Era outubro de 2003 e Elliott Smith estava com praticamente tudo pronto para lançar seu sexto álbum de estúdio, From a Basement on the Hill. No dia 21 daquele mês, há quase exatos 14 anos, Elliott morreu vítima de dois golpes de faca no peito. Estava em casa, em Los Angeles, com sua namorada. As circunstâncias de sua morte até hoje não foram esclarecidas, apesar de a hipótese de suicídio ser a mais provável em razão do seu histórico de vida e dos momentos difíceis que vinha passando na época de sua morte, aos 34 anos de idade, e muito antes disso.
É certo que há muitas maneiras de se começar um texto sobre Elliott Smith que não pelo seu fim, mas a morte trágica do cantor selou uma existência indissociável de suas músicas, profundamente conectadas à sua vida pessoal.
A voz curta do cantor indie folk nascido em Omaha, Nebraska, e que passou mais da metade de sua vida na cidade de Portland (EUA), expurgava uma lista interminável de demônios particulares – uma família desestruturada, um padrasto acusado de abusos sexuais e violência física, a adolescência e vida adulta repletas de consumo de drogas e álcool e um punhado de angústias sociais.
Sua discografia é basicamente um grande curto-circuito emocional, expressado em baladas melancólicas, doloridas, porém confortáveis e reconfortantes para quem escuta.
2017 também é um ano chave para Elliott Smith, porque marca o aniversário de duas décadas de lançamento de Either/Or, o álbum que o consagrou como uma estrela, seu último trabalho com uma gravadora pequena antes de sua estreia em grande destaque na Dreamworks. Either/Or é a síntese maior de seu som e estilo inimitável, uma mistura extraordinária de intimidade e explosão sentimental.
É certo que há muitas maneiras de se começar um texto sobre Elliott Smith que não pelo seu fim, mas a morte trágica do cantor selou uma existência indissociável de suas músicas, profundamente conectadas à sua vida pessoal.
Pouca gente se atenta ao fato de que o álbum é batizado com o mesmo nome da obra máxima do filósofo dinamarquês existencialista, Soren Kierkegaard.
No livro Enten/Eller (“Ou Isso, Ou Aquilo” em tradução livre para o português, e “Either/Or” em inglês) o filósofo retrata um dilema pessoal: profundamente apaixonado por uma mulher, Regina Olsen, ele sente que seu romance está condenado desde seu princípio por fatores externos, e afirmando a devoção de um sentimento verdadeiro e único por Regina, Kierkegaard abdica do seu amor para viver uma vida de introspecção e isolamento.
Ele acreditava que sua família era amaldiçoada, pois todos os seus irmãos morreram próximo aos trinta anos de idade, e por isso pensava que a possibilidade de formar uma família com a mulher que amava replicaria sua “descendência maldita”. William Todd Schultz, biógrafo de Smith, escreveu que Elliott dizia às suas namoradas: “Não se apegue à mim, eu não sei por quanto tempo estarei aqui”.
Aos vinte anos do seu trabalho mais emblemático e mais vendido, uma reedição comemorativa foi lançada, com várias faixas especiais. São quatro gravações inéditas e cinco versões ao vivo complementando as doze músicas originais. “I Figured You Out”, a primeira inédita liberada antes do lançamento da reedição de Either/Or, foi uma demo originalmente gravada em 1995, que Elliott deu para a cantora Mary Lou Lord.
Em um vídeo de 1997, ele diz que deu a música a ela porque era uma “canção pop estúpida que soava como a porra dos Eagles”. A história das demos, aliás, é um universo à parte de hipóteses e expectativas do público e fãs do cantor. Há rumores de novos lançamentos póstumos apenas com gravações caseiras e faixas que foram descartadas nas produções dos discos.
Larry Crane, amigo pessoal de Elliott e engenheiro de som que trabalhou na produção original de Either/Or, diz que a reedição teve como objetivo melhorar um pouco o som, porque há 20 anos os recursos eram outros e hoje pode-se fazer melhor nesses aspectos, além de inserir notas e referências ao que aconteceu, como foi feito, quem fez o disco com Elliott, onde foi gravado. Você pode escutar o material na íntegra abaixo, no YouTube, ou no Spotify.
Hoje é possível encontrar homenagens e sinais de Elliott Smith em muitos lugares. Do documentário biográfico Heaven Adores You, lançado em 2014, ao emblemático mural em Los Angeles que virou capa do disco Figure 8, atualmente um verdadeiro memorial ao artista; do desenho animado Rick and Morty, que trouxe Smith como a encarnação da angústia e do sofrimento ao disco Blonde, de Frank Ocean, que se disse profundamente influenciado por Elliott Smith e prestou seu tributo a ele da primeira à última faixa.
Recentemente, a versão de Smith para a música “Thirteen”, do Big Star, foi incluída na trilha sonora da controversa série 13 Reasons Why, que trata sobre suicídio na adolescência. A série gerou uma imensa polêmica sobre o teor da abordagem do tema, tão delicado, e foi acusada de romantizar doenças como a depressão e os fatores que levam um jovem a cometer suicídio. É impossível dizer se inserir Elliott na trilha sonora desta série foi uma escolha positiva ou negativa, levando em consideração sua própria história de vida.
O biógrafo William Schultz acredita que “para a maior parte das pessoas, a música de Smith é consoladora e faz muita gente se sentir melhor, mas para uma pequena fração, oferece um glamour à tristeza que aumentaria o risco de efetivamente tomar a decisão de tirar a própria vida, ou mesmo agravar a depressão”. Mas podemos dizer isso sobre qualquer grande artista que retrate tristeza e melancolia.
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