Naná Vasconcelos | Enciclopédia Itaú Cultural

Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Música

Naná Vasconcelos

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 15.03.2024
02.08.1944 Brasil / Pernambuco / Recife
09.03.2016 Brasil / Pernambuco / Recife
Reprodução fotográfica Caio Palazzo.

Registro da Aula-espetáculo Os Muitos Sons de Naná Vasconcelos.

Juvenal de Holanda Vasconcelos (Recife, Pernambuco, 1944 - idem, 2016). Percussionista, compositor, vocalista. Ainda criança, aprende sozinho a manejar instrumentos de percussão. Aos 12 anos, tocando bongô e maraca, integra a banda liderada pelo pai, tocador de manola1 e violão. Mais tarde, trabalha como baterista em cabarés e na Banda Municipal...

Texto

Abrir módulo

Biografia
Juvenal de Holanda Vasconcelos (Recife, Pernambuco, 1944 - idem, 2016). Percussionista, compositor, vocalista. Ainda criança, aprende sozinho a manejar instrumentos de percussão. Aos 12 anos, tocando bongô e maraca, integra a banda liderada pelo pai, tocador de manola1 e violão. Mais tarde, trabalha como baterista em cabarés e na Banda Municipal do Recife. Em 1966, participa com Geraldo Azevedo (1945) e Teca Calazans (1940) do musical folclórico Memórias de Dois Cantadores, em que explora pela primeira vez o berimbau, instrumento em que se especializa. Um ano depois, fixa-se no Rio de Janeiro, onde toca com vários artistas e bandas, como Gal Costa (1945), Os Mutantes e Milton Nascimento (1942), que o convida para participar de seu primeiro disco. Ao lado de Geraldo Azevedo, integra o grupo Quarteto Livre, com o qual acompanha o compositor Geraldo Vandré (1935). Com o saxofonista argentino Gato Barbieri (1932), vai para a Argentina, Estados Unidos (onde vive em 1971) e Europa (Festival de Montreux, de 1972). Vive em Paris, entre 1972 e 1977, e lá grava seu primeiro disco solo, Africadeus (1972). Durante curta estada no Brasil, em 1973, grava o segundo álbum, Amazonas, e participa de Milagre dos Peixes, LP de Milton Nascimento. Totalmente instrumental, o disco torna-se um ícone do protesto contra a ditadura. Ainda em Paris, no selo Saravah, grava um disco com Nelson Ângelo (1949) e Novelli (1945), em 1974, e forma um duo com Egberto Gismonti (1944), com quem lança os discos Dança das Cabeças (1977), vencedor do Grammy, Sol do Meio-Dia (1978) e Duas Vozes (1984). Em 1978, fixa-se em Nova York, e cria com Don Cherry (1936-1995), trompete e percussão e Collin Walcott (1945-1984), tabla e cítara, o trio Codona, com quem grava dois discos, em 1979 e 1981, que incorporam ao jazz características da música africana, asiática e brasileira. Grava seu terceiro álbum solo, Saudades (1979), e integra o grupo do guitarrista norte-americano Pat Metheny (1964).

Em 1983, passa a tocar bateria eletrônica, utilizada nos discos Nanatronics (1985), Bush Dance (1986) e Rain Dance (1989). Após a morte de Walcott, forma com Cherry o quinteto Nu, além de trabalhar com o percussionista indiano Trilok Gurtu (1951). Nos anos 1990, forma o trio Inclassifiable com o saxofonista britânico Andy Sheppard (1957) e o tecladista norte-americano Steve Lodder (1951). Ainda sediado em Nova York, em 1994, volta a trabalhar no Brasil, lança Contando Histórias (1994) e cria o projeto ABC Musical, que reúne crianças de sete a dez anos para cantar música folclórica brasileira. No ano seguinte, assume a direção do Perc-pan (Panorama Percussivo Mundial), cargo que ocupa até 2001. Após se fixar no Recife, em 1999, grava pelo Núcleo Contemporâneo os discos Fragmentos (2001) e Minha Lôa (2002). Em 2001, produz o primeiro álbum do grupo Cordel do Fogo Encantado e, no ano seguinte, grava com Itamar Assumpção (1949-2003) o disco Isso Vai Dar Repercussão, que só é lançado em 2004, após a morte do parceiro. Seguem-se Chegada (2005), Trilhas (2006) e Sinfonia e Batuques (2010).

No decorrer da carreira, participa da trilha sonora de filmes nacionais e estrangeiros, como A Idade da Terra (1980), de Glauber Rocha (1939-1981), O Último Tango em Paris (1972), de Bernardo Bertolucci (1940), e Down by Law (1986), de Jim Jarmusch (1953), além de compor a música original de O Sertão das Memórias (1997), de João Araújo, O Primeiro Dia (1998), de Walter Salles Junior e Daniela Thomas, e Quase Dois Irmãos (2004), de Lúcia Murat. Em 2010, realiza o projeto Língua Mãe, no qual reúne crianças de três países (Angola, Brasil e Portugal) de língua portuguesa em oficinas musicais e, por fim, uma apresentação com a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, com regência do maestro Gil Jardim. Há dez anos, Naná Vasconcelos e os Maracatus participam da abertura do Carnaval do Recife.

Análise da Trajetória
Eleito pela revista de jazz norte-americana Down Beat o melhor percussionista por nove anos consecutivos (1983-1991), Naná Vasconcelos amplia o conceito de percussão, estendendo-o a qualquer objeto que emita som: de instrumentos utilitários (como penico e panela) a elementos da natureza, passando pela voz, pelo corpo e pela eletrônica. Ao mesmo tempo, revoluciona o papel do percussionista, deixando de ser um mero acompanhante para tornar-se solista.

Apelidado de jungle man pela crítica norte-americana, em alusão ao exotismo dos objetos que leva para o palco, ele ressignifica os instrumentos tradicionais da percussão afro-brasileira, especialmente o berimbau, que se torna seu carro-chefe. Sua principal influência é o guitarrista Jimi Hendrix (1942-1970), que extrapola os limites impostos pela guitarra e explora todas as potencialidades do instrumento. Do mesmo modo, Naná Vasconcelos reinventa o vocabulário do berimbau (até então usado apenas na capoeira), buscando novos timbres (ao deslizar a baqueta em círculos sobre a cabaça ou percutir diretamente sobre a biriba2, no lugar da corda) e utilizando-os nos mais variados estilos de música, do new age do trio Codona ao frevo de Capiba (1904-1997), passando pelo jazz de Miles Davis (1926-1991) e Thelonius Monk (1917-1982), a música de protesto de Geraldo Vandré, o folk-rock de Paul Simon (1941), a new wave de David Byrne (1952) e a música popular brasileira (MPB) de Marisa Monte (1967), Jards Macalé (1943), Gilberto Gil (1942) e Clementina de Jesus (1902-1987). O álbum Saudades, é o ponto alto de sua trajetória como solista de berimbau: tocando um instrumento confeccionado por ele mesmo com uma corda de piano Steinway, o qual utiliza até hoje, ele grava com a Orquestra Sinfônica da Rádio de Stuttgart O Berimbau, composição sua orquestrada por Egberto Gismonti, um verdadeiro concerto para percussão e orquestra.

Além do berimbau e de outros instrumentos folclóricos (como o caxixi, o gongo ou a cuíca - que ele chega a usar num blues de B.B. King [1925-2015]), Naná explora a potencialidade do canto e da fala. Já no primeiro disco, Africadeus, na faixa intitulada "Pinote", ele entoa as estrofes de um maracatu de domínio público, além de explorar outros recursos percussivos do aparelho fonador que não a voz, como assobio, estalo de língua, chiado. Logo começa a extrair ritmos e sonoridades da palavra falada, criando os vocalismos que se tornam uma de suas marcas pessoais, inspirado nos pregões de rua e aboios do Nordeste. Compõe ainda seus primeiros versos, que já aparecem em seu disco Saudades, . Na faixa Vozes, ele transforma as sílabas de seu "poema onomatopaico" "Déro Não Déro" em sons percussivos ao repetir e sobrepor continuamente cada um dos versos:

"E déro não déro Dedé
diz que déro não déro Dedé
déro não déro Dedé
Dê e Dedé com Dedé
E Dedé com Dedé".

A composição procura imitar uma conversa de fundo de quintal em que várias pessoas discutem ao mesmo tempo se "deram" ou "não deram" a liberdade ao líder Zumbi dos Palmares.

Outra característica do trabalho de Naná é a utilização do próprio corpo como caixa de ressonância, recurso inspirado no trabalho que ele realiza numa clínica psiquiátrica da França, entre 1973 e 1974, com crianças excepcionais. Para se comunicar com elas, o percussionista imita os sons que elas produzem com o corpo e com a voz, propondo-lhes outros em seguida, numa espécie de diálogo improvisado. É assim que surge um repertório de sons corporais, que ele explora com maestria no disco Dança das Cabeças, parceria com Egberto Gismonti, ou em seu álbum Zumbi (1983). A pesquisa de novos sons, aliás, é uma constante na trajetória do artista. Seus últimos experimentos nesse sentido são produzidos na água, e podem ser escutados em seu mais recente álbum, Sinfonia e Batuques.

Vale destacar ainda a incorporação da tecnologia em seu trabalho. Após utilizar a bateria eletrônica nos anos 1980, logo abandonada, ele adere ao sampler para reproduzir suas vocalizações. Toca com o DJ Dolores e acompanha os movimentos musicais brasileiros que se valem da tecnologia, como o manguebeat. Em 2009, defende o "afro-futurismo" musical, mescla de elementos da música percussiva a intervenções de vanguarda.

Embora componha basicamente música instrumental, arrisca às vezes alguns versos, como na citada Vozes. A marca do letrista Naná é a simplicidade, em versos como; "Pula, canta, dança, menina / Vem cá para dançar, menina" ("Bush Dance", do disco homônimo) ou "Nós somos quase irmãos / fomos quase irmãos / somos quase irmãos / Nós somos quase irmãos" ("Quase Dois Irmãos", da trilha do filme homônimo), que soam quase simplórios, se comparados à riqueza de seu trabalho instrumental. Uma rara exceção é a canção "Futebol", também gravada em Bush Dance, em que lamenta a substituição do futebol-arte pelo jogo técnico, que passa a dominar os campeonatos:

"Não deixe o futebol perder a dança
nem perca este sorriso de criança
passe no peito, jogue de lado
Dê um sorriso e não pise na bola
Dê carreirinha, fique parado
Não deixe o futebol".

A música de Naná Vasconcelos chama atenção ainda por sua forte carga imagética, característica que ele atribui à influência de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), que em "O Trenzinho do Caipira" descreve musicalmente a partida de um trem e a paisagem que o circunda em seu trajeto. Do mesmo modo, o percussionista procura explorar a potência visual dos sons, construindo com eles paisagens ou narrativas. No álbum Zumbi, ele descreve como teria sido a chegada do primeiro escravizado africano ao território brasileiro. Em Contando Histórias, ele constrói, por meio da música, narrativas e paisagens típicas do Nordeste. Já em Sinfonia e Batuques, narra o encontro imaginário entre uma orquestra sinfônica e uma nação de maracatu. Em seus espetáculos ele utiliza imagens sonoras, levando a plateia a sonorizar com palmas - que ele rege do palco - uma chuva ou o movimento de um rio no meio da Floresta Amazônica.

Notas
1 Espécie de violão elétrico com apenas quatro cordas.
2 Pedaço de pau envergado utilizado como arco de berimbau.

Obras 39

Abrir módulo

Espetáculos 1

Abrir módulo

Mídias (1)

Abrir módulo
Música Surrealista com Naná Vasconcelos - Continuum #32
Itaú Cultural

Fontes de pesquisa 12

Abrir módulo
  • CEZIMBRA, Márcia. Como uma imagem pode virar música. Folha de S. Paulo, São Paulo, 10 abr. 1986. Ilustrada, p. 45.
  • COSTA, Carlos e ASSUMPÇÃO, Michelle. Música Surrealista. Continuum, São Paulo, ago. 2011. p.16-19. Disponível em: < https://issuu.com/itaucultural/docs/continuum32 >. Acesso em: 09 mar; 2016.
  • DICIONÁRIO Houaiss Ilustrado da Música Popular Brasileira. Coautor Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin. Rio de Janeiro: Editora Paracatu, 2006.
  • DINIZ, Polyana. O homem da floresta. Entrevista com Naná Vasconcelos. Diário de Pernambuco, Recife, 16 ago. 2009.
  • Diário de Naná. Documentário. Direção Pascoal Samora. Brasil, 2006. 60 min.
  • LACERDA, Mariana e MEIGUINS, Alessandro. A simplicidade de menino do percussionista que encontrou seu próprio ritmo para a vida. Vida Simples. São Paulo, Ed. Abril, n. 16, maio 2004.
  • MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998. p. 515.
  • NANÁ VASCONCELOS. Site oficial do artista. Disponível em: < http://www.nanavasconcelos.com.br >. Acesso em: 01 mar 2011.
  • Naná Vasconcelos. In: GROVE Online Dictionary. Disponível em: < http://www.oxfordmusiconline.com >. Acesso em: 01 mar. 2011.
  • PHAELANTE, Renato. MPB: compositores pernambucanos: coletânea bio-músico fonográfica. 1920-1995. Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, 1997.
  • TADEU, Felipe. Naná Vasconcelos relembra os tempos na gravadora ECM e no trio Codona. Universo Online, 16 fev. 2009. Disponível em: < http://musica.uol.com.br/ultnot/2009/02/16/ult89u10292.jhtm >. Acesso em: 01 mar. 2011.
  • TELES, José. Naná Vasconcelos, talento internacional. Continente Multicultural, Recife, ano 5, n.55, p. 72-81, jul. 2005.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: