Mar Morto (Jorge Amado) - Meninos, eu li - Jornal de Beltrão
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sábado, 04 de maio de 2024

Edição 7948

04/05/2024

Mar Morto (Jorge Amado) – Meninos, eu li

“Agora eu quero contar as histórias da beira do cais da Bahia. Os velhos marinheiros que remendam velas, os mestres dos saveiros, os pretos tatuados, os malandros sabem essas histórias e essas canções. O povo de Iemanjá tem muito o que contar. 

Vinde ouvir essas histórias e essas canções. Vinde ouvir a história de Guma e Lívia, que é a história da vida e do amor no mar. E se ela não vos parecer bela a culpa não é dos homens rudes que a narram. É que ouvistes da boca de um homem da terra e, dificilmente, um homem da terra entende o coração dos marinheiros. […] Pois o mar é mistério que nem os velhos marinheiros entendem.” 

Assim Jorge Amado inicia a epopeia de Guma e Lívia em “Mar Morto”, publicado em 1936. A obra está entre as mais famosas do baiano e se diferencia de outros clássicos do autor – como “Capitães da areia” e “Gabriela e Cravo a Canela” por sua narrativa lírica, ou seja, de forma poética e envolvente. 

Guma, Lívia e Iemamjá

Como a própria introdução anuncia, o romance narra a vida dos “homens do mar” de Salvador na primeira metade do século XX e o drama de suas esposas, que aguardam com aflição a volta dos maridos no cais, porém com a certeza de que um dia não mais regressarão: irão com Iemanjá (Janaína, Inaê, Dona Maria) para o fundo das águas, viajar pelas terras de Aiocá. 

Guma foi criado pelo tio Francisco. A mãe, mulher da vida, ele nunca a vira, e o pai, Frederico, desapareceu no mar. Sendo Francisco um dos saveiristas mais respeitados da Cidade Baixa – zona portuária de Salvador -, o garoto cresce aprendendo a profissão, para se tornar, aliás, um dos melhores de toda a Baía de Todos os Santos. A mão no leme do Valente – nome dado à sua embarcação – corre as águas do Recôncavo transportando mercadorias desde o cais do Mercado Modelo até os portos da interlândia soteropolitana e vice e versa. 

Cidade Alta e Cidade Baixa

Profusão de embarcações na rampa do Mercado Modelo, Salvador, 1970. Foto:Reprodução/Autor desconhecido.

Projetada na Europa pelos Portugueses, São Salvador, fundada em 1949 por Tomé de Sousa, seguiu a mesma divisão encontrada em cidades como Lisboa e Porto: Cidade Alta e Cidade Baixa. Na Bahia, a população pobre ficava legada à região da praia, enquanto a elite construía os casarões ladeira acima, no que conhece por Pelourinho. 

A explicação do parágrafo acima é importante para que faça sentido a trama dos protagonistas. Lívia mora com os tios na parte alta. Na contramão da maioria dos colegas de profissão, que escolhem mulheres do cais para se casar, Guma se encanta pela moça de vida abastada. E é correspondido. 

Apesar de viverem em harmonia, Lívia, por não estar ambientada à vida no mar, convive com a angústia pelo retorno de Guma. Com o tempo, presenciando a morte dos homens de suas amigas, o medo só faz crescer. 

Por mais de 70 anos de carreira, Jorge Amado ambientou dezenas de romances na capital da Bahia. Críticos, quem reside em Salvador e os de fora, costumam questionar se as  situações, gentes e costumes narrados pelo marido de Zélia Gattai ainda existem. Sobre “Mar Morto” é possível concluir que sim e que não. 

A fé em Iemanjá, Rainha do Mar, por exemplo, segue inerente à vida dos baianos. E quem tiver curiosidade, basta “dar um Google” pela festa da orixá, comemorada anualmente a 2 de fevereiro no bairro do Rio Vermelho, para ter dimensão da importância. 

Por outro lado, “Mar Morto” retrata uma Salvador que não existe mais: aquela da vida de incerteza dos saveiristas e da angústia das esposas. As vilas de pescadores seguem existindo, mas o número de barcos diminuiu consideravelmente – e os que existem são consequentemente mais seguros. Os transportes de mercadorias, antes dependentes das embarcações, passaram a ser feitos por estrada, mesmo. 

2023: do alto do Elevador Lacerda, vista para a Baía de Todos Os Santos, com o Mercado Modelo à direita. Região não exerce a mesma função comercial de 1936. Foto: Juliam Nazaré

É doce morrer no mar

Ainda um bônus sobre este romance, o quinto  publicado por Jorge Amado: ao longo da narrativa, o autor transcreve trechos de canções do cais. Uma delas, cinco anos depois, foi musicada por Dorival Caymmi e tornou-se um clássico:

É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar
É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar

Saveiro partiu de noite foi
Madrugada não voltou
O marinheiro bonito
Sereia do mar levou


É doce morrer

A noite que ele não veio foi
Foi de tristeza prá mim
Saveiro voltou sozinho
Triste noite foi prá mim


É doce morrer

Nas ondas verdes do mar meu bem
Ele se foi afogar
Fez sua cama de noivo
No colo de Iemanjá
É doce morrer

Referências

  • Título: Mar Morto;
  • Gênero: Romance;
  • Autor: Jorge Amado;
  • Número de páginas: 285;
  • Editora: Companhia das Letras;
  • Ano de lançamento: 1936.

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