Sebasti�o
I.
n. 20 de janeiro de 1544.
f. 4 de agosto de 1578.
O
Desejado,
16.�
rei de Portugal.
Nasceu
em Lisboa a 20 de janeiro de 1544, sendo filho, p�stumo do pr�ncipe
D. Jo�o, o �nico filho var�o sobrevivente de D. Jo�o III, e de
D. Joana, filha do imperador Carlos V.
D.
Jo�o III tivera dez filhos, leg�timos e um bastardo, mas todos
morreram em vida de seu pai, s� o pr�ncipe D. Jo�o, que nascera
em 1557, chegara � adolesc�ncia, e por isso, apenas ele completou
quinze anos seu pai o casou com D. Joana, filha de Carlos V, mas a
sorte fatal que perseguira os outros filhos do monarca, tamb�m o n�o
poupou, e o pr�ncipe D. Jo�o faleceu a 2 de janeiro de 1554,
deixando sua esposa gr�vida e pr�ximo do termo da gravidez.
Esperavam todos com ansiedade o nascimento do neto de D. Jo�o III,
porque a coroa achava-se amea�ada de ficar sem sucess�o, e uma
clausula fatal inserida nas escrituras do casamento da infanta D.
Maria de Portugal com o pr�ncipe D. Filipe de Castela, atribu�a
aos filhos deste matrim�nio a heran�a da coroa portuguesa no caso
de faltarem herdeiros directos. Era a uni�o ib�rica sempre temida
e sempre detestada pelos portugueses, portanto, todos espe
ravam
com grande inquieta��o o nascimento do filho p�stumo do pr�ncipe
D. Jo�o, e foi com a maior alegria que se soube, a 20 de janeiro
desse ano de 1554, que acabara de nascer um filho, que ia receber o
nome de Sebasti�o, por ter nascido no dia em que a igreja reza
desse santo. Pelo entusiasmo com que aquela noticia fora recebida,
se deu ao futuro rei o cognome de Desejado.
N�o foram os menos contentes os av�s, que se viam na perspectiva
de ficar sem descend�ncia. D. Jo�o III, por�m, pouco tempo
sobreviveu, porque morreu tr�s anos depois, deixando a heran�a da
coroa a essa d�bil criancinha, �nica esperan�a da nacionalidade
portuguesa, e que estava predestinada para nos ser t�o fatal.
D.
Sebasti�o, come�ou, pois, a reinar desde 11 de junho de 1557, com
tr�s anos e meio de idade, e foi logo aclamado rei. Levantaram-se d�vidas
a respeito da reg�ncia, que o cardeal D. Henrique reclamava como
tio-av� do jovem monarca, e que a av�, a rainha vi�va D.
Catarina, assumiu em virtude dum testamento mais ou menos aut�ntico
de D. Jo�o III. A regente, por�m, era uma senhora que n�o
deslustrava a fam�lia a que pertencia, era digna irm� de Carlos V.
Inteligente e sagaz chamou para seu auxiliar o cardeal D. Henrique,
no prop�sito reservado de o aniquilar, o que facilmente conseguiu.
Para o consolar, trabalhava em Roma para que o elegessem papa, mas
no governo do reino anulou-o completamente. Contudo, D. Henrique
intrigava, e a rainha para acabar com esse estorvo, lembrou-se de
dizer que lhe entregava completamente a reg�ncia do reino. Apanhado
de improviso, o cardeal infante n�o se atreveu a aceitar; a sua
recusa foi logo aceite e sancionada pelas cortes, que para esse fim
se reuniram, e D. Catarina ficou ent�o na posse indisputada e
completa da reg�ncia. Contudo, D. Henrique tinha um poderoso
auxiliar, que eram os jesu�tas, a cuja ast�cia confiou o �xito da
sua causa. Contra eles � que D. Catarina nada p�de conseguir. Os
jesu�tas tanto intrigaram que afinal a rainha, em 1567, depois de
dez anos de reg�ncia, viu se obrigada a ced�-la definitivamente a
D. Henrique. Esta reg�ncia durou, por�m, s� at� 1568, ano em que
D. Sebasti�o tendo completado catorze anos de idade, foi declarado
maior. D. Henrique n�o era homem capaz de s� por si lutar contra a
sua inteligent�ssima cunhada. Esta cedera, mas n�o tardou a tomar
a sua desforra.
Apenas
D. Sebasti�o chegou aos catorze anos, a rainha-av� tanto se moveu
que conseguiu que fosse proclamada a maioridade. A reg�ncia do
cardeal durara apenas um ano. Que esperan�as podia o novo soberano
inspirar ao povo, e qual seria a sua educa��o. Ficara �rf�o de
pai, ainda antes de nascer; sua m�e partira para Espanha,
mostrando-se muito despeitada por lhe n�o ser confiada a reg�ncia,
quando morreu D. Jo�o III. A rainha D. Catarina, av� do monarca,
podia ser excelente educadora, e mostrou-o resistindo por algum
tempo � nomea��o que lhe queriam arrancar dum jesu�ta para
mestre do seu neto, a que afinal cedeu. A Companhia de Jesus era j�
nesse tempo um colosso. O precetor foi o padre Lu�s Gon�alves da C�mara.
Para aio escolheu-se D. Aleixo de Meneses, homem de s�o crit�rio e
esp�rito superior. Os que detestavam a influencia jesu�tica
imaginaram que D. Aleixo de Menezes, com a sua autoridade exerceria
maior influencia no �nimo do disc�pulo. Mas n�o sucedeu assim,
Sem o querer, � certo, D. Aleixo contribuiu para completar a educa��o
do jesu�ta. O padre C�mara fez de D. Sebasti�o um monge, e D.
Aleixo um militar brioso; essas duas educa��es combinadas deram em
resultado esse monge militar coroado, esse templ�rio entusiasta,
que arrastou Portugal �, ultima cruzada, e que nessa cruzada o
perdeu. Com o seu temperamento ao mesmo tempo guerreiro e
contemplativo, D. Sebasti�o facilmente recebeu as li��es do
preceptor e do aio. O padre C�mara desenvolvia no seu esp�rito o
fervor asc�tico e religioso para poder fazer do rei, confiado aos
seus cuidados, o fiel escravo da Companhia; D. Aleixo de Meneses,
cumprindo o seu dever, ensinava lhe os brios cavalheirescos que eram
pr�prios de um rei, e com as suas li��es e com os exemplos
gloriosos da sua vida ensinava-o a prezar a gloria das armas e a n�o
temer os perigos. Ao mesmo tempo ouvia o jovem monarca a cada
instante em torno de si lamentar a resolu��o de D. Jo�o III, que
entregara aos mouros algumas pra�as que tinham sido conquistadas
pelos nossos � custa de tanto sangue; era bem crian�a ainda, mas j�
com o esp�rito aberto a todas as impress�es, pela sua not�vel
precocidade, quando a defesa her�ica de Mazag�o exaltou o reino
todo e precipitou dentro das muralhas da pra�a africana a flor da
fidalguia portuguesa. Tudo isto concorria para o exaltar e para o
excitar.
Muito
inteligente, muito impression�vel, aprendendo tudo de relance, D.
Sebasti�o era por isso mais acess�vel do que qualquer outro �,
influencia de todas estas causas. Dividia o seu tempo pelas ca�adas,
pelos exerc�cios religiosos e pela leitura de livros de hist�ria,
principalmente da hist�ria portuguesa. O seu grande prazer era
desafiar o perigo e procurar as agruras e os desc�modos da vida
montesina. Ia de Inverno para Sintra, de Ver�o para Salvaterra e
Almeirim, em dias de temporal � que ele folgava de embarcar nas gal�s
e de ir fora da barra contemplar, da popa dos navios, o mar
embravecido. Fugia do amor com uma insensibilidade not�vel, tanto
porque julgava esse sentimento efeminado incompat�vel com os seus h�bitos
guerreiros, porque o seu esp�rito religioso lhe fazia ver o ideal
da vida humana na castidade asc�tica. Tudo concorria pois para
perder o rei e o pa�s; as qualidades de D. Aleixo de Meneses e os
defeitos de Lu�s Gon�alves da C�mara, os seus h�bitos de ca�ador
semi-selvagem que lhe faziam desprezar a um tempo o amor e o perigo
e que o impediram de deixar um herdeiro da coroa e de salvar-se por
ocasi�o da derrota de Alc�cer Quibir, quando isso lhe era ainda t�o
f�cil. D. Sebasti�o tornou-se completamente um escravo dos jesu�tas,
que tudo tinham feito por lhe desenvolver o fervor religioso, que
animavam o seu afastamento das mulheres, porque a influencia duma
mulher, esposa ou amante, destruiria para sempre a influ�ncia do
confessor. Este, sempre h�bil, enquanto precisou de ter quem o
escudasse, favoreceu o cardeal D. Henrique, criatura sua, contra a
rainha D. Catarina, e quando viu que j� lhe n�o era preciso,
tratou de o inutilizar, servindo-se para isso do despeito de D.
Catarina, e foi proclamar a maioridade de D. Sebasti�o. D.
Henrique, profundamente despeitado, recolheu-se ao convento de
Alcoba�a, e D. Catarina, vendo logo que n�o podia nada em seu
neto, porque, tendo-lho pedido que nomeasse vedor da fazenda P�ro
de Alcoba�a, homem de grande import�ncia e merecimento, teve o
desgosto de ver a sua recomenda��o postergada, sendo escolhido
para esse legar D. Martinho Pereira, homem perfeita mente nulo, para
escriv�o da puridade Martim Gon�alves da C�mara, irm�o do
confessor, e para secretario Miguel de Moura, tamb�m uma
inutilidade, de forma que os C�maras eram verdadeiramente
omnipotentes no conselho de D. Sebasti�o.
Havia
outra influ�ncia poderosa no �nimo de D. Sebasti�o, que o jesu�ta
trataria de destruir se a morte lhe n�o poupasse esse trabalho. Era
o velho aio D. Aleixo de Meneses, que faleceu logo em 1569, deixando
ao seu pupilo umas recomenda��es, que ele nunca cumpriu.
Aconselhava-lhe que n�o desse ouvidos aos aduladores que
pretendessem afasta-lo de seu tio e de sua av� e foram esses
aduladores omnipotentes no seu esp�rito; que se n�o entregasse nas
m�os dos fidalgos mo�os, e foi logo o que ele fez da a breves
anos; que se n�o lan�asse em empresas temer�rias e improf�cuas
para o reino, e houve a expedi��o lament�vel a Alc�cer Quibir;
que n�o entregasse os cuidados do governo a religiosos, e quem
governava em Portugal eram dois padres; finalmente lhe aconselhava,
que n�o promulgas se pragm�ticas inc�modas para os seus vassalos,
o D. Sebasti�o, com as tend�ncias do seu esp�rito mon�stico, a
primeira coisa que fez, foi promulgar uma pragm�tica sever�ssima.
Como as cortes insistiam para que el-rei escolhesse noiva entre as
princesas europeias, D. Sebasti�o resignou-se, e principiou a
negociar-se o seu casamento com a c�lebre Margarida de Valois, irm�
de Carlos IX. A Espanha op�s-se vivamente a esse casamento, e
tratou de oferecer a arquiduquesa Isabel, mas, depois por uma mudan�a
de politica, Filipe II casou esta princesa com o pr�prio rei de
Fran�a, Carlos IX. D. Sebasti�o ressentiu-se dessa desfeita, e
tomou o caso como pretexto para se recusar absolutamente a entabular
novas negocia��es para o seu casamento. Estavam, por conseguinte,
seguros os jesu�tas; ainda assim receavam que a av� recuperasse
sobre ele o seu antigo imp�rio, mas para se livrarem desse receio,
foi suficiente insinuarem-lhe que D. Catarina queria continuar a
governar � sombra dele, para que o irrit�vel monarca se
despeitasse de forma, que infligiu � av� tais desfeitas que D.
Catarina se retirou escandalizada para o pal�cio de Xabregas,
enquanto D. Sebasti�o passava em Santos ou na Alc��ova o pouco
tempo que residia em Lisboa. Queixavam-se muito dessas constantes sa�das
os habitantes da capital, e com mais raz�o se queixaram ainda,
quando, sobrevindo a terr�vel peste de 1569, D. Sebasti�o os
abandonou completamente, fugindo da epidemia com a maior cobardia,
ele que tantas provas dera de louca e temer�ria aud�cia. E porque
em D. Sebasti�o o valor era uma quest�o de temperamento e n�o de
consci�ncia; n�o tinha o valor reflectido, que afronta os perigos
para cumprir um dever, tinha o valor brutal do ca�ador e do
soldado, a quem o perigo embriaga como um vinho ardente. Durante uma
viagem que fez pelas prov�ncias, fugindo da peste de Lisboa,
praticou as maiores extravag�ncias. Mandava abrir os t�mulos dos
reis seus antepassados, extasiava-se diante dos que tinham sido
guerreiros, mostrava o mais completo desd�m pelos pac�ficos,
principiando a inspirar a todos os mais s�rios receios esta sua �ndole
destemperada e bravia que se curvava ao jugo dos jesu�tas.
Por
esse tempo veio um novo facto actuar no seu esp�rito. D. Jo�o de
�ustria ganhara a gloriosa batalha de Lepanto, e essa vit�ria
tivera ecos infinitos na cristandade. Sentiu-se um pouco estimulado,
os louros do mo�o pr�ncipe espanhol, seu tio, lhe perturbaram o
sono. Nesse tempo veio a Portugal um legado do papa, o cardeal
Alexandrino, convidar D. Sebasti�o para uma cruzada contra os
turcos. O monarca abra�ou com entusiasmo essa ideia. Afirmou � rep�blica
de Veneza que marcharia imediatamente em seu aux�lio, escreveu ao X�
da P�rsia para que ele atacasse pelo Oriente o imp�rio turco
enquanto os crist�os o atacariam pelo Ocidente. Enfim, chegou ao
ponto de mandar dizer a Carlos IX de Fran�a, que aceitaria a m�o
de sua irm� Margarida de Valois se ele quisesse entrar na sua
cruzada contra os turcos. N�o s� se resignava a esse casamento,
como recusava o dote de 400.000 cruzados, e se comprometia a dar
outros 400.000 mil a Carlos IX para ele guerrear os huguenotes do
seu reino. O rei de Fran�a n�o p�de aceita esse vantajos�ssimo
neg�cio, porque Margarida de Valois j� era noiva de Henrique de
Navarra. D. Sebasti�o resolveu passar � �ndia, mas dissuadiram-no
dessa ideia; quis ent�o passar �. �frica, de que tamb�m o
dissuadiram; pensou em aprestar uma frota para ir socorrer Carlos IX
nas suas guerras contra os huguenotes, mas a matan�a da noite
sangrenta de S�o Bartolomeu dispensou esse aux�lio. O rei de
Portugal resolveu de novo ir ao Oriente, mas teve de desistir desse
projecto, porque as tempestades no pr�prio rio Tejo lhe dispersaram
a frota. D. Sebasti�o continuou a dar prova da mais rematada
loucura. O pior, por�m, foi a primeira expedi��o a �frica, em
que logo ao sentiu a que loucas temeridade se poderia arrojar essa
crian�a coroada. Em agosto de 1574 embarcou secretamente e passou a
�frica, sem prevenir pessoa alguma. Houve grande terror, quando se
soube do seu desaparecimento sem se poder suspeitar para onde ele
fora. Finalmente apareceu uma carta r�gia, em que participava a sua
expedi��o, nomeando regente do reino na sua aus�ncia o cardeal D.
Henrique. As pessoas mais autorizadas lhe mandaram suplicas
repetidas, pedindo-lhe que voltasse. D. Sebasti�o voltou, mas n�o
foi por esse motivo, foi porque nem em Ceuta nem em T�nger
encontrou ocasi�o de combater. Os marroquinos, apenas souberam da
sua chegada, retra�ram-se supondo que D. Sebasti�o era acompanhado
de todas as suas for�as do reino. D. Sebasti�o regressou por
conseguinte a Portugal, mas decidido a voltar em estado de tentar
empresas s�rias.
O
resultado mais importante desta expedi��o africana foi a conviv�ncia
mais �ntima que travou com uns fidalgos mo�os e com D. �lvaro de
Castro, que, sem ser mo�o, era o chefe do partido juvenil, conviv�ncia
de que resultou o golpe de estado que deu apenas chegou a Lisboa, e
pelo qual Martim Gon�alves da C�mara caiu no r�gio desagrado. A
influ�ncia passou ent�o a D. �lvaro de Castro, mas D. Sebasti�o
que em nada se importava com os neg�cios p�blicos, que tudo
deixava entregue aos seus ministros, s� numa coisa era
intransigente, no que dizia respeito � expedi��o africana. Esse
era o seu grande, o seu decidido empenho. Voltando de T�nger n�o
pensava noutra coisa. Os seus validos agora eram D. �lvaro de
Castro e Pedro de Alc��ova Carneiro. Foi este �ltimo encarregado
de ir negociar com Filipe II um tratado de alian�a contra Marrocos,
e logo viu que o soberano espanhol n�o pensava nem por sombras em
fazer uma cruzada africana, mas como h�bil pol�tico, n�o querendo
ficar com a responsabilidade do malogro de uma negocia��o em que o
rei estava empenhado, soube fazer aceitar a D. Sebasti�o a ideia de
uma confer�ncia com seu tio D. Filipe. Foi a c�lebre confer�ncia
de Guadalupe no Natal de 1576. Nessa confer�ncia D. Sebasti�o
insistiu no seu projecto, alegando como pretexto pol�tico que era
indispens�vel tomar Larache aos mouros. D. Filipe, primeiro, tentou
dissuadi-lo, mas depois come�ou a entrever as vantagens que da
realiza��o desse projecto lhe poderiam talvez resultar, e tratou
ent�o unicamente de se n�o envolver a si pr�prio no desastre. Por
essa ocasi�o apareceu um inesperado ensejo, que at� certo ponto
parecia justificar os planos de D. Sebasti�o. Disse-lhe o bispo do
Algarve, D. Jer�nimo Os�rio, que n�o desaprovava a ideia de uma
cruzada contra os mouros, mas que achava inconveniente de todo o
ponto a ocasi�o, e que devia aproveitar-se o momento em que
houvesse disc�rdias graves entre os mouros. Ora essas disc�rdias
deram-se, e t�o graves que um pr�ncipe, Muley Moluk, tio do
soberano reinante Muley Hamed, expulsou-o do trono, e este apareceu
em Portugal pedindo socorro ao rei, a quem prometia em compensa��o
as mais largas concess�es de territ�rios. Para prova da sua boa f�,
um seu partid�rio entregou logo soe capit�es portugueses a pra�a
de Arzila que D. Jo�o III abandonara. D. Sebasti�o ficou content�ssimo
com este fausto sucesso, e deliberou logo sem a mais leve hesita��o,
empenhar todas as for�as do reino em socorrer Muley Hamed. Debalde
todos, sem excep��o, instaram com ele para que desistisse de t�o
louco intento; debalde o conselho de Estado unanimemente lhe
declarou que n�o aprovava semelhante procedimento; debalde a rainha
D. Catarina lhe suplicou e o cardeal D. Henrique e o senado da C�mara
de Lisboa e os pr�prios embaixadores de Filipe II instaram com ele,
que desistisse do intento, debalde o pr�prio Muley Moluk lhe
ofereceu as condi��es mais honrosas para que a paz se n�o
rompesse, de ningu�m fez caso na sua extraordin�ria monomania. Ao
conselho de Estado disse que o reunira, n�o para deliberar sobre a
quest�o de se saber se era ou n�o oportuna a sua passagem � �frica,
essa j�, n�o admitia discuss�o, estava perfeitamente resolvida.
Do que se tratava era de se saber o modo como se havia de realizar a
expedi��o projectada. A Muley Moluk exigiu que lhe entregasse
primeiro umas poucas de pra�as, ditando condi��es a um inimigo
poderoso, mas prudente, como as ditaria a um vencido.
Se
a empresa era insensata, o modo de a levar a efeito foi mais
insensato ainda. No levantamento do dinheiro preciso para a expedi��o
cometeram-se as maiores exac��es que irritavam o povo
extraordinariamente. Depois fizeram-se grandes levas no estrangeiro
a peso de ouro, e reuniram-se ter�os espanh�is, alem�es e
irlandeses, com todos os inconvenientes das tropas mercen�rias,
recrutaram-se no reino uns 9 mil soldados bisonhos, fracos, que n�o
ofereciam a m�nima garantia. O corpo de volunt�rios da nobreza era
brilhante, sem d�vida, pela bravura dos que o compunham, mas era ao
mesmo tempo indisciplinado, e depois equipava-se com um luxo
completamente impr�prio para uma expedi��o militar. D. Sebasti�o,
n�o s� tolerava esse luxo, apesar das severas pragm�ticas que
promulgara em tempo, mas animava-o. Apesar de ser acima de tudo
cortes�o, Pedro de Alc��ova n�o p�de deixar de escrever uma Memoria,
apontando os inconvenientes da expedi��o, e o modo desastroso como
estava sendo preparada. D. Sebasti�o havia nomeado general da
armada a D. Lu�s de Ata�de, homem de bom conselho e de muita
circunspec��o, e que sempre se havia oposto a esta temer�ria
empresa; mas por isso mesmo o rei o mandou por vice-rei para a �ndia,
e deu o comando a D. Diogo de Sousa. Completamente desvairado,
tendo-se munido da espada de D. Afonso Henriques que mandara pedir a
Santa Cruz de Coimbra, e de uma coroa de ouro que devia colocar na
cabe�a quando se proclamasse imperador de Marrocos, partiu
finalmente a 25 de junho com uma armada de 800 velas e um ex�rcito
de 18.000 homens, em que entravam soldados de todas as proveni�ncias,
que j� em Lisboa haviam tido varias e grav�ssimas rixas. Ao chegar
a �frica, as loucuras continuaram. Foi D. Sebasti�o quem tudo quis
dirigir. Para tomar Larache, que � um porto de mar, desembarcou em
T�nger a 17 de julho de 1578, e seguiu por terra, passando por
Arzila e Alc�cer Quibir. A marcha em agosto era pesad�ssima para
os nossos soldados, que ao chegarem a Alc�cer Quibir iam j� mortos
de fadigas.
Seguiu-se
a batalha desastrosa de 4 de agosto, que j� est� descrita
minuciosamente nesta obra, vol. I, p�g. 149; acrescentaremos que D.
Sebasti�o, apenas sentiu o cheiro da p�lvora, esqueceu tudo, os
seus deveres de comandante, as ordens que dera, e arrojou se ao
inimigo do espada em punho, praticando verdadeiros prod�gios de
valor. Quando a derrota come�ou, D. Sebasti�o nem deu por ela, mas
do repente, quando percebeu que as hostes portuguesas estavam em
completa debandada, compreendendo ent�o a enormidade dos seus
erros, soube expi�-los os heroicamente. Era um novo erro, porque a
sua morte ia deixar o trono vago, sem sucess�o. Soube morrer com
brio, com uma intrepidez verdadeiramente extraordin�ria.
Acompanhado apenas por uma por��o de fidalgos, arrojou-se
loucamente ao inimigo, procurando salvar a artilharia que os
marroquinos levavam. N�o o conseguiu, e os fidalgos que o rodeavam,
esquecendo tamb�m a sua pr�pria salva��o, resgatando lambem
heroicamente as culpas da sua temeridade, n�o pensavam sen�o em
dar a vida para o salvar. O prior do Crato, a p�, com a espada
embotada dos golpes que vibrara, todo coberto de sangue,
indicava-lhe um claro nas fileiras mu�ulmanas por onde podia ainda
salvar-se, mas D. Sebasti�o n�o o atendia. J� n�o tinha a exalta��o
febril da coragem, mas a resolu��o fria de lavar com todo o seu
sangue a sua culpa enorme. J� n�o podia fugir, mas podia comprar a
vida com a perda da liberdade. Rendei-vos, senhor, dizia-lhe D.
Francisco de Mascarenhas, e ele, meneava trinta e negativamente a
cabe�a. S� nos reata morrer, acudiu D. Jo�o de Portugal. Morrer,
sim, respondeu o monarca com voz abafada, morrer, sim, mas devagar.
Crist�v�o de T�vora, querendo salv�-lo � viva for�a, acenou a
um mouro que viu pr�ximo, para que viesse tomar-lhe a espada, mas
D. Sebasti�o percebendo, disse bruscamente: N�o, n�o a liberdade
real s� se h� de perder com a vida. E metendo esporas ao cavalo
com verdadeira f�ria, sumiu-se nas fileiras mu�ulmanas vibrando
para um e outro lado as mais formid�veis cutiladas. Debalde, os
fidalgos tentaram segui-lo, mas D. Sebasti�o tomara-lhes t�o
grande avan�o, que foi imposs�vel alcan��-lo. Desapareceu, e da
sua sorte nunca mais se soube. O povo n�o quis acreditar na sua
morte, e formou se em torno do seu nome, n�o s� uma lenda, mas uma
seita, que ficou conhecida por Sebastianistas. Mas a morte do
infeliz monarca foi oficialmente reconhecida, e a coroa caiu por
infelicidade em seu tio, o cardeal D. Henrique. Em 1582 o cad�ver
suposto ou verdadeiro, veio para Portugal, e foi enterrado num t�mulo
da igreja de Bel�m, onde se escreveu um pequeno epit�fio em latim,
que deixa transparecer a d�vida, porque diz: Aqui jaz, si vera
est fama ...
*
Entre
as diversas obras, que se tem escrito acerca do reinado de D.
Sebasti�o, conta-se a Historia Seb�stica, de frei Manuel
dos Santos, publicado em 1735. D. Sebasti�o usava a empresa de umas
estrelas de cinco pontas com a legenda Celsa serena favent.
Esta se encontra numa medalha que lhe foi dedicada, reproduzida na Memoria
das Medalhas de Lopes Fernandes.