A história de Luís IX da França, o rei que se tornou santo. | by Giulio Roberto | Medium
Giulio Roberto
11 min readFeb 22, 2018

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São Luís IX da França.

A história de Luís IX da França, o rei que se tornou santo.

Muito do que se sabe sobre a história de São Luís é devido aos esforços literários do cronista Jean de Joinville, que além de ter sido amigo próximo do rei, também lutou ao seu lado durante as cruzadas e foi testemunha de seu processo de canonização pelo papa Bonifácio VIII.

-Primeiros Anos (1214–1226)
Luís nasceu como membro da dinastia Capetiana, no dia 25 de abril de 1214, era filho do até então príncipe Luís, o leão (posteriormente, Luís VIII) e da sua famosa mãe, a princesa Blanche, que era por sua vez, filha de Afonso VIII de Castela. Sendo assim, o pequeno Luís era também membro e herdeiro indireto ao trono do reino ibérico.
Luís teve a infância comum destinada aos infantes nobres da época, a mãe que era tradicionalmente a educadora dos infantes naquela época, lhe ensinou o que era considerado o básico para um futuro monarca, que por sua vez era o latim, oratória, literatura, principalmente teologia, administração e estratégia militar. Desde a mais tenra idade, Luís apresentou especialmente talento na área militar, apesar de posteriormente ele ter admitido que odiava a guerra. No dia 14 de Julho de 1223 até então com 9 anos de idade, seu avô, Felipe II morre, passando assim o trono a seu pai, o agora Luís VIII, porém para a surpresa do agora herdeiro do trono francês seu pai teve um curto reinado (mesmo para padrões medievais), na data de de 8 de novembro de 1226, devido a uma epidemia de cólera que assolava Paris, morre seu pai, deixando então Luís IX, aos 12 anos de idade, como monarca da França, que na época enfrentava ameaças de reinos alemães e italianos, assim como desejava vingar os fracassos nas cruzadas anteriores. Sua mãe, agora Rainha Regente da França, tomou as rédeas até que Luís atingisse a maturidade (na época 16 anos idade), porém ela se torna uma espécie de co-monarca não oficial por um período maior do que o tempo determinado.

-Início do reinado (1226–1248)
No ano de 1234, a co monarquia deixa de existir e Luís passa a existir como único rei, porém a influência de sua mãe continuaria forte até a morte desta em 1254. Luís teve um começo de reinado turbulento devido a um ataque muçulmano na costa da França e principalmente devido a uma crise política que se iniciava exatamente em Paris. Um ex-rabino que havia se convertido ao catolicismo, traduziu o Talmude(um dos livros sagrados do judaísmo) do hebraico para o latim, apresentando-o ao papa Gregório IX, como prova da atitude maléfica dos judeus na Europa. Ao todo 35 partes foram apresentadas como provas contra o livro e o povo judeu, excertos como onde Jesus Cristo está a arder em um caldeirão de excrementos no inferno e outra onde judeus eram autorizados a converter a força ou matar os não-judeus (goyim em hebraico), a divulgação destas informações causou grande revolta na população cristã de Paris e da França em geral, que passou a perseguir judeus e a boicotar seus negócios e trabalhos. Foi só em em 1240, fazendo 6 anos de uma guerra interna velada entre judeus e cristãos, que Luís IX convocou um júri para por um fim a questão, de um lado o ex rabino Nicholas Donin e o papa Gregório IX a acusar o judaísmo, enquanto do outro lado quatro rabinos defenderam as escrituras judaicas e o povo judeu em geral, ao fim de 3 meses de debates e provas, Luís IX e seu colégio de juízes decidiram no dia 12 de Junho o veredito, onde os judeus franceses poderiam se manter em território nacional , continuar a exercer sua fé e manter seus negócios, porém qualquer cópia ou manuscrito do Talmude e da Torá eram considerados ilegais e portanto deveriam ser entregues as autoridades. No total, mais de 4 mil manuscritos foram queimados em grandes fogueiras e foi proibido aos copistas e pessoas letradas qualquer tentativa de se traduzir textos hebraicos para o latim ou para o francês antigo.

-Preparação para a guerra (1246–1248)

Após se dar por resolvida as disputas internas na França, era hora de se virar para o grande inimigo da cristandade da época, o islã.
Durante sua infância, Luís acompanhara de perto a cruzada de seu avô e de seu pai contra os albigenses (uma heresia que se fortaleceu na Europa durante os séculos XII-XIII), tendo assim aprendido sobre estratégia militar e sobre campanhas, portanto, era hora de se aventurar a expulsar ou enfraquecer as bases islâmicas no oriente, estava lançada a base para o que viria a ser a sétima cruzada. O procedimento adotado foi padrão, Luís IX montou seu conselho de guerra com os nobres e generais de maior renome de seu reino e passou a preparação para campanha, armeiros foram contratados, criadores de cavalos passaram a preparar seus animais, os estaleiros começaram a produzir os barcos que levariam as tropas. No entanto, politicamente a cruzada não tinha apoio internacional, devido ao desastre da sexta cruzada, nenhum monarca europeu tinha interesse em marchar sob terras dominadas pelo islã, apenas o inglês conde de Salisbury, William II, se aventurou a tomar parte dos esforços de Luís IX. Em 1247, a permissão do papal foi obtida e em 1248 a cruzada foi lançada.

  • A sétima Cruzada (1248–1254)
  • O rei Luís e o conde William, conseguiram reunir uma força de 20 mil homens e mais de 200 embarcações para transporte, saindo da França no começo de 1248, se dirigindo ao Chipre, onde conseguiram apoio dos nobres do império Latino em troca de apoio futuro contra o império bizantino( apoio este que nunca foi dado aos latinos). Em 1249 os cruzados chegaram a Damietta nas margens do rio Nilo, a guarnição da cidade que não esperava um ataque, foi pega de surpresa e se rendeu sem lutar, no entanto, a cheia do Nilo não havia sido levada em conta por Luís, o que fez com que seu exército ficasse paralisado na cidade durante 6 meses. Em novembro de 1249 o sultão aiúbida, As-Salih Ayyub morreu, deixando um vácuo no trono egípcio, essa era a hora perfeita para atacar a capital do império aiúbida, o Cairo. Luís marchou junto de seu aliado inglês, pilhando e tomando pequenas fortalezas no caminho até a capital islâmica, porém, no dia 8 de fevereiro de 1250, foram surpreendidos com uma enorme força muçulmana liderada pelo emir, Al-Malik Qutuz (futuro sultão do Egito e da Síria), esta seria a batalha de Al Mansurah.
  • A Batalha
  • O movimento inicial foi por parte dos cruzados, que atacaram um flanco desguarnecido dos islâmicos, que não esperavam uma batalha ali, já que existia um rio na região, a pequena força liderada por William II e pelo nobre Roberto de Artois causou grande confusão nas linhas muçulmanas, porém ao se restabelecer a ordem, o ataque foi repelido e tanto William II quanto Roberto foram mortos no combate, apenas 5 cavaleiros conseguiram retornar e alertar Luís IX, que retirou suas tropas e voltou ao acampamento de seu exército, no dia seguinte os muçulmanos, agora liderados pelo novo sultão eleito, Turansha, cercaram o acampamento cruzado e se deu inicio uma batalha sangrenta entre os dois lados, após 3 dias de resistência heroica por parte dos europeus, o rei Luís IX admitiu que estava derrotado e negociou uma trégua com o sultão, porém, Luís enganou o líder aiúbida e no dia 15 de fevereiro recuou para Damietta na calada da noite. Ao todo, mais de 5 mil cruzados morreram em Al Mansurah, as baixas muçulmanas foram muito maiores em número, se estima que mais de 15 mil homens do sultão tenham morrido, porém, os muçulmanos tinham força suficiente para perder um grande número de homens, os cruzados, não.
  • Batalha de Fariskur
  • Ao retornar a Damietta, apesar de estar com um bom contingente de soldados e de presumidamente ter escapado do exército islâmico, Luís foi surpreendido com a velocidade do inimigo, na noite do dia seguinte a sua fuga, as forças do sultão já estavam a postos e prontas para outra batalha, o exército cruzado entrou em pânico e começou a fugir da cidade de Damietta, o que causou um dos maiores massacres da história das cruzadas, mais de 7 mil soldados de Luís foram mortos, o rei e quase toda sua nobreza foram capturados.
  • Derrota da sétima cruzada
  • Após Fariskur, Luís encontrou com o novo sultão, onde foi repreendido por ter tentado fugir após a trégua mas foi elogiado por sua bravura na batalha de Al Mansurah. O acordo entre as partes foi que Luís devolveria a cidade de Damietta ao sultão, pagaria 400 mil dinares por sua soltura e de seus 12 mil soldados capturados e jurou nunca mais voltar ao Egito. Os egípcios também libertaram soldados cristãos e aliados capturados em outras guerras, porém muitos outros foram executados. Luís então partiu para a cidade do Acre, na Síria no ano de 1250, reduto do reino cristão de Jerusalém.
    A noticia da derrota chegou a Europa, porém, para surpresa de muitos dos rivais de Luís, sua bravura em combate contra os muçulmanos lhe deram muito crédito, deixando Luís com mais credibilidade do que seu rival europeu, o imperador do Sacro Império Romano Germânico. Esta credibilidade levou muitos europeus a considerarem o rei francês como um santo vivo, apesar da derrota.
  • Estadia na Palestina (1250–1254)

Ao chegar no Acre após o fracasso da sétima cruzada, Luís passou a estabelecer contatos diplomáticos com diversos reinos da região, reinos mongóis, islâmicos, bizantinos e armênios, todos estes tinham grande apreço pelo rei francês devido a sua cordialidade e conduta diplomática, muitos reinos fizeram alianças políticas e comerciais, um de seus nobres, o conde de Anjou se casou com uma nobre armênia. Os reis mongóis propuseram uma aliança militar onde o exército cruzado atacaria novamente a costa egípcia enquanto seus exércitos atacavam o leste, para poderem assim eliminar a ameaça aiúbida e dividirem os espólios daquele grande império, esta proposta foi recusada por Luís, que então se distraia em reconstruir cidades e fortalezas na palestina. Foi nesse período que o rei descobriu seu talento como reformador e patrono das artes, ali ele treinou e reconstruiu o exército do reino de Jerusalém e do Chipre, sendo considerado o governante de facto deste reino.
Na palestina Luís conseguiu grandes amizades e diversos cronistas de variadas etnias e religiões o louvavam como um grande governante, o rei chegou a pensar em se estabelecer na palestina e abdicar do trono em favor de sua mãe, que passaria por sucessão o trono a seu irmão mais novo, Carlos (que posteriormente seria monarca do reino da Sicília), porém, a morte de Blanche, sua mãe, em 1254, obrigou o monarca francês a retornar para seu país, o que causou grande insatisfação na população palestina que preferia o rei estrangeiro a seus próprios monarcas.

Retorno a França e anos prósperos (1254–1270)

Ao retornar a seu país, Luís passou a fazer exatamente a mesma coisa que fazia na palestina, investir em infraestrutura pública, nas artes e na diplomacia, neste período existiu um proto-mecenato, onde nobres e pessoas de influencia patrocinavam artistas, músicos, construção de edifícios e monumentos, foi neste período onde a obra mais famosa de Luís foi construída, a Saint-Chapelle. Luís é considerado pelos historiadores atuais e antigos como um grande expoente do movimento gótico europeu e é venerado como um grande patrão das artes, sendo responsável pela revivalismo e pelo florescimento cultural da França e de seus territórios, sendo copiado por diversos nobres, foi especialmente esta época da vida do monarca que deu origem ao termo, ‘’Século de ouro do Rei Luís’’.

A oitava cruzada (1270)

Em 1267, o colégio papal chamou uma nova cruzada, desta vez contra os sultões da Tunísia, esta campanha foi atendida pelo rei, por seu irmão Carlos, agora rei da Sicília, pelo rei Teobaldo II de Navarra (primo distante de Luís e Carlos) e também pelo príncipe herdeiro da Inglaterra, Eduardo (futuro Eduardo I). O plano era simples, o exército composto de mais de 20 mil soldados iria desembarcar nas ruínas da antiga cidade de Cartago e lançar um cerco a Tunes, capital da Tunísia.
No dia 18 de julho de 1270, após 3 anos de preparação e de 2 semanas de viagem, o exército cruzado chegou a costa africana e montou acampamento de acordo com o plano, após alguns dias, uma batalha se apresentou.

A encruzilhada das escaramuças

Era cedo e uma tropa avançada do exército cruzado avistou uma tropa islâmica que estava em busca de água em uma encruzilhada próxima do acampamento, os cristãos atacaram, porém foram surpreendidos por outra tropa avançada islâmica que havia acompanhado os soldados, o combate foi sangrento com ambas as partes perdendo soldados e cavalos, um dos cavaleiros cruzados bateu em retirada e avisou Luís da escaramuça que se desenrolava, Luís partiu com seu filho para a batalha, que de pouco em pouco ganhava grande proporções, ao final da tarde mais de 5 mil cruzados se enfrentavam com um numero semelhante de muçulmanos, com a fadiga afetando os dois exércitos, os árabes fugiram da batalha em direção a cidade de Tunes, esta foi a maior vitória militar de Luís e também sua última.
Esta batalha é relatada pelo cronista Jean de Joinville, no entanto ela nunca recebeu um nome formal, já que ela não foi uma batalha tradicional e sim um encontro de tropas menores que acabou culminando em um pequeno confronto.

O cerco de Tunes, a peste e morte.

No dia 25 de Julho se inicia o cerco de Tunes, diversos avanços foram feitos sem sucesso por parte dos cruzados, porém a guarnição muçulmana lutava para manter as defesas. Em meio ao combate, se percebeu que diversos soldados cruzados começaram a tombar doentes, era a cólera, após esse momento o cerco passa a perder força, no dia 3 de agosto, o filho de Luís IX, Jean Tristan, morreu devido a doença, o rei sentiu grandemente a dor de perder seu filho favorito e entrou em luto, mas o destino quis que esse luto fosse curto, pois no dia 11 de agosto Luís caiu doente e no dia 25 do mesmo mês, Luís IX, considerado até hoje como o maior rei da história da frança caiu morto no acampamento cruzado, vitimado pela mesma doença que matara seu pai. Carlos I da Sicília, seu irmão, chegou no dia posterior a sua morte e conduziu o cerco que acabou no dia 30 de outubro em status quo, os cristãos deveriam abandonar a Tunísia, porém os muçulmanos se comprometeram a encerrar os ataques a costa europeia e aos reinos cristãos e abriram rotas de comércio com estes. O príncipe Eduardo da Inglaterra chegou no último dia do cerco e não participou das lutas.

Repercussão da Morte do rei

O corpo de Luís devido as condições precárias do acampamento e da rápida putrefação, teve que ser cozinhado até que sua carne se soltasse de seus ossos (um hábito comum na idade média e antiguidade), estes por sua vez foram enviados em um barco para a costa francesa. Ao chegar no país, os restos mortais de Luís foram recebidos por uma enorme população amargurada e chorosa que lamentava a morte de seu rei, seus restos foram levados para Paris, onde foram recebidos pelo filho mais velho de Luís, o agora rei Felipe III, o bravo, seus restos foram depositados no mausoléu dos reis, a catedral de São Denis, porém seu coração foi levado por seu irmão Carlos I e depositado em uma igreja de Palermo e lá reside até hoje.
Após a morte de Luís, diversas músicas, livros, cantigas e monumentos foram feitos sobre o rei, a maioria comemorando a vida deste, outras satirizando as cruzadas e a morte do rei, porém é inegável o impacto político, cultural, religioso e histórico que Luís IX da França, considerado o maior rei daquele país, deixou no coração e na memória de seus súditos, da cultura europeia e ocidental. ( os restos mortais de Luís foram violados em 1793 durante a revolução francesa e jogados em um lixão, porém foram recuperados em 1820 pelo rei de mesmo nome, Luís XVIII)

Canonização e Legado

Em 1297, com o testemunho do seu antigo amigo, o cronista Jean de Joinville, nessa época bastante idoso, o rei Luís XI foi canonizado pelo papa Bonifácio VIII, recebendo a alcunha de ‘’Luís, o piedoso’’ ou ‘’Luís, o justo’’, ele é considerado um exemplo de rei cristão, ele é também co-patrono da terceira ordem de São Francisco de Assis, que o descreve como membro da ordem, porém é improvável que o rei tenha pertencido a esta, apesar de seu comportamento austero, simples e humilde possam torna-lo um membro honorário. O impacto de Luís foi tão grande que diversos reis por toda Europa adotaram o seu nome como deles.

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Giulio Roberto

23 anos Estudante de direito, amante da história, marinheiro civil, músico e estudante de línguas.