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A Memória da Virgem Maria, Mãe da Igreja

 


 

Tendo celebrado ontem o Pentecostes, começo por recordar o que, sobre o Espírito, escreveu o Patriarca Atenágoras1: “Sem o Espírito Santo: Deus está longe, Cristo permanece no passado, o Evangelho é letra morta, a Igreja é uma simples organização, a autoridade é um poder; a missão é propaganda, o culto é uma velharia e o agir moral, uma obra de escravos. Mas, no Espírito Santo: o cosmos é enobrecido pela geração do Reino, o homem está em combate contra a carne, Cristo ressuscitado torna-se presente, o Evangelho faz-se poder e vida, a Igreja realiza a comunhão trinitária, a autoridade transforma-se em serviço que liberta, a missão é um Pentecostes, a liturgia é memorial e antecipação, o agir humano é deificado”. O texto agora citado dá que pensar e explica muitos dos problemas e desfigurações da Igreja.

Por desejo do Papa Francisco, a segunda-feira de Pentecostes2 tornou-se o dia da celebração da Memória da Virgem Maria, Mãe da Igreja. O decreto Ecclesiae Mater, publicado no dia 11 de fevereiro de 2018, pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, começa por dizer que, “de certa forma, este facto já estava presente no modo próprio do sentir eclesial, a partir das palavras premonitórias de Santo Agostinho e de São Leão Magno. De facto, o primeiro diz que Maria é a mãe dos membros de Cristo porque cooperou, com a sua caridade, no renascimento dos fiéis da Igreja. O segundo diz que o nascimento da Igreja é também o nascimento do corpo, o que indica que Maria é, ao mesmo tempo, mãe de Cristo, filho de Deus, e mãe dos membros do seu corpo místico, isto é, da Igreja. Estas considerações derivam da maternidade divina de Maria e da sua íntima união à obra do Redentor, que culminou na hora da cruz”.

Depois de recordar o testamento que Maria recebeu de Jesus, junto à Cruz (cf. Jo 19, 25-27), “tornando-se a amorosa Mãe da Igreja”, o referido decreto justifica assim a data desta celebração: “Dedicada guia da Igreja nascente, Maria iniciou (...) a própria missão materna já no cenáculo, rezando com os Apóstolos, na expectativa da vinda do Espírito Santo (cf. At 1, 14). Ao longo dos séculos, (...) a piedade cristã honrou Maria com os títulos, de certo modo equivalentes, de Mãe dos discípulos, dos fiéis, dos crentes, de todos aqueles que renascem em Cristo e, também, ‘Mãe da Igreja’, como aparece nos textos dos autores espirituais, assim como nos do magistério de Bento XIV e Leão XIII”.

Sem lhe chamar “Mãe da Igreja”, a constituição conciliar Lumen Gentium já tinha afirmado: “Pelo dom e missão da maternidade divina, que a une a seu Filho Redentor, e pelas suas singulares graças e funções, está também a Virgem Maria intimamente ligada à Igreja: a Mãe de Deus é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo, como já ensinava Santo Ambrósio” (nº 63). 

Foi o Papa Paulo VI quem a declarou como tal, no dia 21 de novembro de 1964, no encerramento da terceira sessão do Concílio Vaticano II: “Para glória da Virgem e para nosso conforto, proclamamos Maria Santíssima ‘Mãe da Igreja’, isto é, de todo o Povo de Deus, tanto dos fiéis como dos pastores, que lhe chamam Mãe amorosíssima; e queremos que com este título suavíssimo seja a Virgem doravante honrada e invocada por todo o povo cristão”.

Posteriormente, por altura do Jubileu da Reconciliação e da Alegria (1975), a Sé Apostólica propôs uma missa votiva em honra de Santa Maria, Mãe da Igreja, que foi inserida no Missal Romano. E, em 1980, o Papa João Paulo II determinou que se acrescentasse este título na Ladainha de Nossa Senhora3

Se o objetivo desta celebração é “favorecer o crescimento do senso materno da Igreja nos pastores, religiosos e fiéis, bem como da genuína piedade mariana”, também “ajudará a lembrar que a vida cristã, para crescer, deve estar ancorada no mistério da Cruz, na oblação de Cristo no banquete Eucarístico, e na Virgem oferente, Mãe do Redentor e dos redimidos”.

Resta-nos concluir que aquilo que, à partida, parecia nada ter a ver – a Segunda-Feira de Pentecostes e a Memória da Virgem Maria, Mãe da Igreja – afinal, faz todo o sentido: a presença de Maria na “sala de cima” (At 1, 13), onde a vinda do Espírito fez nascer a Igreja, é a razão de ser de assim a invocarmos. 


 


 

1 Atenágoras nasceu em 25 de março de 1886, em Epiro (Grécia), e foi Patriarca Ortodoxo de Constantinopla de 1948 a 1972. Em 1964, encontrou-se com o Papa Paulo VI, em Jerusalém, e revogou a excomunhão da Cristandade Ocidental, em vigor desde o Cisma de 1054.

2 Rigorosamente, é hoje que acontece o Pentecostes. E a verdade é que, em alguns países (França e Alemanha), ainda é feriado. Em Portugal, nunca o foi, ao contrário da Quinta-feira da Ascensão que, sendo feriado, deixou de o ser, em 1952.

3 Esta ladainha (em latim, Lauretana) é uma litania aprovada em 1587, pelo Papa Sixto V. Trata-se de uma prece dirigida Maria, com origem na cidade de Loreto, onde a tradição católica diz conservar-se a Casa de Nazaré. 


 

Pe. João Alberto Sousa Correia

Pe. João Alberto Sousa Correia

20 maio 2024