Inspirado em Dostoiévski e baseado em livro de Stephen King, o filme mais perturbador da Netflix Divulgação / Netflix

Inspirado em Dostoiévski e baseado em livro de Stephen King, o filme mais perturbador da Netflix

A comemoração dos setenta anos de Stephen King em 2017 incentivou a adaptação de várias de suas obras para o cinema. Entre esses lançamentos estão “It — A Coisa”, dirigido por Andy Muschietti e conhecido pelo seu aterrorizante palhaço; “A Torre Negra”, uma saga épica filmada por Nikolaj Arcel; e “Jogo Perigoso”, um thriller psicológico de Mike Flanagan sobre as tensões de um casal. “1922”, dirigido por Zak Hilditch, também se destaca nesse contexto.

Hilditch, entre os diretores mencionados, demonstra maior habilidade em capturar a essência de King no formato cinematográfico, o que pode ser atribuído, em parte, ao material de origem. Filmado em paisagens repletas de milharais e banhado por uma luz ensolarada que contrasta com o horror iminente, “1922” se beneficia do trabalho do diretor de fotografia Ben Richardson, conhecido por “Indomável Sonhadora”. A qualidade estética do filme é notável, e Hilditch utiliza isso com precisão. No entanto, é o elenco, liderado por Thomas Jane, que realmente dá vida à narrativa.

Thomas Jane interpreta Wilfred James, um fazendeiro de Nebraska que possui mais de oitenta acres de terra. No entanto, a propriedade é compartilhada com sua esposa, Arlette (Molly Parker), devido ao regime de comunhão de bens. Arlette deseja vender sua parte e convencer Wilfred a vender também, para que possam se separar. A ligação profunda de Wilfred com a terra e o modo de vida que construiu lá o levam a extremos. A ideia de perder tudo o que considera vital gera uma tensão insuportável, que culmina em uma decisão fatal com a ajuda de seu filho, Henry (Dylan Schmid). Arlette torna-se, então, um obstáculo a ser removido.

O roteiro de Hilditch, inspirado por contos de horror de autores como Edgar Allan Poe, aborda questões morais complexas, lembrando o dilema de Raskólnikov em “Crime e Castigo” de Dostoiévski. A consciência pesada de Wilfred o consome após a morte de Arlette, especialmente depois que Henry desaparece, deixando-o sozinho com seus demônios. Estes demônios se materializam na forma de ratos que infestam a casa, simbolizando sua culpa crescente. A atuação de Thomas Jane, com sua aparência desgastada e sotaque sulista, reforça a autenticidade da personagem.

À medida que o filme avança, Hilditch ilustra a vulnerabilidade de Wilfred, que se refugia em um pequeno quarto de hotel, incapaz de enfrentar os fantasmas que criou. O desenrolar da trama transforma “1922” em um estudo profundo do terror psicológico, destacando a incapacidade de Wilfred de lidar com suas ações. Eventualmente, ele sucumbe à insanidade, preso para sempre por seus medos.

“1922” também faz referência a “O Iluminado” de Stanley Kubrick, explorando a deterioração psicológica de um homem de meia-idade. Hilditch oferece uma das adaptações mais eficazes de Stephen King, tocando em temas recorrentes do autor, como casamentos fracassados e a desintegração emocional. O filme mantém uma narrativa poderosa, mesmo ao abordar os elementos sombrios do universo de King, resultando em um final melancólico que ecoa as tragédias pessoais do protagonista.


Filme: 1922
Direção: Zak Hilditch
Ano: 2017
Gênero: Terror/Drama
Nota: 9/10