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OTOÑO-INVIERNO
nº 27, AÑO 15 (2023)
ISSN 1989-6425
O IMPACTO DA HERANÇA DA RAINHA DE ESPANHA D. MARIA
BÁRBARA DE BRAGANÇA (1711-1758) NAS JOIAS DA CASA REAL
PORTUGUESA.1
João Júlio Rumsey Teixeira
(IHA / NOVA FCSH)
joaoteixeira@fcsh.unl.pt
https://orcid.org/0000-0002-4575-2949
RESUMO
A rainha de Espanha D. Maria Bárbara de Bragança era irmã dos reis de
Portugal D. José e D. Pedro III. A partir do trono espanhol testemunhou a devastação
do terramoto de Lisboa em 1755, que a terá angustiado sobre os destinos da sua família
de origem. Cinco meses depois da catástrofe, lavrou o seu testamento fazendo
generosíssimos legados em joias à geração mais nova da família real portuguesa e,
sobretudo, ao irmão mais novo que tornou seu herdeiro universal. Desta forma, o
infante D. Pedro, futuro rei D. Pedro III de Portugal, herdou um conjunto de joalharia
a todos os títulos notável. Igualmente excecional é o facto de, ainda hoje, se
conservarem quatro joias de grande qualidade, provenientes da herança de D. Maria
Bárbara, no espólio de joalharia da antiga Coroa portuguesa, agora expostas no Museu
do Tesouro Real, em Lisboa.
PALAVRAS-CHAVE: história da joalharia; joias reais portuguesas; joias reais
espanholas; Bárbara de Bragança; palácio nacional da Ajuda.
IMPACTS OF THE INHERITANCE OF THE QUEEN OF SPAIN
MARIA BÁRBARA OF BRAGANZA (1711-1758) ON THE JEWELS OF
THE PORTUGUESE ROYAL HOUSE2
ABSTRACT
The queen of Spain Maria Bárbara of Bragança was sister of two Portuguese
kings, José and Pedro III. From the Spanish throne she witnessed the devastation of
the Lisbon earthquake of 1755, which would have worried her about the future of her
family of origin. Five months after the catastrophe she drew up her will, making very
generous jewellery bequests to the younger generation of the Portuguese royal family
1
Este estudo faz parte da investigação financiada pela bolsa de doutoramento 2021.04880.BD da
Fundação para a Ciência e Tecnologia Portuguesa(FCT).
2 This article is part of the research financed by the doctoral scholarship 2021.04880.BD granted by
the Portuguese Foundation for science and technology (FCT).
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and, above all, to the younger brother who became her universal heir. In this way,
infante Pedro, future consort king of Portugal, Pedro III, inherited a remarkable
collection of jewellery. Equally exceptional is the fact that four magnificent jewels once
part of the inheritance of Maria Bárbara were preserved at the Portuguese crown jewels
and reached our days. They are now on display at the Royal Treasure Museum in
Lisbon.
KEY WORDS: jewellery history; Portuguese royal jewels; Spanish royal jewels;
Barbara of Braganza; Ajuda palace.
***
1. INTRODUÇÃO
O terramoto, maremoto e incêndio do dia 1º de novembro de 1755 arrasaram
Lisboa, destruindo o multissecular complexo real da Ribeira e, com ele, o tesouro da
família real portuguesa, entre os quais se incluíram os acervos de joalharia do rei D.
José (1714-1777), da rainha D. Mariana Vitória de Bourbon (1718-1781) e das suas
quatro filhas: D. Maria Francisca Isabel (1734-1816), futura rainha D. Maria I; D. Maria
Ana Francisca Josefa (1736-1813); D. Maria Francisca Doroteia (1739-1771) e D.
Maria Francisca Benedita (1746-1829). A estes acervos somavam-se ainda as joias
pertencentes à Coroa e o espólio da recém-defunta rainha-mãe D. Maria Ana de
Áustria (1683-1754), pelo menos em parte ainda por partilhar e cujo inventário 3
impressiona pela magnificência. Desta forma, fica claro que os guarda-joias da família
real portuguesa sofreram um revés sem paralelo nesse ano de 1755.
Como em seguida veremos, menos de dez anos depois da catástrofe, a
normalidade estava restabelecida nas joias reais portuguesas de forma admirável. Por
um lado, em 1760, foi criado o fundo diamantífero da Coroa, conhecido como
«Reserva em Segredo»4, que colocou sob administração do rei de Portugal mais de
240.000 quilates de diamantes em bruto com o intuito de servir de suporte ao
monopólio do comércio de diamantes brasileiros, propósito principal que, no entanto,
não impediu que deste fundo fossem retirados inúmeros quilates de diamantes para a
criação de joias para a família real5. Por outro lado, entre dezembro de 1761 e março
3
As Gavetas da Torre do Tombo. Vol. VI, (Gav. XVI-XVII, Maços 1-3). Lisboa: Centro de Estudos
Históricos Ultramarinos (C.E.H.U.), 1967, 257-325.
4 João Júlio Rumsey Teixeira. “Diamantes da Coroa Portuguesa: da Reserva de Segredo às Estrelas de
D. Maria Pia”, em Catálogo do Museu do Tesouro Real do Palácio Nacional da Ajuda, ed. José Alberto Ribeiro
(DGPC / INCM, 2023); e João Júlio Rumsey Teixeira. “A Consolidação do monopólio dos diamantes
brasileiros como pilar da joalharia real portuguesa no período mariano”, em Revista de História
(Universidade de São Paulo, no prelo).
5 Ao longo da segunda metade do século XVIII e todo o século XIX, o fundo diamantífero da Coroa
serviu sistematicamente de fornecedor de diamantes para a execução de joias. Esse é um dos temas
especialmente aprofundados na investigação de doutoramento de que faz parte este artigo. Sobre o tema,
veja-se ainda: Rumsey Teixeira, “Diamantes da Coroa”; Rumsey Teixeira “A consolidação”; e Teresa
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de 17626, a entrega do que coube à família real portuguesa na herança da rainha de
Espanha, D. Maria Bárbara de Bragança, irmã dos reis de Portugal D. José I (r. 17501777) e D. Pedro III (r. 1777-1786), teve um impacto de tal forma importante nos
cofres de joalharia da corte lusa que ainda hoje subsistem, nas coleções públicas
portuguesas, quatro joias magníficas provenientes desta herança, hoje expostas Museu
do Tesouro Real do Palácio Nacional da Ajuda (MTR).
2. D. PEDRO [III] DE PORTUGAL, HERDEIRO UNIVERSAL DE D.
MARIA BÁRBARA
Sem descendência do seu casamento com o rei Fernando VI de Espanha
(1713-1759), celebrado na primeira troca das princesas7, em 1729, a irmã do futuro rei D.
Pedro III de Portugal nomeou-o seu herdeiro universal.8 A coleção de joias que D.
Maria Bárbara deixou à data da sua morte era, a todos os níveis, assombrosa e foi,
maioritariamente, dividida pela sua família portuguesa9. Uma visão do recheio do cofre
do quarto de D. Pedro no início de 1765, descrito num inventário realizado a 12 de
janeiro desse ano10, cruzado com as descrições apresentadas por Amelia Aranda Huete
e a breve lista elaborada pelo embaixador português em Madrid, D. José da Silva
Pessanha (1717-1775), em março de 1762 11 , permite observar uma série de
coincidências nas peças descritas.
Maranhas. “Diadema e colar de estrelas”, em Catálogo do Museu do Tesouro Real do Palácio Nacional da Ajuda,
ed. José Alberto Ribeiro (DGPC / INCM, 2023).
6 Amelia Aranda Huete. “Las joyas de Fernando VI y Bárbara de Braganza”, em Estudios de Platería.
San Eloy 2006, ed. Jesús Francisco Rivas Carmona (Universidad de Murcia, 2006), 21-44 DOI:
10.6018/editum.1367; e ANTT, CR, cx. 5140: Memória das Joias que vão para Portugal, segundo a ordem como
foram inventariadas.
7 Durante o século XVIII tiveram lugar duas cerimónias de troca de princesas entre Portugal e Espanha:
a primeira em 1729, referente ao duplo casamento do futuro rei D. José I de Portugal (1714-1777) com
D. Mariana Vitória de Bourbon (1718-1781) e, no sentido inverso, do futuro rei Fernando VI (17131759) com D. Maria Bárbara de Bragança (1711-1758); a segunda em 1785, referente ao casamento do
futuro rei D. João VI (1767-1826) com D. Carlota Joaquina de Bourbon (1775-1830) e, no sentido
inverso, do infante D. Gabriel de Bourbon (1752-1788) com a infanta D. Maria Ana Vitória de Bragança
(1768-1788).
8 Aranda Huete, “Las joyas”, 44.
9 Ibídem, 21-44; Gonçalo de Vasconcelos e Sousa. A joalharia em Portugal 1750-1825 (Porto:
Civilização, 1999), 124; e Isabel Silveira Godinho (ed.). Tesouros Reais (Lisboa: IPPC, 1992), 44 e 52.
10 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, manuscritos, 22, 3, 25 – Inventário das Joias que S.A. que Deus
guarde tem em uma caixa de ferro no seu quarto. Este inventário data de 12 de janeiro de 1765 e conta com
apontamentos posteriores sobre ofertas e transformações de algumas das peças descritas. Encontra-se
transcrito em Isabel M. Drumond Braga e Paulo Drumond Braga. “As jóias de D. Pedro e D. Maria,
Príncipes do Brasil em 1765: cor, brilho e exotismo na Corte”, em Rumos e Escrita da História: Estudos e
Homenagem a A. A. Marques de Almeida. (Lisboa: Colibri, 2006), 287-309. Os autores assumiram que as
joias descritas no documento que transcreveram pertenciam aos dois príncipes do Brasil, D. Pedro e D.
Maria, o que não corresponde à verdade. O inventário de 1765 refere-se a joias que eram propriedade
de D. Pedro, ainda que fossem usadas, a título de empréstimo, por D. Maria I. As joias que eram
propriedade da princesa-herdeira D. Maria, foram descritas um ano depois, encontrando-se o seu
inventário igualmente na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, manuscritos, I-15, 1, 67 – Inventário das
Joyas da Princeza N. Sr.ª feito em 14 de Janeiro de 1766.
11 ANTT, CR, cx. 5140 – Memória das Joyas que vão para Portugal, segundo a ordem como foram inventariadas.
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Por exemplo, um pequeno núcleo de joias representando motivos chineses, ou
chinoiseries, consta tanto do inventário realizado em Espanha, como do recheio do cofre
de D. Pedro, e do qual destacamos uma peça decorada com as figuras de «una mujer
china y [...] un muchacho que le da sombra con un quitasol»12 que em tudo corresponde
à descrição feita em Portugal: «uma figura à chinesa com chapéu de sol e uma criança
pega no chapéu, de brilhantes, rubis e esmeraldas» 13 . Várias outras descrições
coincidem na figuração das peças, como uma joia que figurava «uns pórticos de
palácios antigos com um leão à porta principal, com cinco pingentes de rubis» 14 ,
descrita por Aranda Huete como «una piocha adornada con la figura de um león y en
la parte baja, uma serie de arcos em disminuición, guarnecidos com rubíes y
esmeraldas»15; ou outra, muito curiosa, «representando un molino de viento, cuyas
aspas se movían al darlas cuerda, toda de diamantes, esmeraldas y rubíes» 16, descrita
pelo embaixador Pessanha como «piocha de um moinho de vento»17 e, já em Lisboa,
em 1765, como «um moinho de vento com rubis e esmeraldas e outras várias pedras»18.
D. Maria Bárbara parece ter tido uma especial predileção por diamantes
coloridos, sendo uma das suas joias mais sumptuosas com estas pedras um ramo para
peitilho que deixou à imagem da N.ª S.ª da Madredeus do convento de Xabregas, em
Lisboa19. Num dos seus últimos retratos, a rainha enverga um devant-corsage em forma
de ramo de flores cravejado com gemas de delicadas cores, que me atrevo propor como
hipótese para a joia legada à Madredeus (fig. 1). Das joias com diamantes coloridos, D.
Pedro terá herdado várias, entre as quais um valioso anel cravejado com «um diamante
grande cor-de-rosa desmaiada»20, descrito pelo embaixador em Madrid como «um anel
de um diamante cor-de-rosa»21.
De entre as joias herdadas por D. Pedro consta «un zafiro grande ovalado
guarnecido de diamantes brillantes, destacando cuatro más grandes», descrição seguida
por outra de uma joia idêntica, mas mais pequena, e ainda por «otros seis [zafiros] más
pequeños com la misma guarnición [de brillantes]» 22 . Estas peças constam na
mencionada lista escrita pelo embaixador D. José Pessanha, referente às joias de D.
Maria Bárbara enviadas para Portugal em 176223. Já pelo inventário do cofre de D.
Pedro, ficamos a saber que, três anos depois, já em Lisboa, todas teriam sido integradas
num adereço maior de safiras que se compunha de: «uma safira muito grande e sete
mais piquenas, para as porem na cabeça, e mais dez [safiras] mais piquenas cravejadas
com seus engastes, que serviam de gargantilha»24. Tal como declarado diversas vezes
Aranda Huete, “Las joyas”, 38.
Braga e Braga, “As jóias”, 305 (nº 32).
14 Ibídem, 305, s/n.
15 Aranda Huete, “Las joyas”, 38.
16 Ibídem.
17 ANTT, CR, cx. 5140 – Memória das Joias [...], verba 45.
18 Braga e Braga, “As jóias”, 305, s/n.
19 Aranda Huete, “Las joyas”, 31. Não foi possível encontrar informação sobre o destino desta joia.
20 Braga e Braga, “As jóias”, 307 (nº 61).
21 ANTT, CR, cx. 5140 – Memória das Joias [...], verba 100.
22 Aranda Huete, “Las joyas”, 41.
23 ANTT, CR, cx. 5140 – Memoria das Joias [...], verbas nº 76, 77 e 78.
24 Braga e Braga, “As jóias”, 305 (nº22).
12
13
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pelo relator do inventário de D. Pedro, as joias do então príncipe do Brasil, guardadas
no seu quarto no paço de madeira da Ajuda, conhecida como Real Barraca25, eram
usadas regularmente pela sua mulher, a futura rainha D. Maria I, abrindo mesmo o rol
do conteúdo do cofre da seguinte forma: «Primeiramente as que mais usa a Princesa
N.ª Sr.ª»26. Por esta razão, não é de estranhar encontrarmos D. Maria representada a
envergar joias que eram propriedade de D. Pedro, entre as quais a grande safira azul
oval (fig. 2).
Figura 1. Anônimo espanhol, Retrato de D. Maria Bárbara de Bragança, rainha de Espanha, meados do
século XVIII. Óleo sobre tela. Museu do Prado, Madrid, inv. P-4730.
© Wikipedia
3. 300 ANOS DE UMA SAFIRA REAL
A grande safira oval rodeada por diamantes em talhe brilhante, quatro dos
quais maiores, colocados nos pontos cardeais, conserva-se hoje no MTR (fig. 3), sendo
o seu percurso secular na esfera das casas reais ibéricas e, depois, conservada pelo
regime republicano português, um exemplo atípico de uma joia cujo paradeiro não se
perdeu nas voltas da história. Como vimos, a peça foi herdada em 1762 pelo infante
D. Pedro, futuro rei D. Pedro III de Portugal, irmão mais novo da rainha D. Maria
25 Depois do terramoto de 1755 e da destruição do complexo real da Ribeira, a família real instalouse na colina da Ajuda num paço improvisado construído em madeira que, com os anos, ficou conhecido
como «paço de madeira» ou «real barraca». Em novembro de 1794 a real barraca foi destruída por um
incêndio, tendo espoletado o processo de construção do atual palácio da Ajuda.
26 Braga e Braga, “As jóias”, 302.
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Bárbara de Espanha. Por morte de D. Pedro III, em 1786, a herança do rei consorte
foi dividida entre a viúva, a rainha D. Maria I, que recebeu metade; o seu filho mais
novo, o futuro rei D. João VI (1767-1826), que recebeu um quarto; e a viúva do seu
filho mais velho27, D. Maria Francisca Benedita (1746-1829), que recebeu o restante
quarto do património. Na sequência deste processo, que se arrastou até 179128, D.
Maria Francisca Benedita herdou várias joias de D. Pedro, entre as quais a grande safira
oval rodeada por diamantes, cuja utilização como prego de cabelo não foi alterada pela
pequena intervenção nela realizada por Adão Pollet29 (c.1720-1785) em 178430.
Após a morte sem descendência de D. Maria Francisca Benedita e por vontade
expressa no testamento, as suas joias foram vendidas para financiar a obra em que
empenhou grande parte da vida: o asilo militar de Runa, em Torres Vedras. O processo
desta partilha decorreu entre 1829 e 1830, durante o breve reinado de D. Miguel (18021866), tendo a venda das joias ocorrido em circuito fechado, acabando a maior parte
adquiridas pela Casa do Infantado; uma outra parte, mais pequena e composta
sobretudo por pérolas, foi comprada pelo próprio rei, a título pessoal; e um último lote
adquirido pela infanta D. Isabel Maria (1801-1876), irmã de D. Miguel, regente de
Portugal entre 1826 e 1828 e que tinha mantido uma relação muito próxima com a tia
D. Maria Francisca Benedita31. O lote comprado pela infanta-regente D. Isabel Maria
compreendia várias joias, entre as quais «uma peça para o peito em forma ovada, com
uma grande safira no meio, circulada de brilhantes, [e] dois pingentes muito grandes
27
D. José de Bragança (1761-1788), primogénito de D. Maria I e D. Pedro III e presumível herdeiro
do trono português até à data da sua morte, de varíola, em 1788. Casou, em 1777, com a sua tia D.
Maria Francisca Benedita, casamento de que não houve descendência.
28 ANTT, Casa do Infantado (PT/TT/CI/D-E/002/1381/1) – Documentos vários da
administração da quinta da Queluz, fls. 256 a 290. A localização deste importante documento deve-se à
diligência do Doutor Hugo Xavier que, generosamente, comigo a partilhou.
29 Adão Gottlieb Pollet, de origem Polaca, foi o principal joalheiro a trabalhar para D. Maria I e D.
Pedro III. Vd. Isabel Mayer Godinho Mendonça. “Os Pollet, uma Dinastia de joalheiros ao Serviço da
Casa Real Portuguesa” em Actas do III Colóquio Português de Ourivesaria, ed. Gonçalo de Vasconcelos e
Sousa (Porto: Universidade Católica Editora, 2012), 75-112.
30 Um recibo datado de maio de 1784, de Adão Pollet, refere uma intervenção na peça com a grande
safira oval, contudo, contrariamente ao que tem sido assumido, Pollet não terá sido o responsável pela
execução da armação desta joia. Tal parece manifesto pelo facto de, em 1762, estar já guarnecida de
diamantes brilhantes, quatro dos quais maiores, forma com que hoje permanece, e por, já em 1765, estar
já a ser usada como peça de cabeça (a autoria foi atribuída pela primeira vez em Godinho, Tesouros Reais,
62; posteriormente dada como certa em Rui Guedes e Nuno Vassallo e Silva. Joalharia Portuguesa (Lisboa:
Bertrand, 1995), 126; e, por consequência, assumida por toda a literatura posterior).
Aquilo por que Pollet cobrou um irrelevante valor (6$400rs) foi uma pequena intervenção que,
através leitura do telegráfico recibo, se deduz que possa ter sido uma alteração no espigão e a cravação
de 2,50 quilates de pequenos diamantes (no remate do espigão?), altura em que poderão, ainda, ter sido
colocadas as argolas de suspensão e foi feito um novo estojo para guardar a joia (Boletim da Academia
Nacional de Belas Artes – Documentos, vol. V, (Lisboa: ANBA, 1948), doc. XXII).
31 Alice Lázaro. O Testamento da Princesa do Brasil D. Maria Francisca Benedita (1746-1829) (Lisboa:
Tribuna da História, 2008); João Júlio Rumsey Teixeira. “Safiras de Benedita?”, em L+arte, nº75,
setembro de 2010 (Lisboa: Entusiasmo Media), p.12; e João Júlio Rumsey Teixeira. “Pingentes de Safira”,
em Catálogo do Museu do Tesouro Real do Palácio Nacional da Ajuda, ed. José Alberto Ribeiro (DGPC /
INCM, 2023).
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de uma safira cada um, com engastes de brilhantes miúdos»32. Desta forma, até à morte
de D. Isabel Maria, em 1876, a grande safira foi sua propriedade pessoal, tendo
permanecido junto com os dois pingentes já mencionados na herança de D. Maria
Francisca Benedita e aos quais adiante faremos nova referência.
Figura 2. Anônimo, Retrato de D. Maria I.Portugal, c. 1777-1786. Óleo sobre tela. Museu Nacional de
Arte Antiga em depósito no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Cortesia do MNAA e do MNE. © autor
A sucessão de D. Isabel Maria, conhecida por todos como a infanta-regente,
foi controversa, tendo esta nomeado como herdeiros universais os padres ingleses do
colégio de S. Pedro e S. Paulo, em Lisboa. Nos anos subsequentes à morte da infantaregente, os herdeiros terão dispersado, pelo menos, parte do vasto património herdado,
entre o qual a grande safira oval e os dois pingentes de safira que, em 1879, o então rei
D. Luís (1838-1889) mandou comprar para incorporarem o património da coroa,
expressamente por serem «joias de família» 33 . Esta foi a última adição de joias ao
património da coroa, tendo custado as três safiras quatro contos e quinhentos mil reis
(4.500$000rs) (fig.4). Desde então, as joias foram usadas pelas rainhas portuguesas até
ao fim do regime monárquico em 1910 e, depois da implantação da república,
32
33
Lázaro, O Testamento, 110.
APNA, Inventário de 1842-1844, fl. 38v.; e Rumsey Teixeira, “Pingentes de Safira”, 2023.
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permaneceram entre o património da antiga coroa que integrou o património do
Estado.
Figura 3. Medalhão com grande safira oval (originalmente com 110,30ct, repolida em
1950, pesando hoje 100,05ct) emoldurada por diamantes em talhe de brilhante, quatro
dos quais maiores. Espanha, meados dos séc. XVIII, originalmente um alfinete de cabelo, foi
transformada em pendente no século XIX. Palácio Nacional da Ajuda, inv. 4782. © Direita: Luísa
Oliveira DGPC/ADF; esquerda: autor.
Figura 4. Conjunto de medalhão e dois pingentes, em safiras e diamantes, adquirido pela
Coroa portuguesa aos herdeiros da infanta-regente D. Isabel Maria em 1879. Palácio Nacional da
Ajuda, inv. 4782 a 4782C. © autor
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Antes de passar aos restantes impactos da herança de D. Maria Bárbara nas
joias reais portuguesas – entre os quais a identificação da possível origem dos dois
pingentes de safira anteriormente mencionados – importa levantar uma hipótese de
proveniência ainda mais recuada para a safira oval maior, bem como do conjunto de
oito que originalmente fazia parte no espólio de D. Maria Bárbara (1711-1758).
Aquando da primeira troca de princesas, em 1729, reinava em Espanha Filipe V (16831746), pai do noivo de D. Maria Bárbara – o futuro rei Fernando VI (1713-1759).
Filipe V estava nessa altura casado com a sua segunda mulher, Isabel Farnésio, princesa
de Parma (1692-1766), com quem havia casado na véspera de Natal de 1714, depois
da morte, dez meses antes, de Maria Luísa de Sabóia (1688-1714), mãe do noivo de D.
Maria Bárbara. Atendendo às joias representadas num dos mais conhecidos retratos
de Isabel de Farnésio, pintado por Jean Ranc em 1723 (fig.5), bem como à descrição
das joias no acervo desta rainha,34 afigura-se muito possível que este conjunto de oito
grandes safiras tenha sido presenteado pela então rainha de Espanha à mulher do seu
enteado e futura rainha – fosse por ocasião do seu casamento, ou posteriormente.
No quadro de Ranc, Isabel de Farnésio exibe um devant-corsage composto por
três peças de tamanho decrescente, cravejadas ao centro com quatro grandes safiras
alongadas. Além destas, a rainha de Espanha exibe duas joias nas mangas cravejadas
ao centro, cada uma, com uma safira ovalada. Este conjunto é completado por mais
duas safiras circundadas por diamantes na junção do corpete com a saia e por um
riquíssimo cinto de diamantes e safiras. Desta forma, e não contando como o cinto, o
adereço formado pelo devant-corsage, joias das mangas e da saia ostenta oito safiras que
parecem encaixar na descrição das que, quase quatro décadas depois, encontramos
descritas na herança de D. Maria Bárbara.
4. JOIAS PARA AS SOBRINHAS
O lote que foi herdado por D. Pedro não correspondia ao cúmulo de todas as
joias de D. Maria Bárbara, muito pelo contrário. No seu testamento, a rainha de
Espanha dispôs de inúmeras peças, algumas especialmente importantes, destinadas ao
marido, a vários outros familiares e servidores, bem ainda como legados pios. Destes,
interessam-nos aqueles que tiveram como destino a sua família de origem, os Bragança.
Resumindo, ao rei de Portugal, D. José, seu irmão, deixou um par de anéis, cada um
com um diamante talhe brilhante; à rainha D. Mariana Vitória (1718-1781), irmã do
seu marido e mulher do seu irmão, um relógio de brilhantes35; já às quatro filhas destes,
suas sobrinhas, legou importantes parures. As quatro irmãs receberam, cada uma, um
adereço muito completo, diferentes entre si no tipo de gemas: diamantes para D. Maria
I, esmeraldas para D. Maria Ana Josefa, rubis para D. Maria Francisca Doroteia e
safiras para D. Maria Francisca Benedita.
34 Aranda Huete, La joyería em la Corte durante el reinado de Felipe V e Isabel de Farnesio. Tese de
doutoramento em história da arte (Universidad Complutense de Madrid, 2002), p. 51 e 55.
35 Aranda Huete, “Las Joyas”, 31.
Librosdelacorte.es, OTOÑO-INVIERNO, nº 27, año 15 (2023). ISSN 1989-6425
DOI: https://doi.org/10.15366/ldc2023.15.27.003
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João Júlio Rumsey Teixeira
•
A D. Maria Francisca Isabel (1734-1816), futura D. Maria I, legou um colar
esclavage de brilhantes e umas manillas também de diamantes. A estas, juntou duas piochas
(ou seja, peças de cabelo ou vestido) em forma de ramo com grandes pingentes de
brilhantes em gota e um também grande par de brincos em girândola, tudo de
diamantes36.
•
D. Maria Francisca Doroteia (1739-1771) recebeu um laço para o corpete de
diamantes e rubis, bem como um colar, um par de brincos, dois laços para mangas,
dois anéis e uma piocha em forma de ramo com três flores e um laço. Todas as peças
de rubis e diamantes37.
•
A D. Maria Francisca Benedita (1746-1829), a mais nova, calhou um conjunto
de safiras que era composto por uma devota38, um par de brincos a condizer, dois
anéis cada um com uma safira quadrada rodeada de brilhantes, dois alfinetes para
mangas e uma piocha com dois ramos com flores e safiras em gota39. É, pois, bastante
plausível que os dois pingentes com safiras em talhe gota e encaixes de diamantes
(fig.6) adquiridos, em 1830, por D. Isabel Maria à herança da tia D. Maria Francisca
Benedita sejam provenientes desta série de joias com safiras herdadas de D. Maria
Bárbara em 1761 – ou provenientes do desmanche do par de brincos, ou da piocha com
dois ramos e safiras em gota.
•
Propositadamente deixamos para o fim a descrição das joias legadas a D. Maria
Ana Francisca Josefa (1736-1813). A esta infanta deixou D. Maria Bárbara “o laço de
peito com esmeraldas e brilhantes”, «os brincos companheiros [do laço]», «a piocha
grande de esmeraldas guarnecidas [de brilhantes]», a maior «amêndoa de esmeraldas»
também guarnecida de brilhantes, os dois maiores anéis de uma esmeralda cada um e
dois «lacitos» para «manillas»40. Excecionalmente, a primeira das joias do legado de D.
Maria Ana chegou aos nossos dias, conservando-se no MRT (fig.7). É, a todos os
títulos, uma joia fora de série e uma das guarnições de corpete setecentistas mais
opulentas que sobreviveram até à contemporaneidade.
36
Ibídem.
Ibídem.
38 Devota – Joia constituída por um elemento superior horizontal, mais largo que a restante peça e
que podia ser figurativo, representando um laço. Deste elemento pendia uma cruz, grega ou latina, nos
braços da qual podiam, ou não, existir pingentes. Esta joia podia ser usada no corpo ou ao pescoço,
presa a um colar ou fita têxtil. Na Península Ibérica o sucesso desta tipologia foi enorme, tendo o seu
uso sido popularizado em várias camadas da população ainda durante o século XVIII, com a adaptação
do modelo a peças realizadas em chapa ou filigrana de ouro, com ou sem aplicação de pedraria pouco
dispendiosa (como pastas vítreas, minas-novas ou pequenos diamantes talhe rosa). A evolução formal
da decoração do elemento superior, mais largo, e do pendente em forma de cruz, com especial enfoque
na profusão decorativa entre os braços da cruz, estão na génese do, ainda hoje tradicional e muito
popular, pendente/alfinete ‘laça’.
39 Aranda Huete, “Las Joyas”, 31.
40 Vasconcelos e Sousa, A Joalharia, 124 e 140.
37
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O impacto da herença da rainha de Espanha D. ...
Figura 5. Jean Ranc, Retrato de Isabel de Farnésio, rainha de Espanha, 1723. Óleo sobre tela.
Museu do Prado, Madrid (P-2330). © Wikipedia
Figura 6. Dois pingentes com safiras em talhe gota (c. 50 e 60 quilates) e encaixes de
diamantes. Espanha, meados do séc. XVIII. Palácio Nacional da Ajuda, inv. 4782/A e B. ©
Luísa Oliveira DGPC/ADF
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Figura 7. Guarnição de corpete. Espanha, meados do século XVIII. Esmeraldas colombianas (c. 300
quilates), diamantes, prata e prata dourada. Palácio Nacional da Ajuda, inv. 4779. © Luísa Oliveira
DGPC/ATL.
5. O LAÇO DE ESMERALDAS
Em 1783, D. Maria Ana (fig.8) fundou o mosteiro do Desagravo do Santíssimo
Sacramento, ao Campo de Santa Clara, em Lisboa 41 . A vida desta infanta não se
encontra profundamente estudada, sendo sobretudo conhecidos os planos para o seu
casamento, nunca concretizado, primeiro com o rei Fernando VI de Espanha, depois
da morte de D. Maria Bárbara, e depois da morte deste, com o seu irmão e sucessor,
Carlos III (1716-1788), que ficou viúvo em 176042. Por volta de 1808, nas vésperas da
primeira invasão francesa a Portugal, preocupada com as verbas necessárias às obras e
manutenção do mosteiro que fundara, a infanta teve um gesto paradigmático das
mulheres da sua classe – liquidou uma das suas mais importantes joias, num episódio
cuja memória foi registada décadas mais tarde43:
O cónego Manuel Venceslau entregou uma joia [...], por não saber a quem pertencia
e somente lhe constar ter a joia referida um papel (que vai com a caixa da joia) escrito
pelo padre José Eloÿ Vieira, em que tratava desta mesma joia, e por isso supõem ter
sido da Sereníssima Senhora Infanta Dona Mariana, que Deus haja; e ter tido notícia
[de] ser uma que mandara vender, com licença de Sua Majestade, para a fundação do
Convento do Desagravo: a qual tinha ido a cargo do mesmo padre José Eloÿ em um
cofre quando foi a jornada para o Rio de Janeiro; e quando ele, cónego declarante,
41
42
http://patrimoniocultural.cm-lisboa.pt/lxconventos/ficha.aspx?t=i&id=667
Paulo Drumond Braga. Mariana Vitória de Bourbon: a rainha discreta (Lisboa: Temas e Debates, 2018),
185.
43 Episódio referido pela primeira vez em Godinho, Tesouros Reais, 44; e posteriormente em Gonçalo
Vasconcelos e Sousa. “Guarnição de corpete” em Catálogo do Museu do Tesouro Real do Palácio Nacional da
Ajuda, ed. José Alberto Ribeiro (DGPC / INCM, 2023).
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tomou conta do tesouro da Patriarcal, que tinha a seu cargo o dito padre José Eloÿ,
dera parte a S.M. que tinha achado aquela joia, e o mesmo senhor lhe ordenou [que]
a conservasse guardada; e agora tendo declarado à Sereníssima Senhora Infanta Dona
Isabel Maria, lhe ordenou a viesse declarar neste inventário: Um laço de peito com
trinta esmeralda no laço, e uma dita muito grande, no meio, tudo guarnecido de
brilhantes44.
[...] o laço de esmeraldas [...] apresentado pelo cónego Manuel Venceslau, o qual se
achava com outras coisas pertencentes à Patriarcal, guardado pelo seu antecessor, o
Pe. José Eloy, tesoureiro da mesma S.ta Igreja: a que também consta de um bilhete da
letra do mesmo P.e José Eloy, e que se acha dentro da caixa da mesma joia, declarando
que tinha sido da Sr.ª Infanta D. Mariana, que a mandara vender por onze contos de
reis para a fundação do Convento do Desagravo (a que instituiu herdeiro)45.
Figura 8. Anônimo, Retrato da infanta D. Maria Ana Francisca Josefa, 2ª metade do século XVIII. Óleo
sobre tela. Coleção particular. © Cabral Moncada Leilões, Lisboa.
44
45
ANTT, Gaveta 16, maço 3, nº74 - Autos do Inventário e Partilha de D. João VI, fl. 138.
Ibídem, fl. 319.
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Por estes dois relatos ficamos a saber que, para financiar o seu mosteiro, D. Maria Ana
decidiu vender a joia mais valiosa que a tia, D. Maria Bárbara de Bragança, lhe legara.
Neste caso, é interessante perceber como a infanta julgou estar informada do valor da
sua peça, tendo sido a própria a estabelecer o valor da venda: «onze contos» 46 .
Sublinhe-se também que, para tomar uma decisão destas, a infanta não era autónoma,
tendo sido necessária «licença de Sua Majestade».
Foi apenas durante o processo de partilhas de D. João VI, em 1827, que a joia
ressurgiu no universo da casa real, por ordem da então regente, D. Isabel Maria, que
«ordenou [ao guarda-joias da patriarcal] a viesse declarar neste inventário»47. A peça
configurava então um problema, uma vez que, nessa época, já não era possível apurar
a sua propriedade, permanecendo a dúvida se, quando D. Maria Ana tomou a decisão
de venda, fora D. João [VI] o comprador da joia e, no caso plausível de o ter sido,
ficava por esclarecer se o tinha feito com dinheiro da Coroa (público), ou com o seu
(particular). O esclarecimento desta dúvida era crucial para a decisão sobre o destino a
dar à peça, pois se fora paga com dinheiro da Coroa, passava a pertencer aos bens da
Coroa; se fora paga com dinheiro particular, entrava nos bens a partilhar pelos filhos.
Sem respostas, a infanta D. Isabel Maria decidiu que a joia fosse guardada com as
restantes preciosidades da Coroa, e assim permaneceu nos cofres da Coroa até ao fim
da monarquia, tendo, depois da implantação da república, sido incorporada no
património do Estado48.
Cravejada com esmeraldas de qualidade excecional, somando mais de 300
quilates, esta joia representa o que de melhor se produziu em Espanha nos meados do
século XVIII 49 . O desenho do laço tira partido da esmeralda central de tamanho
soberbo (47,91ct) e talhe hexagonal regular, certamente condicionado pelo cristal em
bruto de onde foi lapidada50. De quatro dos lados do hexágono central parte uma das
fitas que formam o laço, cujo centro é preenchido por uma fiada de grandes esmeraldas,
brilhantemente lapidadas à medida de cada curva, sendo, por essa razão, várias delas
lapidadas em forma trapezoidal irregular (fig.9).
46 No final do século XVIII, 11 contos equivaliam a 1719 ‘peças’ de 6400 reis, ou seja, 24,6 kg de
ouro, peso hoje equivalente a 1.231.484 euros (nota escrita em agosto de 2022, tendo o valor do grama
de ouro sido arredondado a 50 euros).
47 ANTT, Autos do Inventário[…], fl. 319.
48 Na década de 1860, esta joia foi totalmente remodelada a mando da rainha D. Maria Pia de Sabóia
(1847-1911), mulher do rei D. Luís. As gemas foram retiradas da armação e aproveitadas para a criação
de uma parure romântica composta por diversas peças. Sobre este assunto veja-se João Júlio Rumsey
Teixeira e Teresa Maranhas. “Os Diamantes são para sempre, as joias não: descravações e reconversões
de joias da família real no séc. XIX” em Coleções de Arte em Portugal e Brasil nos séculos XIX e XX, ed. Maria
João Neto e Marize Malta (Lisboa: Caleidoscópio, 2020), 95-113. DOI 10.30618/9789896586836.
49 Rui Galopim de Carvalho. “Sinopse do Estudo Gemológico” em Catálogo do Museu do Tesouro Real
do Palácio Nacional da Ajuda, ed. José Alberto Ribeiro (DGPC / INCM, 2023).
50 Na natureza, o berilo, designação do mineral que, na cor verde, se designa comummente por
esmeralda, cristaliza no sistema hexagonal.
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O impacto da herença da rainha de Espanha D. ...
Figura 9. Pormenor da lapidação trapezoidal das esmeraldas cravejadas nas curvas mais acentuadas das
laçadas da guarnição de corpete. © autor.
6. NOTAS SOBRE O DESTINO DE OUTRAS JOIAS DE D. MARIA
BÁRBARA
Como acabámos de testemunhar, depois de integradas nos acervos de cada
membro da família real, as antigas joias de D. Maria Bárbara serviram, durante décadas,
diferentes propósitos, de entre os quais o adorno das pessoas reais foi apenas um, a
par do ativo pecuniário que representavam, ou ainda da sua perfeita adequação com
presente político-diplomático na esfera da relação entre as famílias reais ibéricas. Como
exemplo desta última realidade basta ver como terão sido utilizadas duas destas joias
em 1785, quando D. Maria e D. Pedro, então já reis de Portugal, concertaram com
Carlos III (1716-1788), rei de Espanha, um novo casamento duplo de príncipes
ibéricos, ou seja, uma repetição da troca das princesas de 1729. Segundo o acordo, o
infante D. João de Portugal casava com a neta de Carlos III, D. Carlota Joaquina (17751830) e o infante D. Gabriel (1752-1788), filho terceiro do rei de Espanha, casava com
a filha mais nova de D. Maria I, D. Mariana Vitória (1768-1788).
De entre as joias que o então rei de Portugal, D. Pedro III, presentou à filha
que partiu para Espanha constavam dez estrelas de brilhantes, avaliadas em quase dois
contos51, e que deverão ter sido retiradas de um conjunto de quarenta e quatro estrelas
51
ANTT, CR, cx. 3750, fl. 5v.
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de brilhantes que constam no inventário de 1765, referente ao cofre de D. Pedro52. Se
assim foi, vinte anos depois de inventariadas no quarto do príncipe do Brasil,
regressaram a Madrid no enxoval de D. Mariana Vitória, agora infanta de Espanha.
Com o mesmo simbolismo, entre as joias presenteadas por D. Pedro III a D. Carlota
Joaquina na mesma ocasião, constava «uma árvore de grandes brilhantes com seus
peros dos mesmos brilhantes», avaliada em 6,4 contos 53 , peça que evidencia
corresponder à seguinte descrição do inventário de 1765: «um tronco de uma árvore
com dez peros de brilhantes e um pássaro posto no dito ramo, com pero no bico e
dez pingentes de diamantes cravados»54, por sua vez joia que, com toda a probabilidade,
D. Pedro herdara em 1762 da sua irmã Bárbara, tia-avó da agora noiva do seu filho, D.
Carlota Joaquina55.
Já compreendemos a forma como, depois da sua morte em 1786, o património
de D. Pedro III foi dividido, bem como seguimos os destinos do quinhão recebido
por uma das suas herdeiras, a princesa D. Maria Francisca Benedita. A prazo, depois
da morte da rainha D. Maria I em 1816, toda a restante herança de D. Pedro III acabou
incorporada no património D. João VI, à exceção das joias que o rei consorte tenha
eventualmente alienado ou oferecido em vida. A primeira grande dispersão do
conjunto aconteceu apenas depois da morte de D. João, em 1826, quando uma boa
parte do património de joalharia deste rei foi divida por cinco dos seus filhos56: o rei
de Portugal e imperador do Brasil D. Pedro IV (I no Brasil) (1798-1834), a infantaregente D. Isabel Maria (1801-1876), o rei de Portugal D. Miguel (1802-1866), a infanta
D. Maria da Assunção (1805-1834) e a infanta D. Ana de Jesus Maria (1806-1857),
mais tarde marquesa de Loulé pelo casamento. As vidas atribuladas de vários destes
príncipes fazem presumir que, ainda em vida, alguns tenham alienado várias das joias
que herdaram, entre as quais estariam peças da herança de D. Maria Bárbara.
A averiguação dos percursos subsequentes, e eventual identificação do
paradeiro atual de algumas destas joias é um trabalho de grande envergadura que
excede o âmbito deste artigo. Contudo, como vimos ao longo destas linhas, as joias da
herança de D. Maria Bárbara, bem como o seu percurso até ao segundo quartel do
século XIX, estão bem documentados, de forma que aquelas que ainda se mantiverem
intactas poderão, depois de localizadas, juntar-se à lista das quatro agora apresentadas,
que se conservam no Museu do Tesouro Real de Lisboa.
52
«Joias que vieram de Espanha, as quais o Príncipe usa e se guardam no quarto da princesa: Uma
caixa de lixa preta com trinta e seis estrelas de brilhantes, cada uma em sua casinha de papelão. Na
mesma caixa, mais oito da mesma qualidade» (Braga e Braga, “As Joias”, 308).
53 ANTT, CR, cx. 3750, fl.6.
54 Braga e Braga, “As Joias”, 304 (nº4).
55 Aranda Huete, Amelia. “Joyas hispano-lusas en la testamentaría de los infantes Gabriel de Borbón
y Mariana Victoria de Braganza (1788-1789)”, em Estudios de plateria: San Eloy 2021, ed. Jesús Rivas
Carmona e Ignacio José García Zapata (2021), págs. 37-53
56 Rumsey Teixeira, “Diamantes da Coroa Portuguesa”, 2023; e João Júlio Rumsey Teixeira e Teresa
Maranhas, “Joias do Tesouro do Palácio Nacional da Ajuda”, em Catálogo do Museu do Tesouro Real do
Palácio Nacional da Ajuda, ed. José Alberto Ribeiro (DGPC / INCM, 2023).
Librosdelacorte.es, OTOÑO-INVIERNO, nº 27, año 15 (2023). ISSN 1989-6425
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O impacto da herença da rainha de Espanha D. ...
7. CONCLUSÃO
A decisão dos legados de D. Maria Bárbara não terá sido alheia ao contexto em
que foi elaborado o seu testamento, a 24 março de 175657, menos de cinco meses
depois do terramoto que arrasou Lisboa, destruiu o palácio e o tesouro real português.
Sem geração do casamento com Fernando VI, não é difícil supor que a rainha de
Espanha pretendesse, com a distribuição do grosso das suas joias pela sua família
portuguesa, ajudar na recuperação da opulência da corte onde nascera, crescera e onde
dois dos seus irmãos reinariam.
Entre o final de 1761 e início de 1762, o acervo de joalharia da antiga rainha
de Espanha chegou a Lisboa, enriquecendo os cofres de todos os membros da família
real, com especial relevância o do seu irmão D. Pedro, príncipe do Brasil pelo
casamento, em 1760, com a herdeira do trono D. Maria; futuros reis D. Maria I e D.
Pedro III. Bárbara de Bragança sabia, por experiência própria, a importância que um
bom dote tinha para uma infanta e a diferença que este poderia fazer na hora de selar
um contrato matrimonial, talvez por isso tenha sido tão generosa com as suas quatro
sobrinhas que, à data da redação das últimas vontades da rainha de Espanha,
permaneciam todas solteiras.
Chegadas a Lisboa no momento certo, as joias da herança de D. Maria Bárbara
vieram reforçar excecionalmente o esforço de rápida reposição da opulência na corte
dos Bragança, no mesmo momento em que Lisboa inundava Paris de encomendas
fora-de-série, como a baixela Germain, ou a caixa de rapé forrada a diamantes de grande
tamanho que D. José mandou fazer ao joalheiro de Luís XV (1710-1774), hoje expostas
no Museu do Tesouro Real do Palácio Nacional da Ajuda. Nesta década de 1760, mas
igualmente por várias décadas subsequentes, o impacto da chegada das joias de D.
Maria Bárbara na diversidade e riqueza dos acervos de joalharia da família real
portuguesa foi de monta, como o comprovam os percursos, abordados neste artigo,
das peças desta herança que, de forma absolutamente excecional, chegaram aos nossos
dias.
57
Aranda Huete, “Jas Joyas”, 30.
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João Júlio Rumsey Teixeira
FONTES DOCUMENTAIS
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caixa (cx). 5140: Memória das Joias que vão para Portugal, segundo a ordem como foram
inventariadas.
Arquivo do Palácio Nacional da Ajuda (APNA), Inventário de 1842-1844.
ANTT, Gaveta 16, maço 3, nº74 - Autos do Inventário e Partilha de D. João VI.
ANTT, CR, cx. 3750.
ANTT, Casa do Infantado (PT/TT/CI/D-E/002/1381/1) – Documentos
vários da administração da quinta da Queluz.
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, manuscritos, I-15, 1, 67 – Inventário das
Joyas da Princeza N. Sr.ª feito em 14 de Janeiro de 1766.
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, manuscritos, 22, 3, 25 – Inventário das
Joias que S.A. que Deus guarde tem em uma caixa de ferro no seu quarto.
BIBLIOGRAFIA
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de Borbón y Mariana Victoria de Braganza (1788-1789)”, em Estudios de plateria:
San Eloy 2021, ed. Jesús Rivas Carmona e Ignacio José García Zapata (2021),
págs. 37-53
Aranda Huete, Amelia. “Las joyas de Fernando VI y Bárbara de Braganza”, em Estudios
de Platería. San Eloy 2006, ed. Jesús Francisco Rivas Carmona (Universidad de
Murcia, 2006), 21-44 DOI: 10.6018/editum.1367
Aranda Huete, Amelia. La joyeria em la Corte durante el reinado de Felipe V e Isabel de Farnesio.
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Madrid, 2002). Disponível em: https://eprints.ucm.es/id/eprint/2444/
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João Júlio Rumsey Teixeira
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Recibido: 16 de noviembre de 2022
Aceptado: 12 de mayo de 2023
Librosdelacorte.es, OTOÑO-INVIERNO, nº 27, año 15 (2023). ISSN 1989-6425
DOI: https://doi.org/10.15366/ldc2023.15.27.003
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