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Cinema

Mulher

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 17.05.2024
10.1931
Mulher, filme silencioso, é dirigido por Otávio Gabus Mendes (1906-1946), crítico de cinema das revistas Para Todos e Cinearte. A sensualidade feminina é explorada de maneira singular neste filme, marcado pela decupagem com enquadramentos arrojados, cuidado na iluminação e esmero na cenografia. Essas características demonstram o empenho Cinédia ...

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Mulher, filme silencioso, é dirigido por Otávio Gabus Mendes (1906-1946), crítico de cinema das revistas Para Todos e Cinearte. A sensualidade feminina é explorada de maneira singular neste filme, marcado pela decupagem com enquadramentos arrojados, cuidado na iluminação e esmero na cenografia. Essas características demonstram o empenho Cinédia para realizar filmes com qualidade artística, bom acabamento e apelo popular. Mulher é o segundo filme da produtora carioca, depois do famoso e hoje desaparecido Barro Humano (1929), de Adhemar Gonzaga (1901-1978). 

O filme estreia no Cine Capitólio, no Rio de Janeiro, em outubro de 1931. A projeção da película é realizada com o sistema Vitaphone (sincronização do acompanhamento musical por meio de discos) e a trilha sonora é do maestro Alberto Lazzoli (1906-1987).

A história é sobre a jovem pobre e atraente Carmen [Carmen Violeta (1908-2005)], que desperta o desejo dos homens. Ela vive em uma favela carioca com a mãe e o padrasto [Humberto Mauro (1897-1983)], por quem é assediada. A jovem é expulsa de casa depois de passar a noite com Milton, rapaz que desaparece após lhe prometer amor. Muda-se para uma pensão e recebe ajuda de um violeiro aleijado (Máximo Serrano), que a ama. Desempregada e esgotada, desmaia de fome no meio da rua. É socorrida por Oswaldo, rapaz rico que a deixa sob os cuidados do também abastado Flávio Martins, escritor ressentido e abandonado pela esposa, Lígia, que o troca pelo médico Arthur.

Carmen passa a morar com Flávio. A semelhança das histórias de abandono de ambos desperta atração mútua e tornam-se amantes. Lígia, depois de descobrir a infidelidade conjugal de Arthur, ensaia retomar a relação com Flávio, que a rejeita, para alegria de Carmen. Porém, Flávio se interessa por Helena, filha do editor Rafael Brandão. Sabendo do provável idílio entre Flávio e Helena, Carmen afasta-se para que ele decida entre as duas. Reconhecendo a dignidade do gesto de Carmen, o escritor volta para ela.

A pobreza é apresentada na primeira parte do filme, marcada por brutalidade e voyeurismo, e o ambiente social rico, na segunda parte, caracterizado como terreno fértil para hipocrisia e cinismo. Em Mulher, o amor supera comportamento e valores tradicionais e vence o preconceito em nome da felicidade.

A relação amorosa central ganha força e legitimidade pelo estilo com que se compõem as cenas do filme e pela cuidadosa caracterização dos sentimentos das personagens. A sequência em que ambos vivem o prazeroso despertar destaca-se pelo lirismo e pela fluência narrativa. O plano se abre com um close dos pés de Flávio sendo tocados por Carmen. A câmera recua para mostrar o casal na cama, com roupas de dormir revelando detalhes dos corpos. A sequência termina enquanto ele se banha e ela finaliza sua toalete diante do espelho. A intimidade desenha-se na naturalidade dos intérpretes e nos planos contínuos. Filma-se com simplicidade e delicadeza o encanto e o prazer de estarem em companhia um do outro. 

A sequência é a confirmação do idílio romântico e sensual iniciado na praia e celebra o desejo e o afeto que superam os preconceitos de classe e conduzem ao final feliz. É marcante a sensibilidade com que o erotismo é apresentado nas duas sequências.

O rigor técnico é notável na primeira sequência: de maneira sintética, é apresentada a difícil condição da protagonista, entre a pobreza e o assédio sexual do padrasto. A iluminação, com direção de fotografia de Humberto Mauro, ressalta os elementos cenográficos (o vaso quebrado, a mesa rústica, o papel de parede florido), que ganham destaque na trama. Na cena em que Carmen  lava a roupa no quintal e é observada por vizinhos, os enquadramentos expõem a exuberância da personagem, e inclinações de câmera captam olhares maliciosos.

A fisionomia dos atores expressa a disposição psicológica: o padrasto é um tipo maltrapilho e barbudo, enquanto o aleijado, com traços delicados, combina inocência e romantismo. Os outros personagens seguem esse padrão, exceção feita à protagonista, cuja caracterização escapa à convenção da moça vitimizada. Ela é sensual em seus gestos, e sua aparência molda-se ao tipo que encarna, corpulenta.

A composição realista da protagonista, a crueza das imagens e as sequências na favela são motivos de reserva na época do lançamento. Segundo o crítico Ben Hur [pseudônimo utilizado por Pery Ribas (1904-1979)]: "Do elenco, Carmen Violeta é a única figura inexpressiva". Já as sequências iniciais tornam-se alvo dos exibidores, que exigem sua exclusão. Aproximadamente dez minutos são retirados, e a favela do filme é descaracterizada. Cenas filmadas no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, incluindo um ritual de macumba, contrastam com lugares sofisticados por onde transita a burguesia carioca: os jardins da antiga Embaixada da França, na Praia do Flamengo, a imponente residência do industrial Raymundo Ottoni de Castro Maya (1894-1968), uma mansão na Avenida Vieira Souto e cenas externas registrando a praia e os bondes de Ipanema.

A recepção crítica de Mulher acentua o atraso técnico do filme em relação aos modernos filmes sonoros. Mesmo Pery Ribas, crítico de Cinearte empenhado na defesa do cinema brasileiro, destaca apenas algumas cenas bem realizadas.

Em 1977, com recursos da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), o filme é parcialmente restaurado pela Cinédia e recebe nova trilha sonora, incluindo a valsa Mulher, de Zequinha de Abreu (1880-1935). Em 2003, o filme é restaurado na íntegra pela Cinemateca Brasileira, com supervisão de Hernani Heffner. A trilha sonora original é restituída, assim como os intertítulos, são inseridos como no original2.

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