Hipóteses de escrita: o caminho para o desenvolvimento da alfabetização dos alunos

Uma das grandes dificuldades encontradas pelos professores, ao longo de toda educação básica, é lidar com a dificuldade dos alunos que ainda não se apropriaram com sucesso da leitura e escrita, e por isso, enfrentam muitas dificuldades de aprendizagem em outras disciplinas, uma vez que tudo demanda leitura, interpretação e escrita.

Para ajudar os alunos com dificuldades nesse processo de alfabetização, que tem um tempo diferente para cada indivíduo, é preciso que os professores saibam o que cada aluno precisa desenvolver para avançar cada vez mais, e isso demanda certos conhecimentos específicos.

No entanto, identificar em que hipótese de escrita o aluno se encontra não é um conteúdo abordado em todas as áreas da educação, por isso, muitas vezes um professor de Língua Portuguesa pode não saber como se dá esse processo por não ter tido acesso ao processo de alfabetização especificamente, e irá encontrar dificuldades em ajudar um aluno que ainda não lê e escreve de forma autônoma no sexto ano, por exemplo.

Por isso, este texto irá ajudar todos os educadores, de diferentes anos da etapa da educação básica, a identificar em qual hipótese de escrita o aluno se encontra, e assim conseguir propor situações que permitam o avanço dos alunos e o seu desenvolvimento na leitura e escrita com sucesso.

O que são hipóteses de escrita?

Um estudo desenvolvido pela psicolinguista Emilia Ferreiro e a psicopedagoga Ana Teberosky levou a descoberta de que a alfabetização é um processo, aonde as crianças vão aos poucos adquirindo a habilidade de escrever e ler, o que se dá em níveis, que foram classificados em cinco hipóteses, a saber: pré-silábica, silábica sem valor sonoro, silábica com valor sonoro, silábica alfabética e alfabética.

Esse processo de alfabetização dá início desde que a criança entra em contato com a linguagem de sua cultura, primeiro através da fala dos familiares, ainda quando é um bebê, e em seu devido tempo, inicia a falar, presta atenção nas conversas, nas histórias, aprende novas palavras a cada dia, e a interpretá-las nas diferentes situações de comunicação.

Por isso, quanto mais diverso for o acesso da criança a situações onde haja conversas, cantigas, leitura de histórias, teatro, brincadeiras faladas, entre outras, mais enriquecida será a sua experiência com a linguagem, como consequência disso, ocorrerá um melhor desenvolvimento de sua fala, leitura e escrita.

Assim, da mesma forma que entra em contato com a língua de forma geral desde o início da vida, a criança entra em contato também com a língua escrita, através de livros que lhe apresentam desde pequena, textos que observa seus familiares escrevendo, placas e painéis nas ruas, e passa a construir maneiras de reproduzir essa escrita, de acordo com o que observa e interpreta dessa ação de escrever.

Dessa forma, a criança esboça suas primeiras palavras de acordo com o que observou da cultura escrita, reproduzindo da sua maneira o movimento das mãos, o traço no papel, o tamanho da escrita, a presença de linhas ou não, os símbolos escolhidos, entre outros aspectos que irão traduzir o quanto essa criança está familiarizada com essa linguagem.

Hipótese de escrita pré-silábica:

Nessa hipótese, a criança ainda não desenvolveu a compreensão da estrutura da escrita, sem correspondência com os sons dos fonemas, pois escreve utilizando símbolos, números, traços, letras aleatórias, sem separação entre as palavras, sendo necessário perguntar a ela o que está escrito.

Existe, nessa hipótese, uma correlação marcante da presença da representação gráfica na escrita, pois a criança utiliza o recurso do desenho ao tentar escrever, escolhendo grandes registros para algo grande, e pequenos traços para representar algo menor, por exemplo. Outro aspecto interessante, é que ao responderem o que está escrito, as crianças fazem a leitura percorrendo toda a palavra como o dedo, sem denotar a existência das sílabas. 

A característica principal é que, as crianças nessa fase, escrevem desordenadamente, sem a correspondência entre o falado e o escrito, utilizando muitas ou poucas letras, que geralmente são as letras que lhe são familiares, como as letras de seu nome, por exemplo, ou mesmo usando símbolos ou desenhos para o registro, por isso quando começam a perceber que existe essa relação entre quantidade de palavras e sílabas correspondendo ao que é falado, passam a selecionar uma determinada quantidade de símbolos para realizarem suas escritas. Nessa fase não há a habilidade de leitura de palavras, apenas de imagens.

Hipótese de escrita silábica sem valor sonoro:

Nesta hipótese a criança passa a identificar que para escrever é necessário haver uma correspondência entre o falado e o escrito, e passa a eleger apenas as letras para sua escrita, compreendendo que não mais se pode escrever com símbolos, números, ou rabiscos, na maioria das vezes usando predominantemente as letras que lhe são familiares.

Assim, as crianças começam a escrever associando que para cada letra ou sílaba das palavras, que tem um som chamado de fonema, é preciso uma correspondência gráfica, no entanto ainda não conseguem efetuar o registro da sílaba que representa o som, e esse registro chamamos de grafema.

Por isso, chamamos essa hipótese de silábica sem valor sonoro, porque apesar de já registrarem as palavras em sílabas de número correspondente ao falado, o registro ainda não possui relação com o som, atribuindo letras ou sílabas para cada fonema, mas que não correspondem ao que foi ditado, escrevendo as palavras sem separá-las na frase. Nesse estágio ainda não há a habilidade de leitura de palavras, apenas de imagens.

Na medida em que a criança compreende que cada fonema exige um grafema, ou seja, cada som falado exige uma representação em letras ou sílabas, ela vai avançando nessa hipótese passando a atribuir valor sonoro na escrita.

Hipótese de escrita silábica com valor sonoro:

As crianças nessa etapa passam a usar as letras correspondentes ao que é falado, desenvolvendo cada vez mais a escrita, percebendo que para escrever é preciso registrar de acordo com o som de cada letra e sílaba, passando a diferenciar os sons produzidos durante a fala.

É comum nessa fase que as crianças utilizem apenas uma letra para registrar uma sílaba, geralmente a que possui o som mais forte, ou mais evidente na sua percepção. Assim, as crianças passam para a próxima hipótese quando percebem que é preciso de mais letras para registrar determinadas sílabas, principalmente ao compararem seus registros de palavras com sílabas simples com seu registro de palavras que têm sílabas mais complexas, e que na sua escrita ainda estão registradas de forma semelhante. Nessa fase as crianças escrevem ainda, na maioria das vezes, as palavras juntas ao longo da frase.

Nesta hipótese ainda há muita dificuldade de leitura, sendo possível apenas a leitura de palavras com sílabas simples, de forma bastante pausada e com auxílio.

Hipótese de escrita silábica alfabética:

Quando as crianças avançam na escrita, passando da silábica com valor para silábica alfabética significa que já começaram a registrar as sílabas correspondendo a maioria dos sons com os grafemas, omitindo uma ou outra letra, geralmente das sílabas mais complexas que possuem mais de duas letras.

Já é possível compreender o que a criança escreve a partir dessa hipótese, apesar de haver letras que foram omitidas, pois existe uma correspondência mínima entre o falado e escrito, passando a fazer a segmentação, ou seja, separar a maioria das palavras ao longo da frase. Nessa etapa as crianças já conseguem ler as sílabas mais complexas, com dificuldade, precisando de auxílio para interpretação do texto, mas com autonomia para textos com palavras simples.

Hipótese de escrita alfabética:

A criança que chegou a essa fase já consegue ter autonomia ao escrever e ler, apresentando seu texto com apenas alguns erros ortográficos que serão desenvolvidos ao longo de sua jornada escritora e leitora, uma vez que o aprimoramento da escrita se dá ao longo da vida toda.

Sua leitura já apresenta grande interpretação, apesar de desconhecer boa parte do vocabulário, o que faz necessário o uso constante do dicionário, tanto para identificar os significados das palavras desconhecidas, como para ajudar a corrigir os erros ortográficos. É comum também erros de escrita por confundir os sons de cada palavra, quando o fonema é muito parecido, como S/Z, C/S, J/G.

O desenvolvimento e aperfeiçoamento dessa fase acontecem na prática constante de leitura e escrita pelo aluno, adquirindo cada vez mais experiência na interpretação ao ler diferentes gêneros textuais, e na escrita, ao produzir constantemente os diversos gêneros textuais e ao receber a devolutiva do professor acerca de suas produções.

Como identificar a hipótese de escrita que seu aluno está?

Para isso é necessário realizar o que chamamos de sondagem de escrita, que é um ditado realizado pelo professor de uma lista de palavras de um mesmo campo semântico, que significa ser necessário que as palavras sejam unidas pelo mesmo sentido, como por exemplo, uma lista de animais ou de frutas.

Essa sondagem deve ser feita de maneira individual com cada estudante, com o professor ditando cada palavra vagarosamente, mas sem separar as sílabas, para que possa observar como a criança escolhe as palavras, como escreve e depois de cada palavra o professor deve pedir que a criança leia em voz alta identificando a leitura com o dedo, ou o lápis.

É necessário também que a sequência a ser ditada siga de maneira decrescente o número de sílabas, sendo a primeira polissílaba, depois uma trissílaba, em seguida uma dissílaba e a última palavra monossílaba, ao final deve ser ditada uma frase composta por uma das palavras da lista.

Exemplo de palavras e frase para a sondagem:

RINOCERONTE

ELEFANTE

JACARÉ

ONÇA

A ONÇA É UM ANIMAL CARNÍVORO.

É muito importante que a sondagem seja feita logo no início do ano letivo, de preferência na primeira semana, porque é um instrumento de avaliação diagnóstica, um documento de grande importância, e irá nortear o seu trabalho com cada aluno, para o desenvolvimento do que cada um precisa dentro de sua habilidade escrita e leitora. Além disso, deve ser realizada periodicamente, mensalmente ou bimestralmente, para analisar o avanço de cada aluno, como também para que o professor possa avaliar seu trabalho, no que deve avançar e o que deve retomar.

Espero muito que este texto tenha contribuído com seu trabalho, e agora em diante já tem as ferramentas que precisa para ajudar os seus alunos, que por diversos motivos, infelizmente acabam avançando na educação básica com muitas dificuldades na habilidade de ler e escrever. Bom trabalho!

Ingrid Dehn Rodrigues – trabalha na área da educação há 11 anos, professora há 4 anos, graduada em Pedagogia pela FEUSP, pós-graduação em Educação Infantil pela UNINOVE, atualmente é professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental I na prefeitura de São Paulo.

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