do IFBA: Desafios da Permanência e Êxito”.

Após esses 136 anos da Abolição há que se registrar o caminho percorrido e que as conquistas nunca advieram da benevolência, mas que são resultado da luta histórica, diária, de mulheres e homens negros, e em especial, de denunciar o quão o racismo e a desigualdade ainda persistem nesse país, deixando milhares de pessoas negras “à própria sorte”.


Pedagoga, mestra em Educação e atual Chefe do Departamento de Politicas Afirmativas da Diretoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis (DPAAE)*

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