Todo Mundo Quase Morto - Cinema com Rapadura

Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Todo Mundo Quase Morto

O mundo dos mortos vivos nunca mais foi o mesmo depois deste longa. Armados de um humor negro afiadíssimo, o filme escrito pelos ingleses Simon Pegg e Edgar Wright - e que foi dirigido pelo próprio Wright - é uma obra prima do mundo dos zumbis.

O nome em português é lamentável: “Todo Mundo Quase Morto”. O título original é “Shaun of the Dead”, uma pequena brincadeira com o nome “Dawn of the Dead”, em português “Madrugada dos Mortos”, clássico de George A. Romero que na época havia sido readaptado – como se precisasse – pelas mãos de Zack Snyder. Aliás, a maldição de títulos ruins nacionais parece seguir estes ingleses, principalmente Simon Pegg que depois estrelou “Maratona do Amor” (“Run Fat Boy, Run!”), e talvez a pior adaptação de um título “Um Maluco Apaixonado” (“How To Lose Friends And Alienate People”). Bem, concluindo esta questão, podemos deduzir que obviamente muitos passaram longe do DVD devido a essa falha enorme na hora da escolha do nome, e se você é um desses, reconsidere pois não irá se arrepender.

Muitos dizem que a obra é uma paródia do já citado “Madrugada dos Mortos” do Snyder, mostrando mais uma vez como o filme foi mal compreendido, principalmente no Brasil, pois as similaridades só existem nos títulos originais e nada mais.

O roteiro é pura criatividade e nos apresenta Shaun, um cara que pode ser considerado por alguns como um grande perdedor, na verdade ele realmente é. Tem quase trinta anos, trabalha em uma loja vendendo TVs com um bando de jovens que não o respeita e que estão ali só esperando a hora de conseguir algo melhor, por assim dizer. Shaun tem seu inseparável amigo Ed, um vagabundo clássico, que passa o dia dormindo ou jogando videogame e que não trabalha, a não ser quando vende drogas. Ed é praticamente um encosto que Shaun adora carregar, o que mostra a falta de noção do cara, pois nos encontros com sua namorada Liz, o amigo primata está sempre presente, perturbando a vida do casal.

Shaun é um perdedor e Liz o dá um pé na bunda, mas nada melhor para um homem mostrar seu valor do que… uma invasão repentina de zumbis vorazes e famintos por carne crua. Alguns nascem para jogar futebol, outros para atuar, Shaun se deu muito bem como um sobrevivente. Ele tem um plano para escapar das hordas de zumbis e só precisa resgatar seus amigos para que tudo de certo. Claramente, não dá!

A obra intercala nuances de drama, ação e humor com uma maestria única. Edgar Wright acerta tanto na direção que o filme não perde o pique em momento algum. Ele consegue criar aquele lugar que fica marcado em nosso inconsciente, e quando lembramos, sentimos saudades, mesmo ele estando repleto de zumbis.

Uma das grandes qualidades do filme, como sempre, é sua edição. Sendo um bom exemplar de filme inglês atual, o corte final traz todos os lances “cools” do momento, que são takes rápidos e secos, passagens friamente calculadas, ótimos efeitos especiais (foram poucos, mas excelentes). No geral, o que reina é a dinâmica, a rapidez, mas com muita propriedade, nada fica solto nas mãos do editor artesão Chris Dickens. Apesar de claramente inspirada nas obras de diretores como Guy Ritchie ou Darren Aronofsky, a edição merece lugar de honra para o sucesso maciço do filme, juntamente com a maquiagem – que deixa muito “Resident Evil" no chinelo – e a trilha sonora, composta e escolhida de forma auspiciosa por Daniel Mudford e Pete Woodhead.

O que facilitou a vida dos realizadores foi o time de atores. Começando pelo sensacional Simon Pegg, um completo desconhecido, que tinha feito papéis pequenos em séries, se mostrou um ator tão completo e flexível que realmente impressiona. Nick Frost pode até ficar um pouco ofuscado com seu Ed, mas é também um excelente ator de comédia, ótimo timing e usa de seu porte desleixado para humor, como antigamente.

No time de coadjuvantes está ninguém menos do que o impagável Bill Nighy como Philip, padrasto de Shaun. A excelente Penelope Wilton entrega dramaticidade na medida certa para a mãe Barbara. Dylan Moran e Lucy Davis são o excêntrico casal David e Dianne, dois personagens muito bem construídos, com personalidades inusitadas e incrivelmente engraçadas. Kate Ashfield interpreta Liz, a ex-namorada que começa a enxergar aquele Zé Mané de antigamente com outros olhos após vê-lo esmagando alguns crânios pela rua, e por fim o insuportável colega de casa Pete, interpretado por Peter Serafinowicz com muitíssima qualidade.

Nenhum personagem é esquecido no filme. Todos têm seu peso e sua importância. Além dos personagens principais, existem outros complementos que enriquecem o filme de tal forma, que na segunda vez que você assiste, percebe um detalhe que havia escapado. É tudo muito bem amarrado. Cenas marcantes como a abertura com os créditos, a ida ao mercadinho em meio ao Armageddon onde Shaun passa sem perceber nada, as mortes terrivelmente realistas e grotescas, a descoberta da mulher “bêbada” no jardim com os olhos estranhos ou mesmo a seleção de disco para arma letal são memoráveis.

O DVD não chamou atenção no Brasil quando foi lançado, mas hoje muitos conhecem a obra devido a repercussão que o filme teve na vida de todos os seus envolvidos. Simon Pegg virou ator do alto escalão de Hollywood e fez filmes como “Star Trek” e “Missão Impossivel III” (foi o melhor do filme, aliás). Ele e seu amigo inseparável Nick Frost viveram os irmão gêmeos Dupont e Dupond, repetindo pela terceira vez a parceria, sendo a segunda, o também excelente “Chumbo Grosso” (título também fraco) que foi dirigido novamente por Edgar Wright.

Só para medir a importância da obra no mundo dos mortos vivos, o próprio George A. Romero, após assistir o filme, chamou os criadores Pegg e Wright para fazer uma ponta como zumbis em seu novo filme (na época) “Terra dos Mortos”.

“Todo Mundo Quase Morto” trouxe vida nova aos zumbis, pois pela primeira vez eles funcionaram de forma eficaz dentro do humor. O filme inspirou esse gênero “Comédia Zumbi”, dando ideias até para seu criador George A. Romero. Então fica aqui a dica, um filme imperdível.

Ronaldo D`Arcadia
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