Uma cultura de resistência. A Revolta dos Marinheiros de 1936
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Uma cultura de resistência. A Revolta dos Marinheiros de 1936

A Culture of Resistance. The 1936 Revolt of the Sailors
Luísa Tiago de Oliveira
p. 217-237

Resumos

Neste artigo, a Revolta dos Marinheiros de 1936 é perspectivada no quadro das oposições ao Estado Novo, numa escala micro, atendendo às subjectividades envolvidas, para o que se procurou recuperar a voz dos marinheiros. Para tal, importou reconstituir a revolta, identificando os seus actores, detectando os seus objectivos, caracterizando o seu percurso, assim como analisar a relação do levantamento com a Guerra Civil de Espanha e o papel nele desempenhado pelo Partido Comunista Português. Numa reinterpretação, defende-se que o conceito-chave para entender a revolta é o de “cultura de resistência”.

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Notas do autor

Agradeço a leitura atenta e as múltiplas sugestões de Ana Mouta Faria, Carlos de Almada Contreiras, Fátima Sá, João Freire e Paula Godinho, bem como todo o apoio da Dr.ª Isabel Beato na Biblioteca Central de Marinha – Arquivo Histórico. Agradeço também à Associação de Praças e ao Clube de Praças da Armada pelo convite para participar em sessões evocativas da revolta de 1936 no Feijó (08-09/07/2016) e em Almada (26/10/2016), assim como a Domingos Abrantes pela entrevista concedida (27/04/2021). Dedico este artigo à memória de António Lúcio Rodrigues.

Texto integral

1O levantamento de marinheiros em navios da marinha de guerra no ano de 1936 encerra o ciclo de revoltas contra a Ditadura Militar e o Estado Novo anteriores à Segunda Guerra Mundial, nomeadamente as de 1927, 1928, e 1931, lideradas pelos reviralhistas, e a greve geral de 1934, com forte participação anarquista e comunista, sendo que ainda será de referir a revolta de 1935 de conteúdo política mais confuso e, posteriormente, outros actos pontuais mas com eco público como as bombas colocadas em ministérios ou o atentado contra Salazar. Se perspectivarmos a revolta de 1936 em função das anteriores, salienta-se que a rebelião marinheira se caracteriza por ser aquela em que os comunistas têm mais força, se comparados com os reviralhistas e os anarquistas, por um lado, e, por outro, por ser um levantamento exclusivamente de natureza militar – o que é caso único.

  • 1 Respectivamente, Sinais de Fogo, realizado por Luís Filipe Rocha (1995), e O Ano da Morte de Rica (...)
  • 2 Revista da Armada, 34-36, Julho-Setembro de 1974; Avante!, 06-09-1974; testemunhos em Machaqueiro (...)
  • 3 A memória da revolta dos marinheiros é analisada num texto complementar deste, Oliveira (no prelo (...)

2É com a revolta dos marinheiros que terminam dois grandes romances da literatura portuguesa, tal como sublinhou Manuel Loff (2016, 103-105). Trata-se de Sinais de Fogo, de Jorge de Sena (1979), e de O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago (1984), tendo ambos sido adaptados ao cinema.1 Também há muito que existe a curta brochura memorial de João Faria Borda (1974), aquele que foi a “alma” da revolta, assim como estão publicadas e gravadas algumas outras vozes dos revoltosos.2 E as evocações representam uma prática que, a partir de certa altura, se tornou continuada.3 Se estas aconteciam mesmo no Estado Novo (aquando de projecções clandestinas do filme O Couraçado Potemkine, de Sergei Eisenstein, de 1925), depois do 25 de Abril, num quadro em que os marinheiros revoltosos foram reintegrados na Armada, a evocação da revolta ganhou outros contornos e amplitude. Decorreram sessões e debates, foram editadas publicações apoiadas pelos organizadores das evocações, e efectuadas exposições, eventos de vários tipos, concertos, refeições evocativas e convívios. Culminando um processo de mobilização vindo desde 1997, o Presidente da República Jorge Sampaio atribuiu, em 1999, a Ordem da Liberdade aos revoltosos tarrafalistas sobreviventes. Mais tarde, foi inaugurado um monumento ao marinheiro insubmisso, no Feijó (Almada), em 2009. Também nesse ano, o dia 8 de Setembro foi escolhido para Dia Nacional das Praças dos Três Ramos das Forças Armadas (Exército, Marinha e Força Aérea). E, em aniversários redondos, as evocações adensam-se, como foi o caso em 2016.

3Se na literatura e nas artes, assim como nos testemunhos e evocações, o acontecimento está presente, já não é assim noutros campos. Deste modo, em história e nas ciências sociais escasseiam estudos científicos em que seja um objecto de análise nuclear. Além de emergir de forma pontual em obras genéricas, a revolta de 1936 surge laconicamente em obras focadas de arco cronológico amplo. É o caso de uma obra de João Freire (2010a) que se propõe analisar a relação da Marinha com o poder político no longo prazo, além de um outro texto de natureza sociológica em que defende ter a Marinha uma dupla identidade, militar e marinheira (Freire 2003). Por seu turno, Irene Pimentel (2014) aborda rapidamente a revolta de 1936 ao seguir o percurso diacrónico das reconfigurações da oposição ao Estado Novo. Curta e prudente é também a referência feita à revolta de 1936 por António José Telo (1999) na sua história da Marinha portuguesa, quando aborda a guerra civil de Espanha e as missões da Armada nesse período. Já Luís Farinha (1998, 2020) dedica à revolta observações pontuais em obras sobre o reviralhismo e sobre as características partilhadas com as revoltas lideradas por esta corrente assim como um informativo texto de síntese (2008).

4Na biografia política de Álvaro Cunhal, José Pacheco Pereira (1999) situa a revolta no percurso do PCP com as suas sucessivas reorientações em diferentes conjunturas nacional e internacional. Também Álvaro Garrido (2009) escreveu uma biografia política, agora de Henrique Tenreiro, na qual aborda a revolta na perspectiva do papel deste último na sua repressão, que contribuiu para a sua ascensão na estrutura do Estado Novo. Existem ainda textos que mencionam a revolta embora a sua problemática assente na posição dos estados, das organizações e dos portugueses durante a guerra civil de Espanha, assim como na sua memória: César Oliveira (1987), em obra fundadora, encara a revolta como um acto antifascista que se traduziu na vontade de ir com os navios apoiar os republicanos; João Brito Freire (1996) lê a revolta como visando sobretudo a queda do governo, num quadro de atenção à política do PCP face à guerra civil de Espanha. Finalmente, Manuel Loff (2006, 77-129) analisa a revolta como um referente emocional na longa memória da guerra civil de Espanha nas artes e na historiografia.

5Como monografias sobre a Revolta dos Marinheiros, apenas dispomos de dois títulos. Primeiro, temos o livro de Gisela Santos de Oliveira, que começou por ser um trabalho académico no quadro de uma licenciatura em jornalismo, baseado na bibliografia existente e na imprensa oficial e clandestina da época (designadamente o Avante! e O Marinheiro Vermelho), imprensa esta sistematicamente analisada, sendo o objectivo da monografia uma reconstituição do sucedido, atendendo ao contexto, para o que caracteriza em termos muito gerais o Estado Novo e o seu quadro internacional; o livro foi publicado em 2009 pela própria comissão de homenagem aos revoltosos. Mais tarde, em 2019, surgiu uma dissertação de mestrado em ciências militares navais, da autoria de José Eduardo Capinha Henriques, escrita a partir da perspectiva do envolvimento naval e dos dispositivos militares, com uma componente fortemente técnica.

  • 4 Sobre revoltas e intervenções marinheiras na política em Portugal (ocorridas em 1906, 1910, 1915, (...)

6Instigada pelo perfil das evocações em que participei, em 2016, por testemunhos e por obras literárias, com base em bibliografia e na consulta dirigida do Arquivo Histórico de Marinha, propus-me revisitar a história da Revolta dos Marinheiros de 1936. Tal pode ser efectuado na óptica dos levantamentos e das intervenções marinheiras na política em Portugal e no mundo.4 Porém, neste texto, optei por perspectivar a revolta marinheira no quadro das oposições ao Estado Novo, numa escala micro, atendendo às subjectividades envolvidas. Com este fim, procurei recuperar a voz dos marinheiros, privilegiando o discurso directo, sempre que possível. Para tal, importou reconstituir a revolta, identificando os seus actores, detectando os seus objectivos, caracterizando o seu percurso, assim como analisar a relação do levantamento com a guerra civil de Espanha e o papel nele desempenhado pelo Partido Comunista Português (PCP).

7Numa reinterpretação, defendo que o conceito-chave para entender a revolta é o de “cultura de resistência”, sem esquecer a história e as práticas das organizações políticas então existentes. Para tal, mobilizo o conceito proposto e desenvolvido para os mais variados contextos por James Scott (2013). De acordo com este autor, poder-se-á falar de uma cultura de resistência se nos referimos a uma situação em que coexistem gestos quotidianos de resistência, mais ou menos discretos ou escondidos, com movimentos sociais de contestação aberta, mais raros, articulando-se ambos com redes sociais de vivência diária, estruturando uma identidade de grupo que permite a este partilhar uma mesma mundividência, memória e idioma social, que podem ser utilizados em contextos novos para desencadear acções que, por seu turno, reforçam a sua cultura e identidade.

1. O percurso da revolta

8Na década de 1930, o Estado Novo tinha praticamente constituído uma nova esquadra, tendo desarmado os antiquados navios da época da Grande Guerra e adquirido os então chamados “navios novos”, nomeadamente aqueles que depois iriam participar na revolta. As condições de vida e de trabalho a bordo eram melhores do que as anteriormente existentes, mas continuavam muito difíceis, para o que contribuía o regime político-disciplinar existente. A tradição política da Marinha era republicana e de intervenção, como foi visível em especial na proclamação da República e depois durante a Primeira República. Apesar do carácter repressivo do Estado Novo, o ambiente marinheiro e ribeirinho de Lisboa, onde se situavam as mais importantes instalações navais, era politizado, ouvindo-se críticas ao regime. Fazia-se sentir a presença da Organização Revolucionária da Armada (ORA), fundada em 1932, uma estrutura autónoma do PCP, enquadrada e integrada por comunistas, mas acima de tudo e a partir de certa altura de teor antifascista.

  • 5 Testemunho de Manuel Guedes, Avante!, 06-09-1974, p. 8.

9Para a sua criação, alguns marinheiros teriam procurado o PCP. Segundo Manuel Guedes, o fundador e primeiro dirigente da organização, nestes contactos exprimiram a sua vontade: “Queríamos constituir uma organização autónoma e tínhamos assim umas quantas ideias: não queríamos misturas com civis, a organização era só da Armada e mais umas coisas. Andou-se para trás e para a frente e acabou-se então por fazer a organização”.5 O órgão de imprensa da ORA, O Marinheiro Vermelho, que tinha como subtítulo Órgão das Células do PCP na Marinha de Guerra – O.R.A., começa a ser publicado em 1934, tratando de problemas como as más condições de vida, os baixos salários ou o tratamento a que estavam submetidas as praças da Armada bem como a necessidade da revolução comunista num quadro internacional em que o fascismo era identificado como um problema maior.

10Em 1935, no VII Congresso da Internacional Comunista, Bento Gonçalves, secretário-geral do PCP e operário também ele no Arsenal da Marinha (então em Lisboa), afirmava ser esta a situação:

  • 6 Citado em O PCP e o VII Congresso da Internacional Comunista, Lisboa, Edições Avante, 1985, p. 19

Cerca de 20% dos efectivos do Partido são constituídos por marinheiros da Marinha de Guerra. O jornal O Marinheiro Vermelho do Partido é distribuído em 1000 exemplares entre os marinheiros. Em média, 700 jornais são integralmente pagos. Para compreender bem o valor destes números, é preciso ter em conta que a marinha de guerra portuguesa é constituída por um total de 5000 homens.6

11Nesta sua intervenção, Bento Gonçalves mencionava também o “importante trabalho” desenvolvido no exército, que teria levado a que alguns sargentos tivessem feito ao PCP uma proposta insurreccional em 1933. Segundo Álvaro Cunhal (1996, 85), no Exército o PCP também editava O Soldado Vermelho. Contudo, não era comparável o alcance da organização do PCP no Exército e na Marinha.

12Muitas décadas mais tarde, o historiador José Pacheco Pereira (1999, 214) considerou a ORA como “a principal organização sectorial do PCP, aquela que, pela sua posição estratégica nas forças armadas, dava ao débil partido alguma importância junto das outras forças políticas da oposição”. Não há então notícia de outras forças políticas organizadas no seio do Corpo de Marinheiros da Armada e os grupos carbonários ou mesmo maçónicos dos primeiros anos do século XX pareciam ter desaparecido. Nessa altura, existia uma Organização Revolucionária de Sargentos (ORS), com base no Exército, mas também com alguma presença na Aeronáutica Militar, hegemonizada pelos reviralhistas, que efectuou contactos com a Marinha (Catarino s.d., 45 e 47-48; Henriques 2019, 17; Pereira 1999, 217). Todavia, não parece ter existido convergência conspirativa substancial anti-Estado Novo no campo militar nos meados dos anos 1930, apesar de o PCP estar então envolvido numa estratégia frentista, de acordo com as directrizes emanadas do VII Congresso da Internacional Comunista, que tinha passado da política de “classe contra classe” para a política de “Frente Popular” antifascista. Também os anarquistas que tinham escapado à repressão e que se mobilizaram contra as ajudas de Salazar a Franco terão estado sempre apartados desta politização dos marinheiros.

  • 7 Testemunho de Manuel Guedes, Avante!, 06-09-1974, p. 8.
  • 8 O Marinheiro Vermelho, II série, suplemento ao nº 2, sem data [entre 09-09 e 23-10-1936], p. 2.

13A corveta-couraçada Vasco da Gama terá sido, inicialmente, um dos navios onde a ORA mais se difundiu, segundo o antigo dirigente da organização citado; sendo os marinheiros com mais de três anos de serviço num navio os primeiros a serem transferidos quando necessário, por um lado, e, por outro, tendo o navio sido progressivamente desactivado, a dispersão dos marinheiros acabou por levar a ORA a outras unidades.7 A sua mundividência, mais ribeirinha e algo marginal, ter-se-á cruzado com a dos jovens vindos das escolas técnicas (industriais) que tinham entrado para a Marinha atraídos pela necessidade de guarnição dos “navios novos”, tecnicamente mais avançados. Bem mais tarde, no primeiro número de O Marinheiro Vermelho posterior à derrota, a modernidade técnica destes navios é, aliás, evocada como um factor a ter em conta no desencadear da revolta: “Não soubemos combater devidamente o entusiasmo imoderado que o novo material de guerra entre nós causava, o que levava a uma excessiva confiança nele, transferida depois para as nossas possibilidades”.8

  • 9 Ver testemunhos citados na nota 2, assim como Cunhal (1996, 86-87), Pereira (1999, 219-220), Frei (...)

14Apesar da sua expansão, a ORA foi decapitada em 1935, sendo presos cerca de 30 marinheiros. Todavia, a direcção reconstituiu-se, passando a ser liderada por João Faria Borda e Fernando Vicente, sendo que a organização apresentava uma proximidade menos vincada com o PCP, num momento em que Bento Gonçalves, aliás, já fora preso. Entre os marinheiros, surgiam ideias várias de como fazer um levantamento, ir para os Açores libertar os camaradas presos assim como outros presos políticos, exigir a demissão de Salazar e dos membros do governo ou, ainda, capturar estes em visita oficial prevista ao navio Afonso de Albuquerque.9 Face a este clima conspirativo na ORA, altos responsáveis do PCP, como Miguel Russell, Alberto Araújo e Álvaro Cunhal, reuniram-se com a organização, procurando evitar uma insurreição precipitada (Cunhal 1996, 87; Freire 1996, 188-189; Pereira 1999, 218-219; Russell 2008, 48-49).

  • 10 Ver Borda (1974, 18-20); testemunho de Josué Martins Romão em AAVV (1998, 19); entrevista de Joaq (...)

15Naqueles anos, tal como em anteriores, os marinheiros efectuaram levantamentos de rancho, o que representa sempre um acto de insubordinação. Citemos actos referidos em testemunhos vários. De acordo com estes, os marinheiros trocavam entre si frases directas ou com subentendidos contra Salazar, referido implicitamente com outros nomes. Clandestinamente, os marinheiros escreveram ou afixaram palavras de ordem assim como colocaram bandeiras vermelhas nos navios e nas instalações navais, podendo destas ter sido simuladas através de panos vermelhos, sendo até narrado que pintaram foices e martelos. Num desfile em 1936, no âmbito das comemorações do 10º aniversário do golpe de 28 de Maio, os marinheiros chegaram mesmo a manter a formatura mas sem saudar com “vivas” o Presidente da República, como estava previsto.10

  • 11 Testemunho de Abílio Carregosa [sic] em Carlos Santos Pereira, Salazar e o Triunfo do Franquismo, (...)
  • 12 Testemunho de Joaquim de Sousa Teixeira em Paraíso (2007, 39’-39’10).

16Este clima de disposição à revolta antecedeu e coincidiu com o eclodir da guerra civil de Espanha a 18 de Julho. Nessa década de 1930, num contexto europeu e mundial de afirmação dos fascismos e autoritarismos, de que o Estado Novo constituía um exemplo, Espanha tinha representado e representava um horizonte de esperança: primeiro, a proclamação da República em 1931; depois, a vitória da Frente Popular nas urnas em Fevereiro de 1936 e as mudanças políticas e sociais subsequentes; em seguida, a resposta dos republicanos espanhóis ao golpe militar de Franco de Julho de 1936 que não permitiu a este vencer imediatamente, iniciando-se então a guerra civil de Espanha (1936-1939). Para além das afinidades das oposições portuguesas com os republicanos espanhóis (nas suas várias correntes), seria difícil a existência duradoura de dois regimes opostos no espaço assaz fechado da Península Ibérica, pelo que também por isso as oposições portuguesas se apoiavam nos republicanos espanhóis e queriam evitar a sua derrota. Um grevista do 18 de Janeiro de 1934, que posteriormente foi para o Tarrafal, exprimiu deste modo o sentimento da oposição portuguesa: “Toda a nossa esperança era a Espanha. Toda a nossa esperança era a Espanha! Nós esperávamos que a nossa libertação poderia ser uma consequência da evolução da guerra civil espanhola a nosso favor”.11 Afirmação semelhante de “esperança” no desenlace da “Guerra de Espanha” proferiu um marinheiro revoltoso de 1936, também enviado para o Tarrafal.12 Este “nós” era peninsular, vinha de trás e acentuou-se durante a guerra civil espanhola, sendo o termo “esperança” recorrente.

  • 13 Testemunhos em geral; Henriques (2019, 19).

17Regressando a Portugal e ao início da guerra, nessas primeiras semanas a Armada portuguesa viajou para portos espanhóis nacionalistas e republicanos, essencialmente para repatriamento de portugueses, o que não esteve isento de percalços e incidentes. Alguns destes problemas surgiram devido à iniciativa de espanhóis que, apesar da sua nacionalidade e de se tratar de missões dirigidas a portugueses, tentaram embarcar e o fizeram mesmo, procurando refúgio ou transporte nos navios portugueses. Mas também ocorreram problemas por outras razões, sendo a fundamental a orientação quanto às saídas da guarnição portuguesa dos navios que, para todos os efeitos, eram navios de guerra, estando a sua guarnição sob alçada militar. Oficialmente, não era permitida a saída dos marinheiros portugueses nos portos republicanos, contrariamente ao que acontecia em portos nacionalistas.13 Os marinheiros confrontaram-se, assim, com posturas diferentes, o que teve evidentes leituras políticas.

  • 14 Futuro historiador e preso político, primeiro director do Instituto Cervantes, criado após a mort (...)

18No que ora interessa, a 21 de Agosto, o navio Afonso de Albuquerque partiu para o Levante espanhol sob domínio dos republicanos, mas também com passagem pelas Baleares, então sob controlo parcial dos franquistas, sobretudo com a missão de recolher, em vários portos, portugueses que quisessem regressar devido à guerra civil. Estavam em vigor as regras gerais sobre as saídas em portos republicanos e nacionalistas. Vários marinheiros reagiram e não cumpriram as determinações, concordando todos os testemunhos em que os marinheiros efectuaram contactos nos portos republicanos espanhóis. Evoquemos apenas um desses testemunhos pela sua originalidade. A bordo do navio Afonso de Albuquerque viajava Nicolas Sánchez-Albornoz, com 10 anos, filho do embaixador da República de Espanha, entrado em Alicante para se reunir à sua família em Lisboa.14 Em 2012, em livro autobiográfico, testemunhará esta viagem, vista pelos seus olhos de criança atenta a baleias e canhões mas também a outras coisas, cruzando as memórias com o seu conhecimento posterior sobre essa fase da guerra civil: conta ter visto marinheiros portugueses a conversarem com marinheiros espanhóis em embarcações salva-vidas baixadas do navio, em Cartagena, precisamente uma base naval em que os republicanos tinham derrotado a insurreição dos oficiais nacionalistas contra o governo republicano espanhol (Sánchez-Albornoz 2012, 29).

  • 15 Biblioteca Central de Marinha – Arquivo Histórico (BCM-AH), Ordem do Dia ao Corpo nº 198, 08-09-1 (...)
  • 16 Ministério da Marinha / Estado Maior Naval / Superintendência dos Serviços da Armada. Índice de L (...)
  • 17 Ver Borda (1974, 22); testemunho de Joaquim Santos em Revista da Armada, 34, Julho de 1974, p. 23 (...)

19Quando o navio regressou, a 4 de Setembro, foram imediatamente afastados da Armada 17 praças (cabos e grumetes).15 Na Ordem do Dia, a Marinha invocou laconicamente o artigo nº 241 do Regulamento Geral Orgânico das Brigadas da Armada, artigo este que permitia passar à reserva ou dar baixa às praças “que [deixassem] de revelar as necessárias aptidões, entre as quais a honestidade e a sobriedade no exercício das suas funções profissionais ou cuja permanência no serviço activo não seja proveitosa para a Disciplina”.16 Os marinheiros atribuíram o afastamento da Armada das praças aos contactos tidos com os republicanos espanhóis. Nessa altura, além das 17 praças afastadas, temiam-se mais expulsões, mais repressão e o desmantelamento da ORA. Em ligação com a Frente Popular Portuguesa, apoiada pela ORA, decorreram novas reuniões com propósitos insurreccionais.17 Apesar de considerar a insurreição precipitada, e já que a ORA ia avançar, segundo o dirigente do Socorro Vermelho Internacional e comunista Miguel Russell (2008, 48-49), o PCP decidiu também participar, encarregando-o de entrar na revolta, decisão que não consta dos registos memoriais e políticos de Álvaro Cunhal.

20Na noite de 7 para 8 de Setembro, as praças dos avisos Bartolomeu Dias e Afonso de Albuquerque e do contratorpedeiro Dão levantaram-se pela reintegração dos 17 expulsos, sendo suposto serem acompanhados na revolta pelos navios Pedro Nunes e Gil Eanes, o que não aconteceu. Os oficiais que estavam de serviço nesse dia (oficial de dia) nos três navios insurrectos foram detidos nos seus camarotes. Se reintegrar os camaradas expulsos do Afonso de Albuquerque constituía o objectivo principal destes marinheiros, muitos dos quais com 18/20 anos, uma nebulosa de hipóteses para o conseguir estava também presente. Estas iam desde o ultimato ao governo até ao bombardeamento da Assembleia Nacional, de rumar para os Açores (onde estavam muitos presos políticos, entre os quais Bento Gonçalves, que tentariam libertar) ou ainda a iniciar nesse arquipélago o levantamento contra o regime, num quadro de grande empatia pela Espanha republicana. Algumas destas ideias vinham de trás, como já foi referido, enquanto outras radicavam na situação do momento. Pouco depois da revolta, afirmava sinteticamente O Marinheiro Vermelho:

  • 18 O Marinheiro Vermelho, II série, suplemento ao nº 2, sem data [entre 09-09 e 23-10-1936], p. 2.

Na madrugada de 8 de Setembro, as tripulações do Afonso de Albuquerque e do Dão, como protesto contra as prisões e expulsões que haviam sido feitas no primeiro destes barcos, aquando do seu regresso de Espanha, resolveram como meio de evitar novas prisões que se anunciavam, e como manifestação como repulsa contra a política de intervenção em Espanha, sair com os barcos do porto de Lisboa, aguardando fora da barra a satisfação das suas reivindicações.18

  • 19 Testemunho do próprio e de João Faria Borda em entrevista colectiva em Avante!, 06/09/1974, p. 8.
  • 20 A prevista participação insurreccional de Miguel Russell está, todavia, omissa do seu livro de me (...)

21Os contratempos da revolta foram muitos, porém. Desde logo, as embarcações que deveriam ir buscar mais revoltosos para os navios envolvidos na rebelião não conseguiram cumprir a sua missão. Cite-se apenas um exemplo das várias iniciativas para ir buscar reforços: o de Joaquim Gomes Casquinha que, tendo-se dirigido para terra com esta missão, quando a sua embarcação se imobilizou inesperadamente, para tentar resolver o problema, passou um cabo à cintura e foi a nadar para Cacilhas, puxando pela embarcação e acabando a pedir reboque a um mestre cacilheiro que ia para o Cais do Sodré; quando conseguiu chegar ao ponto de encontro neste último local, bem mais tarde, não encontrou os marinheiros que se deveriam ir juntar aos revoltosos.19 Também o civil e comunista Miguel Russell (2008, 48-49), envergando um fato de marinheiro, se terá desencontrado das praças que o deveriam ir buscar, esperando em vão transporte para os navios sublevados no Cais do Sodré.20 Situações como esta são significativas do tipo de envolvimento assim como da fragilidade organizativa da revolta.

  • 21 BCM–AH, Fundo/Núcleo 150, Livro de Registo de Ocorrências, 1935-1938, Afonso de Albuquerque, Rela (...)

22O levantamento inicial no Bartolomeu Dias acabou por fracassar por não ter sido possível colocar as caldeiras a funcionar. Neste decorrer acidentado das operações, os revoltosos saíram do navio, sabotando peças para não serem alvejados, e passaram para o Afonso de Albuquerque, que deveria vir a ser o navio-chefe. Neste último navio, na madrugada de dia 8, três marinheiros, ao prenderem o oficial de serviço, afirmaram ser a "revolta contra a injustiça feita a muitos camaradas inocentes que haviam levado baixa e para evitar que o Vouga fosse para o Algarve esperar o Douro onde se ia fazer a mesma injustiça que haviam feito neste navio" – segundo o texto respeitante a esse dia, escrito por aquele oficial no Livro de Registo de Ocorrências do Aviso de 1ª Classe Afonso de Albuquerque.21 Por ter sido alertado por denúncias ou pela movimentação em navios e embarcações, o ajudante-de-campo do ministro da Marinha, futuro almirante Henrique Tenreiro, dirigiu-se num rebocador na direcção dos navios, designadamente do Afonso de Albuquerque, tendo o diálogo sido áspero e havendo troca de tiros. As autoridades estavam, pois, ao corrente da revolta, perdendo-se um eventual efeito de surpresa.

  • 22 Relatório citado de António Dolberth Ferreira Dinis, p. 55B.

23Os navios Afonso de Albuquerque e Dão prepararam-se para sair da barra do Tejo. No caso do Afonso de Albuquerque, depararam com problemas técnicos para o conseguir, pelo que solicitaram a colaboração do oficial preso já citado, que simulou uma síncope e recolheu à enfermaria, escrevendo depois no seu relatório ter ouvido na altura “falar em desistir de sair a barra e até mesmo em rendição”.22 Não ultrapassando as dificuldades, tendo-se atrasado o desencadear e o decurso da revolta, e tendo amanhecido, os navios revoltosos sofreram fogo de artilharia de terra, feito a partir dos fortes de Almada e do Alto do Duque, a que ripostaram. Atingido o Afonso de Albuquerque pelos disparos dos fortes, deflagrou um fogo a bordo. O oficial de serviço preso, já recuperado, prontificou-se a ir apagá-lo, tendo depois afirmado ter visto então “muito pessoal na água a nadar”. O mesmo viria a fazer aliás o próprio, um pouco mais tarde, atirando-se à água, para, segundo o seu testemunho, tentar salvar o navio e solucionar a situação, indo a terra. Devido ao bombardeamento (que continuou apesar de hasteada a bandeira branca), principiou a entrar água no Afonso de Albuquerque pela proa, a estibordo, começando o navio a inclinar e vindo mais tarde a ser encalhado no Dafundo. Também o Dão foi atingido, morrendo o marinheiro do leme, e sofreu um incêndio a bordo, imobilizando-se perto de Porto Brandão. Os marinheiros içaram lençóis brancos.

  • 23 Relatório citado de António Dolberth Ferreira Dinis, p. 56.
  • 24 Museu de Almada – Arquivo de História Oral, Testemunho de Maria Generosa Cruz (transcrição patent (...)

24A revolta foi derrotada. As dificuldades técnicas dos insurrectos para dirigir os navios e para fazer funcionar o seu armamento contra o fogo de artilharia de terra selou o rápido desfecho da revolta. Na refrega, alguns homens foram logo atingidos e outros atiraram-se à água, como vimos. O regime agiu imediatamente também nas margens do Rio Tejo. Continua o oficial citado: “Os revoltosos fugiam, mas isso não me dava cuidado pois àquela hora as margens já estariam bem policiadas para os receber”.23 À beira do Tejo, os populares tiveram comportamentos diferentes perante os marinheiros que se tinham atirado à água em fuga dos navios bombardeados, nadando para terra. Alguns denunciaram-nos; porém, outros (entre os quais pescadores) foram discretos ou esconderam-nos mesmo, alimentaram-nos e deram-lhes roupa seca – como se pode ver em testemunho recente, que adianta ainda que “ninguém gostava da polícia”.24 Apesar de, nalguns casos, ter sido dado abrigo aos marinheiros e de terem sido ajudados a fugir, só dois deles, António Dinis Cabaço e Armindo Almeida (também conhecido como “Peru”), conseguiram escapar, tendo-se o primeiro entregado uns dias depois e vindo o segundo a falecer precisamente na guerra civil de Espanha (Machaqueiro 1995, 26-28; Cunhal 1996, 87-88; Oliveira 2009, 67; Abrantes 2016, 40-42).

  • 25 Irene Pimentel (2014, 179) e Álvaro Garrido (2009, 112) apontam 10 mortos.

25Tentando fazer um balanço, note-se, antes do mais, que se verificaram cinco mortes (todas do lado dos revoltosos) e mais de 20 feridos (Oliveira 2009, 68; Farinha 2020, 72-73).25 A repressão foi forte e imediata. Foram acusadas 208 praças, das quais 92 foram a julgamento (Garrido 2009, 113-114). As punições foram muito duras no seio da Armada: 82 praças condenadas, com penas pesadas de deportação e prisão que atingiram de 16 a 20 anos (Garrido 2009, 114; Pimentel 2014, 179). Acresce que também oficiais foram afastados: desde logo, foram demitidos os oficiais de serviço dos navios Afonso de Albuquerque, Bartolomeu Dias e Dão; e foram passados à reserva os três comandantes dos navios (apesar de, estando os navios parados, estes não se encontrarem a bordo), tendo um deles sido depois reabilitado (Freire 2010a, 9; Freire 2018, 42). Nas fotografias da época (ver Figura 1), quando são presos ou transferidos de um local para outro, os marinheiros aparecem descalços e mesmo despidos, o que não pode deixar de ter constituído uma humilhação.

26Do conjunto de 82 marinheiros condenados, 48 foram enviados para a fortaleza de Angra do Heroísmo (Açores), como tinha acontecido anteriormente com os seus camaradas da ORA já presos, e 34 seguiram para o campo de concentração do Tarrafal (Santiago, Cabo Verde) (Garrido 2009, 114; Freire 2010a, 90; Pimentel 2014, 179). Assim narram os sobreviventes, em trabalho colectivo, a sua partida:

Pela madrugada de 18 de Outubro de 1936 saíram da Penitenciária de Lisboa trinta e quatro marinheiros. Éramos considerados como os mais responsáveis pela revolta dos navios de guerra Afonso de Albuquerque, Bartolomeu Dias e Dão. Meteram-nos em carros celulares que, pela cidade adormecida e em silêncio, seguiram até ao cais da Rocha de Conde de Óbidos, onde havia grande concentração guerreira de carros de assalto da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana. Agentes da polícia política dirigiam as operações. Ouvíamos motores, vozes de comando. Atracado ao cais estava o Luanda que nos iria levar. Deram-nos ordem para formarmos em fila indiana e dirigimo-nos para o navio, em silêncio, naquela angústia de quem vive momentos decisivos que para sempre nos marcam; aquela angústia de quem vai por caminho com portas que se fecham nas nossas costas e por onde não poderemos voltar a passar. Então, no ar frio da manhã e em nós, ficou a vibrar uma voz de mulher: — Adeus, Josué! Não te esqueças de escrever! (Sousa 1978, 27)

Figura 1. Desembarque e prisão de marinheiros revoltosos na Doca de Belém

Figura 1.  Desembarque e prisão de marinheiros revoltosos na Doca de Belém

Fonte: BCM-AH, caixa 901, ficha 8

  • 26 Sena (1979, 529) citado por Loff (2016, 104).

27Este “adeus, Josué” que atravessa o silêncio, ouvido por quem ia embarcar para o Tarrafal e lembrado tantos anos depois, não pode deixar de evocar a solidão e os pressentimentos do momento. Solidão é precisamente o que sente Jorge, a personagem central de Sinais de Fogo de Jorge de Sena (1979), romance cujas últimas páginas se passam quando Jorge sabe das notícias da revolta dos marinheiros, já derrotada. Como observou Manuel Loff, no final da obra Jorge sente, ao sair para a rua, que “a solidão que era a [sua] não era senão um caso particular de outra solidão maior que se abatera sub-reptícia sobre tudo e todos, e a que todos se sujeitavam sub-repticiamente”.26 O historiador notou ainda que, no final deste romance assim como no epílogo de O Ano da Morte de Ricardo Reis de José Saramago (1984), a solidão/desaparecimento das personagens é concomitante com a derrota da revolta.

  • 27 Sobre violência punitiva e violência preventiva no Estado Novo, ver Rosas (2019, 2013).

28Depois de uma viagem com escalas para embarque de mais presos, os marinheiros deportados chegaram ao Tarrafal a 29 de Outubro de 1936, integrando a primeira leva de 151 prisioneiros que inauguraram o campo de concentração – não estando este ainda terminado, tiveram de trabalhar na sua construção nos primeiros tempos. Nesses anos de 1930/princípio dos anos 1940, de maior crispação política do Estado Novo, estiveram presos e morreram, no arquipélago, conhecidos dirigentes das várias oposições, desde o general Sousa Dias, reviralhista, ao operário comunista Bento Gonçalves e ao ferroviário anarquista Mário Castelhano, para apenas citar alguns dos mais conhecidos. O mesmo destino tiveram alguns dos marinheiros revoltosos enviados para esse campo de concentração que se tornou símbolo da violência punitiva do regime: dos 34 marinheiros deportados, também cinco aí morreram.27

2. Questões polémicas

  • 28 Carta de João Faria Borda publicada in Revista da Armada, 34, Julho de 1974, p. 22.

29Apenas objecto de duas monografias, ambas de difusão muito restrita, a Revolta dos Marinheiros de 1936 suscitou vários debates, designadamente um em torno das razões da revolta. O Estado Novo acusou os marinheiros revoltosos de terem falta de valores patrióticos, ao pretenderem entregar os navios portugueses à Armada republicana espanhola, apoiando o comunismo que aí estaria no bloco do poder. Porém, não foi apenas o regime que defendeu a vontade de apoio à Espanha republicana como razão principal da revolta: esta postura também caracterizou a esquerda portuguesa que sentia como sua, por muitos anos, a causa da Espanha republicana e antifascista. Relembremos que o primeiro número de O Marinheiro Vermelho posterior à revolta apresenta-a como sendo motivada pelas expulsões de praças, mas tendo uma vertente de “repulsa contra a política de intervenção em Espanha”. Décadas mais tarde, em 1974, João Faria Borda, o principal mentor da revolta, escreveu: “A par de uma solidariedade para com os nossos camaradas, a par de combater o fascismo português, não haja dúvidas que o detonador que fez saltar o ’barril de pólvora’ foi a Guerra Civil de Espanha”.28 E, em 1986, numa publicação evocativa do 50º aniversário da revolta, podia-se ler:

  • 29 Folheto citado in Versus, Setembro de 1986, por sua vez citado por Gomes (2006, 77).

Foi uma tomada de posição face a atitudes do governo no plano externo e que eram de claro apoio a forças nacionalistas que se opunham aos republicanos na Guerra Civil de Espanha. […] É neste contexto que surge a revolta de 8 de Setembro de 1936, em que um grupo de marinheiros tenta fugir para se unir à armada republicana espanhola.29

30Se tal linha de interpretação da revolta aparece, como principal ou não, nestes textos escritos, já em entrevistas, em discurso directo, mais próximo do vivido, as vozes dos sobreviventes são diversas. Quando a Revista da Armada lhes perguntou, em 1974, se queriam levar os navios para Espanha, Joaquim dos Santos afirmou categoricamente:

  • 30 Testemunho de Joaquim dos Santos, Revista da Armada, 34, Julho de 1974, p. 24.

O que nós queríamos era sair a barra, bloquear o porto de Lisboa e intimar o governo a demitir-se. Quando se faz uma revolução é para ganhar, e por isso pensávamos regressar ao Tejo em triunfo. Só iríamos para Espanha se perdêssemos.30

  • 31 Entrevista a José Barata em 1985 in Gomes (2006, 78-79).

31Em 1985, foi efectuada uma entrevista aos revoltosos em que os entrevistadores – entre os quais se inclui João Varela Gomes – partiam do princípio de que a revolta tinha sido desencadeada para intervir na guerra civil de Espanha, afirmando mesmo que tinha representado o “acto mais importante de apoio à República espanhola” acontecido em Portugal (Gomes 2006, 77-85). Esta entrevista assemelhou-se a um interrogatório em que os entrevistadores supunham e argumentavam que a causa da revolta teria sido a vontade de apoiar militarmente o lado republicano em Espanha. Não tendo os marinheiros entrevistados anuído, foi-lhes perguntado então quais as razões (imediatas e estratégicas) da revolta; estes apontaram ter sido a reintegração dos camaradas expulsos e apenas admitiram a hipótese de ir para Espanha se tudo falhasse. Contrariando os entrevistadores, um dos marinheiros, José Barata, reforçou: “A revolta não foi feita para irmos para Espanha. Naturalmente era para lá que iríamos se fosse preciso, porque não havia outro sítio para onde ir. Mas o objectivo não era esse.” E continuou: “Pensávamos em ir para Espanha como um recurso em caso de necessidade. Afinal, em vez de ir para Espanha, acabámos por ir para o Tarrafal”.31 Os entrevistadores acabaram por reconhecer que as respostas dos marinheiros não correspondiam à sua leitura dos acontecimentos.

32Mude-se de registo, passando para o da historiografia. Neste plano, em 1987, César Oliveira (1987, 282) autor de obra pioneira sobre a guerra civil de Espanha, ao passar em revista as atitudes e comportamentos de portugueses perante o conflito num quadro de atenção geral às posições quer dos estados quer das populações, também defendeu que o objectivo dos marinheiros consistia em fazer os navios revoltosos “[saírem] a barra do Tejo em direcção à Espanha republicana”. Talvez a afectividade tenha falado mais alto neste detalhe da obra do historiador, pois esse não constituiu o propósito da revolta. Uma outra perspectiva foi defendida por João Brito Freire (1996, 189) que, no quadro do seu olhar mais atento às organizações e às formas então tomadas pela luta política em Portugal, aponta a queda do governo como o seu objectivo principal.

  • 32 Testemunho de António Dinis Cabaço citado por Machaqueiro (1995, 26-28).

33Ultrapassada hoje a ideia de que o propósito fundamental dos revoltosos seria juntar-se à Espanha republicana é, contudo, óbvio que nem o clima geral nem a situação espanhola podiam ser indiferentes aos marinheiros. Não o podia ser pelo que tinham sabido, o que resultava das suas conversas (sobejamente testemunhadas) nem pelo que poderiam ter visto ou entrevisto nas suas idas ao país vizinho. Sendo certo que a ida para Espanha com os navios (que, sublinhe-se, eram navios de guerra) não constituiu o objectivo principal da revolta a bordo, Espanha estava ao lado, ao fundo, no horizonte. Não será por acaso que, quando um dos revoltosos que tinha escapado se entregou depois na Escola de Marinheiros, vindo precisamente a ser um tarrafalista, um outro camarada lhe diz: “Não vais nada entregar-te, pá! Vais mas é para Espanha!”32

  • 33 Ver, respectivamente, Borda (1974, 14) e Revista da Armada, 34, Julho de 1974, p. 21.
  • 34 O Marinheiro Vermelho, II série, suplemento ao nº 2, sem data [entre 09-09 e 23-10-1936], p. 1.
  • 35 O Marinheiro Vermelho, II série, suplemento ao nº 2, sem data [entre 09-09 e 23-10-1936], p. 2. V (...)

34Outra questão relevante remete para o lugar do PCP na Revolta dos Marinheiros de 1936: qual o seu papel na revolta? Como vimos, o PCP, através dos seus dirigentes, tentou repetidamente evitar uma insurreição que lhe parecia precipitada e putschista, não estando em conformidade com a sua visão de conquista do poder, com base no levantamento de “massas”. Porém, o comunista e civil Miguel Russell nela deveria participar. E, sobretudo, o marinheiro comunista João Faria Borda liderou-a. Com uma forte identidade de marinheiro, assim como de comunista de formação reviralhista e humanista, Borda escreve, em 1974, que a sua revolta de 1936 representa a continuação da “tradição republicana e popular” da Armada, especificando: “O 8 de Setembro insere-se numa tradição da Marinha que sempre lutou ao lado do povo no 5 de Outubro, no 14 de Maio, na escalada de Monsanto, no 7 de Fevereiro, procurando sempre bater-se contra as forças da reacção”.33 Muitos militantes do PCP empenharam-se na revolta. As mesmas “gloriosas tradições” da Marinha e os mesmos exemplos constam, aliás, da edição de O Marinheiro Vermelho imediatamente posterior à revolta.34 Após a revolta ter ocorrido e sido derrotada, na linha dos argumentos anteriores, a ORA criticou logo os erros de “carácter político, de carácter técnico e conspirativo”; não obstante, honrou os marinheiros, de ânimo “corajoso, leal, entusiasta”, terminando o texto com “Glória aos nossos mártires”.35

  • 36 No título do seu artigo, o autor utilizou a frase “Nas nossa terras, o partido somos nós”, profer (...)

35A questão do papel do PCP levanta-se também em várias outras acções contra o Estado Novo. Para analisarmos esta questão, talvez seja mais fértil pensarmos na revolta de 1936 e em outros actos em termos de cultura de resistência em geral, de acordo com o conceito proposto por James Scott. Paula Godinho (2001) usou o conceito de cultura de resistência para estudar a identidade do Couço, localidade emblemática da resistência antifascista durante o Estado Novo, interrogando o peso do PCP na cultura e na acção dos trabalhadores daquela vila ribatejana. Afirmou a autora: “O alinhamento e o comprometimento político num partido, alicerçado numa rede social que predispõe à incorporação, devido a sociabilidades e práticas que reúnem os indivíduos, impunha-se como uma prática imperativa que resultava da pertença ao grupo” (Godinho 2001, 265). Os militantes ouvidos pela antropóloga diziam “o Couço é o Partido”, no sentido de identificação da terra, do partido e de um “nós” que o antecede, lhe subjaz e o alimenta (Godinho 2001, 217). Situação semelhante encontrou João Madeira (2004, 132) noutras localidades dos campos do Sul de Portugal da Segunda Guerra Mundial ao 25 de Abril, nas quais a identificação ou proximidade dos trabalhadores com o PCP não significava que se pudesse esperar pelo partido para agir quotidianamente, embora este fosse “um referente, alimentado de memórias, uma forte tradição oral e mantido pela rede de contactos por mais irregular e espaçada que fosse […]”; daí afigurar-se adequado, para João Madeira, ilustrar esta realidade através da citação da frase: “Nas nossas terras, o Partido somos nós”.36

36Mais do que afirmações de adesão incondicional, frases como “O Couço é o Partido” ou “Nas nossas terras, o Partido somos nós” representam sobretudo uma amálgama e uma capilaridade entre pessoas que têm como referente uma organização partidária (o PCP), o que não significa que a sua acção seja anteriormente e sempre decidida por esta. Podem ocorrer nuances, discrepâncias e desvios mesmo; acontecem sobretudo iniciativas autónomas, dadas as dificuldades de contacto (necessariamente clandestino); porém, mesmo nestas situações, o referente, por o ser, continua a funcionar como tal. Os últimos exemplos citados referem-se ao pós-Segunda Guerra Mundial. Voltemos a 1936, a essa década em que os fascismos avançavam, num contexto em que, comparado com o do pós-Segunda Guerra Mundial, o reviralhismo e o anarquismo tinham, apesar de tudo, mais alguma força do que nos contextos posteriores referidos, enquanto o PCP era bem mais fraco e diferente do partido que veio a sair da reorganização dos anos de 1940 (Farinha 1998, 2008, 2020; Patriarca 2000; Madeira 2013).

3. Conclusão

37Como vimos, os marinheiros constituíam um grupo social em mudança, numa Armada ela própria em transformação, com diferentes práticas culturais, sendo que nenhuma era particularmente afecta à ordem vigente. Num fundo cultural que vinha de há muito, algo boémio, arredio de regras dentro do possível, marcado por uma intervenção armada na esfera política, surgiu uma nova geração com uma preparação mais técnica, uma postura mais escolarizada, enquadrada e vanguardista. Este cruzamento de culturas das praças terá sido propiciador do clima criado. Antes da rebelião de 1936, de acordo com os testemunhos dos marinheiros sobreviventes produzidos após o 25 de Abril, estes sublinhavam já terem exprimido o seu descontentamento de várias formas. Assim, tinham utilizado fórmulas de protesto que vinham de trás como os levantamentos de rancho, falado contra Salazar, distribuído propaganda e imprensa política, utilizado símbolos de luta (como bandeiras vermelhas) e não tinham feito tudo o que eram supostos fazer no desfile comemorativo do 10º aniversário do golpe de 28 de Maio, em 1936, como referimos. Ou seja, exerceram práticas de resistência, nem todas podendo ser caracterizadas como o “registo escondido“ de James Scott.

38Neste ambiente marcado pela recorrência de actos de desagrado e resistência marinheira, concomitante com a acção e difusão da imprensa clandestina da ORA e do PCP, assim como pela presença avassaladora da luta em Espanha, o afrontamento irrompeu. Foi a solidariedade imediata com camaradas expulsos da Armada, num quadro em que temiam o avançar da repressão, que desencadeou a revolta nos navios. Os marinheiros deram o passo que Scott considera essencial: a ruptura com o disfarce ou o silêncio, o falar em nome de muitos, a acção desassombrada – que, neste caso, foi a tomada de navios por parte de marinheiros de uma marinha de guerra. A revolta irrompeu apesar das reservas do PCP, expressa por dirigentes como Álvaro Cunhal. Naquele momento, em sintonia com as directrizes do VII Congresso da Internacional Comunista, o PCP defendia uma política de Frente Popular antifascista, que implicava alianças, embora mantivesse as suas anteriores críticas ao putschismo. Não obstante ser um partido que se reclamava do leninismo, como mostraram João Madeira (2013) ou José Pacheco Pereira (1999) existiram reorientações e várias sensibilidades quer nos discursos quer nas práticas. Aquando da revolta dos marinheiros de 1936, nem todos os marinheiros revoltosos seriam comunistas, nem mesmo toda a ORA o seria inteiramente, mas o PCP funcionava como uma referência primordial num tempo de luta assumido como antifascista.

39É, assim, sobretudo como afrontamento maior e violento, num clima pontuado por anteriores resistências mais ou menos discretas, sem esquecer os outros factores relacionados com a história do PCP e a tão próxima guerra civil de Espanha, que a revolta de 1936 deve ser encarada. As movimentações sociais e as lutas abertas surgem, por vezes, quando menos se espera. Acontecem quando se percepciona uma possibilidade ou aparece algo que suscita reacção ou resposta. Na Revolta dos Marinheiros de 1936, o principal desafio consiste em perceber aquilo que muitos homens da Armada queriam, sentiam, aquilo por que lutavam, e como actuaram naquelas circunstâncias. Insurreição militar apenas de praças, que levou ao aprisionamento dos oficiais de serviço dos navios envolvidos, foi rápida e violentamente derrotada. Final de um ciclo de protesto e de intervenção naval no campo político, a Revolta dos Marinheiros enquadra-se também na história mais geral das oposições à Ditadura Militar e ao Estado Novo. Apesar de não se poder generalizar os comportamentos anti-Estado Novo a todo o Corpo de Marinheiros da Armada, o levantamento de 1936 representa a expressão de uma “cultura de resistência” (para usar o conceito de James Scott) que marcou alguns grupos sociais específicos, entre os quais o dos marinheiros.

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Notas

1 Respectivamente, Sinais de Fogo, realizado por Luís Filipe Rocha (1995), e O Ano da Morte de Ricardo Reis, realizado por João Botelho (2020).

2 Revista da Armada, 34-36, Julho-Setembro de 1974; Avante!, 06-09-1974; testemunhos em Machaqueiro (1995); testemunhos em Gomes (2006); testemunho em AAVV (1998); testemunho em Oliveira (2009); testemunhos também em Fernanda Paraíso, “Há 70 anos, o Tarrafal: os últimos sobreviventes”, RTP2, 2007.

3 A memória da revolta dos marinheiros é analisada num texto complementar deste, Oliveira (no prelo).

4 Sobre revoltas e intervenções marinheiras na política em Portugal (ocorridas em 1906, 1910, 1915, 1918, 1919, 1921, 1927, 1931 e 1936), ver Freire (2010a e 2010b, 733-752). Sobre revoltas ocorridas em Marinhas de outros estados, ver Bell e Elleman (2003). O temor destas insurreições plasmou-se na figura mais geral da “revolta na Bounty”.

5 Testemunho de Manuel Guedes, Avante!, 06-09-1974, p. 8.

6 Citado em O PCP e o VII Congresso da Internacional Comunista, Lisboa, Edições Avante, 1985, p. 19.

7 Testemunho de Manuel Guedes, Avante!, 06-09-1974, p. 8.

8 O Marinheiro Vermelho, II série, suplemento ao nº 2, sem data [entre 09-09 e 23-10-1936], p. 2.

9 Ver testemunhos citados na nota 2, assim como Cunhal (1996, 86-87), Pereira (1999, 219-220), Freire (1996, 188-189).

10 Ver Borda (1974, 18-20); testemunho de Josué Martins Romão em AAVV (1998, 19); entrevista de Joaquim Teixeira publicada em Oliveira (2009, 178); testemunhos de Oliver Bártolo, de 1994, e de Henrique Ochemberg e Josué Martins Romão, ambos de 1995, citados por Machaqueiro (1995, 32).

11 Testemunho de Abílio Carregosa [sic] em Carlos Santos Pereira, Salazar e o Triunfo do Franquismo, 4º programa da série Crónica do Século, dirigida por Fernando Rosas, RTP2, 1999, 24’32-24’50. Esta repetição (“Toda a nossa esperança era a Espanha”) é significativa da força emocional da afirmação.

12 Testemunho de Joaquim de Sousa Teixeira em Paraíso (2007, 39’-39’10).

13 Testemunhos em geral; Henriques (2019, 19).

14 Futuro historiador e preso político, primeiro director do Instituto Cervantes, criado após a morte de Franco. Ver Sánchez-Albornoz (2012, 2007).

15 Biblioteca Central de Marinha – Arquivo Histórico (BCM-AH), Ordem do Dia ao Corpo nº 198, 08-09-1936 (com efeitos retroactivos, remetendo para dia 5), constante do volume encadernado Ordens do Dia ao Corpo [de Marinheiros], Julho a Dezembro de 1936, pp. 1522-1533.

16 Ministério da Marinha / Estado Maior Naval / Superintendência dos Serviços da Armada. Índice de Leis e Disposições Regulamentares da Armada no Ano de 1928. Lisboa: Imprensa Nacional, 1931, pp. 1329-1330.

17 Ver Borda (1974, 22); testemunho de Joaquim Santos em Revista da Armada, 34, Julho de 1974, p. 23; testemunho de Joaquim Castanho em Revista da Armada, 35, Agosto de 1974, p. 22.

18 O Marinheiro Vermelho, II série, suplemento ao nº 2, sem data [entre 09-09 e 23-10-1936], p. 2.

19 Testemunho do próprio e de João Faria Borda em entrevista colectiva em Avante!, 06/09/1974, p. 8.

20 A prevista participação insurreccional de Miguel Russell está, todavia, omissa do seu livro de memórias sobre o Tarrafal, escrito entre 1973 e 1976, ainda que dedique as suas primeiras páginas à revolta dos marinheiros, ao iniciar o texto com o embarque para o campo de concentração (Russell 1976). Só em 2008 deu uma entrevista em que, entre muitas outras coisas, narrou a relação entre a ORA e o PCP, referindo o episódio (Russell 2008).

21 BCM–AH, Fundo/Núcleo 150, Livro de Registo de Ocorrências, 1935-1938, Afonso de Albuquerque, Relatório de António Dolberth Ferreira Dinis, 10-09-1936, p. 55. Para este livro, p. 55 ss, remete laconicamente o Registo do Serviço Diário do Oficial de Serviço, 1936-1937, p. 89v, do mesmo navio. Nem o Livro de Registo de Ocorrências, 1935-1938, Bartolomeu Dias, do Fundo/Núcleo 209, nem o Livro de Registo de Ocorrências (3), 1935-1938, Dão, do Fundo/Núcleo 22, contêm narrativas dos acontecimentos.

22 Relatório citado de António Dolberth Ferreira Dinis, p. 55B.

23 Relatório citado de António Dolberth Ferreira Dinis, p. 56.

24 Museu de Almada – Arquivo de História Oral, Testemunho de Maria Generosa Cruz (transcrição patente na exposição “A força que não dobra, a coragem que não cede”, curadoria de Vanessa de Almeida, Museu da Cidade de Almada, 2016); testemunhos in Revista da Armada, 34-36, Julho-Setembro de 1974; testemunhos de João Faria Borda e António Dinis Cabaço em Avante!, 06-09-1974, p. 8; testemunhos in Machaqueiro (1995).

25 Irene Pimentel (2014, 179) e Álvaro Garrido (2009, 112) apontam 10 mortos.

26 Sena (1979, 529) citado por Loff (2016, 104).

27 Sobre violência punitiva e violência preventiva no Estado Novo, ver Rosas (2019, 2013).

28 Carta de João Faria Borda publicada in Revista da Armada, 34, Julho de 1974, p. 22.

29 Folheto citado in Versus, Setembro de 1986, por sua vez citado por Gomes (2006, 77).

30 Testemunho de Joaquim dos Santos, Revista da Armada, 34, Julho de 1974, p. 24.

31 Entrevista a José Barata em 1985 in Gomes (2006, 78-79).

32 Testemunho de António Dinis Cabaço citado por Machaqueiro (1995, 26-28).

33 Ver, respectivamente, Borda (1974, 14) e Revista da Armada, 34, Julho de 1974, p. 21.

34 O Marinheiro Vermelho, II série, suplemento ao nº 2, sem data [entre 09-09 e 23-10-1936], p. 1.

35 O Marinheiro Vermelho, II série, suplemento ao nº 2, sem data [entre 09-09 e 23-10-1936], p. 2. Ver também Avante!, 50, Setembro de 1937. A posição do PCP foi exaustivamente analisada por Pereira (1999, 213-220) e Freire (1998).

36 No título do seu artigo, o autor utilizou a frase “Nas nossa terras, o partido somos nós”, proferida por uma personagem do romance de Álvaro Cunhal, escrito sob o pseudónimo de Manuel Tiago, Até Amanhã, Camaradas (1974).

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Índice das ilustrações

Título Figura 1. Desembarque e prisão de marinheiros revoltosos na Doca de Belém
Legenda Fonte: BCM-AH, caixa 901, ficha 8
URL http://journals.openedition.org/lerhistoria/docannexe/image/11811/img-1.jpg
Ficheiros image/jpeg, 229k
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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Luísa Tiago de Oliveira, «Uma cultura de resistência. A Revolta dos Marinheiros de 1936»Ler História, 82 | 2023, 217-237.

Referência eletrónica

Luísa Tiago de Oliveira, «Uma cultura de resistência. A Revolta dos Marinheiros de 1936»Ler História [Online], 82 | 2023, posto online no dia 28 março 2023, consultado no dia 21 maio 2024. URL: http://journals.openedition.org/lerhistoria/11811; DOI: https://doi.org/10.4000/lerhistoria.11811

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Autor

Luísa Tiago de Oliveira

Departamento de História, CIES, Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, Portugal

luisa.tiago@iscte-iul.pt

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Direitos de autor

CC-BY-NC-4.0

Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

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