Lobão, o (suposto) isentão - Por Francisco Fernandes Ladeira | Revista Fórum
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Lobão, o (suposto) isentão - Por Francisco Fernandes Ladeira

Em entrevista ao podcast do João Gordo, Lobão foi questionado sobre o apoio a Bolsonaro em 2018 e afirmou nunca ter sido fã do ex-presidente, mas que naquele momento queria 'destruir o PT'

Lobão maduro e de direita / Lobão jovem e de esquerda.Créditos: Reprodução /Redes Sociais
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Nos últimos anos, tem sido cada vez mais difícil não associar roqueiros (famosos ou anônimos) e direita política. No Brasil, essa inusitada relação se tornou mais nítida no contexto do golpe de Estado contra Dilma Rousseff e no processo eleitoral que levou Jair Bolsonaro à presidência da República.

Mesmo após os quatro desastrosos anos de governo Bolsonaro, alguns nomes do rock ainda se mantêm fiéis ao ex-capitão, como é o caso de Roger Moreira, vocalista do Ultraje a Rigor. Já outros, como Lobão, fingem que nada têm a ver com a recente ascensão da extrema direita no Brasil.

Na terça-feira (23/4), em entrevista para o podcast Superplá, de João Gordo, ao ser questionado sobre o apoio a Bolsonaro em 2018, Lobão, autointitulado “vira-casaca” e “traidor”, afirmou nunca ter sido fã de Bolsonaro, mas, naquele momento queria destruir o PT.

“Não estava nem aí se era fascista ou não. Eu achava que tinha que dar uma chance para essa nova direita que estava toda misturada. Eu chegava nos comícios e explicava que não podia apoiar golpe militar. Se querem construir uma direita moderna, tem que separar desses caras, mas ninguém conseguiu”. Em sequência, ele emendou: “Detesto política. Só reúne gente estúpida que quer enclausurar e reduzir”.

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Poucos dias depois, ao jornal O Estado de São Paulo, Lobão repetiu o discurso de suposta neutralidade ideológica, enfatizando ter se afastado da política por se considerar uma “nulidade”. Além disso, ressaltou odiar militantes (seja da esquerda ou da direita), pois são “um monte de cretinos, idiotas, querendo modificar a vida dos outros, policiando, cancelando”.

No entanto, por trás de toda essa verborragia há a intenção de reciclar a imagem de apoiador de fascista, agora vendida sob a surrada narrativa “nem direita, nem esquerda”, o que, na prática, como bem sabemos, significa “direita envergonhada”.

Ao resgatar o histórico de Lobão, vamos perceber que sua aproximação com a direita remete ao início da década passada, portanto antes mesmo do golpe. Na época, Lobão foi colunista da revista Veja, uma das publicações oficiais do Mensalão, da Lava Jato, do PSDB e do próprio golpe de Estado.

Para diferentes veículos de imprensa e em palestras Brasil afora, o músico concedeu declarações como: “Che Guevara é um dos maiores e inquestionáveis assassinos do século 20”, “a presidenta Dilma Rousseff é terrorista”, “os Racionais MC’s são o braço armado do governo petista” e “a esquerda brasileira é composta por gente rancorosa e invejosa”.

Se hoje Lobão alega não “poder apoiar golpe militar”, tempos atrás ele apresentava uma postura diferente. “A gente tinha que repensar a ditadura militar. Essa Comissão da Verdade que tem agora. Por que é isso? Que loucura que é isso? Aí tem que ter anistia pros caras de esquerda que sequestraram o embaixador e pros caras que torturavam, arrancavam umas unhazinhas, não? As pessoas [opositores do regime militar] não estavam lutando por uma democracia, as pessoas estavam lutando por uma ditadura de proletariado. As pessoas queriam botar uma Cuba no Brasil, ia ser uma merda pra gente. Enquanto os militares foram lá e defenderam nossa soberania”, afirmou o cantor durante palestra realizada em uma feira literária.

Em 2013, no auge dos desdobramentos das Jornadas de Junho, Lobão, vestindo camisa da seleção brasileira, gravou uma live com ninguém menos do que Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo. Na pauta, delírios como Foro de São Paulo com intenção de implantar o comunismo na América Latina, Império Eurasiano com objetivos de dominação global, hegemonia da esquerda nas telecomunicações e os governos petistas como transição para o socialismo no Brasil.

Três anos depois, após o ministro do STF Teori Zavascki classificar os grampos telefônicos do então juiz Sergio Moro a Lula como inconstitucionais, Lobão divulgou no Twitter o endereço do filho do ministro e convocou seus seguidores para protestarem em frente ao local, causando constrangimento à família.

Por outro lado, devemos admitir que Lobão está correto quando afirma ser “vira-casaca”. Realmente, ele já esteve à esquerda no espectro político. No dia do segundo turno da eleição presidencial de 1989, disputada entre Fernando Collor e Lula, Lobão fez propaganda eleitoral para o candidato petista em pleno Domingão do Faustão, da Rede Globo. Décadas atrás também eram frequentes suas declarações favoráveis ao MST.

Assim, Lobão aparenta ter obsessão por ser “do contra”, uma personalidade que demonstra insegurança total em suas convicções, uma espécie de “Perturbação da Oposição”, polemista inveterado ou se trata de mero marketing pessoal para se manter em evidência (o que poderia não ser necessário, haja vista a qualidade de sua obra musical). Quando a direita governou o país, nos anos 80 e 90; ele era de esquerda. Quando o PT assumiu o poder; foi para a direita. Hoje, com a esquerda de volta ao Planalto, pegaria mal posar de direitista novamente. Daí o novo discurso de “isentão”.

Ou será que, em essência, Lobão, mesmo já sexagenário, tal como cantava seu colega Roger, não passaria de mais um “rebelde sem causa”? Talvez nem Freud saberia explicar.

*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.