Isabella Rossellini reflete tempo e autoimagem: “Quero representar mulheres mais velhas” - Revista Marie Claire | Mulheres do Mundo
  • Miriam Spritzer, de Nova York
  • Colaboração para Marie Claire
Atualizado em
Isabella Rossellini para Marie Claire (Foto: Yossi Michaeli)

Isabella Rossellini usa terno, camisa e gravata Dolce & Gabbana (Foto: Yossi Michaeli)

Foi em uma segunda-feira gelada, típica do inverno novaiorquino, que encontramos Isabella Rossellini para as fotos e entrevista destas páginas. Era fim de dezembro de 2019 e esperávamos por ela ansiosas em um estúdio na Broadway – uma das avenidas mais famosas da cidade e muito provavelmente lugar no qual seu rosto foi visto incontáveis vezes. Fazendeira e criadora de galinhas (sim, você leu certo! Isabella vive em uma pequena fazenda em Bellport, a oeste de Manhattan, onde produz mel e cria animais, plantas e vegetais orgânicos), a escritora e pesquisadora, ícone da moda e do cinema, entrou no recinto sozinha. Vestia luvas, chapéu, suéter de gola alta, calça preta e sapatos baixos – “ótimos para a neve”.

A inquietação que tomava conta da sala antes de sua chegada foi para os ares no exato momento em que a atriz chegou e, com um largo sorriso, cumprimentou o primeiro a abordá-la: Zaza, o cachorro hipster que vive no estúdio. “Devo lhe dar atenção antes de todo mundo”, brincou. Ao perceber então a expressão de surpresa de nossa equipe com sua pontualidade, emendou: “Chego na hora combinada, sou sueca por parte de mãe. Mas também tenho um lado italiano, e sei que vocês, como nós, costumam atrasar”. Rimos bastante e logo entendemos que, assim como ela, nos sentiríamos em casa.

Isabella quase se esforça em passar despercebida. A roupa, os gestos e a delicadeza de sua presença denunciam uma mulher que não quer ser o centro das atenções. O que até conseguiria, não fossem o forte sotaque italiano, os olhos azuis acinzentados e a personalidade amável que não deixa ninguém se sentir desconfortável. Isabella também é impecável e extremamente generosa enquanto trabalha. Atendeu sem retrucar a todas as nossas demandas e fez questão de se entrosar com todo o grupo. 

Filha do cineasta italiano Roberto Rossellini e da atriz sueca Ingrid Bergman, ela nasceu e cresceu em Roma, na Itália, ao lado de sua irmã gêmea não idêntica, Isotta Rossellini – que seguiu seu caminho no anonimato e hoje é professora de literatura italiana na Universidade Columbia, também em Nova York. Entre a infância e a adolescência, superou um longo tratamento para a escoliose, condição com que foi diagnosticada aos 11 anos. Em que pesem as dores de coluna com que precisou lidar durante a infância, cultiva um amor irremediável por seu país. Especialmente por ícones gastronômicos de lá. Adora espaguete ao pomodoro e tem o hábito de tomar cappuccino todas as manhãs, em jejum. “Eu mesma preparo. Se não tomo, fico de mau humor”, conta. Da mãe, Ingrid, se lembra com ternura: “Era independente, coisa rara para as mulheres da época, e gentil. Aprendi com ela que não precisava ser autoritária. Ela dizia que a pior coisa do mundo era a insensibilidade em relação às outras pessoas. Era dona de uma enorme empatia, característica que espero ter herdado”.

Aos 18 anos, porém, a busca por “uma certa emancipação” levou Isabella aos Estados Unidos, onde começou sua vida profissional como repórter e tradutora na filial novaiorquina da televisão italiana, a RAI. Sua primeira agente como modelo, Frances Grill, fundadora da Click Model Management, foi essencial em seu processo de adaptação ao mercado de trabalho norte-americano. Com seus vinte e poucos anos, enfim aprendeu a não se sentir culpada em ganhar dinheiro. “Foi difícil porque eu ainda pertencia a uma cultura na qual as mulheres deviam ser casadas e servir à família.”

Isabella Rossellini para Marie Claire (Foto: Yossi Michaeli)

Isabella Rossellini usa terno, camisa, gravata e sapatos Dolce & Gabbana (Foto: Yossi Michaeli)

Ainda naquela época, em 1982, assinou o contrato que mudaria sua vida e se tornou o principal rosto da Lancôme, marca francesa de cosméticos do grupo L’Oréal. A empresa, da qual foi contratada durante 14 anos, lhe trouxe o reconhecimento e a autonomia financeira que sempre almejou. Estampado em revistas e outdoors no mundo todo seu rosto “era que nem Coca-Cola”. Com graça, ela lembra do dia em que a atriz norte-americana Laura Dern, que estava filmando em um vilarejo perto da Amazônia, ligou para ela do Brasil. Na linha, a amiga disse: “Aqui é tudo diferente, só há uma coisa que reconheço – o cartaz com a sua cara”. Isabella estava literalmente por todas as partes.

Ao passo que sua imagem ficava conhecida mundo afora, recebia mais e mais convites para atuar no cinema. Trabalhou em filmes icônicos como Veludo Azul (1985), drama dirigido por seu então namorado David Lynch, e A Morte Lhe Cai Bem (1992), uma sátira sobre a indústria da beleza. Ganhar o papel não foi difícil. Isabella lembra que, depois de fazer o teste para a comédia, o diretor Robert Zemeckis disse que ainda queria ver outras atrizes. Com o senso de humor que lhe é peculiar, ela insistiu: “Mas eu sou essa pessoa! Já vendo creme anti-aging. As outras, não”.

Com David Lynch, Isabella viveu por cinco anos. Antes, havia sido casada com o também diretor Martin Scorsese, de quem se divorciou para casar com o pai de sua filha, o executivo Jonathan Wiedemann. Mais tarde, também namorou o ator britânico Gary Oldman. Sua vida amorosa atual, no entanto, prefere deixar reservada.

Mesmo quarenta anos depois de sua primeira sessão de fotos, Isabella ainda se diverte ao ser retratada. Só que de outra forma. “Hoje, busco entregar mais que apenas beleza, por isso peço que não editem minhas imagens. Não quero parecer mais jovem, quero ser eu mesma, na idade que for. Quando dizem que pareço mais jovem respondo ‘obrigada’ porque sou educada. Mas gostaria muito de falar: ‘Tenho 67 anos e isso não é pecado’.”

Se reconhecer, aliás, nunca foi problema para ela. Mesmo assim, admite que sentiu o baque quando, aos 42 anos, foi considerada “velha demais para representar o sonho da Lancôme”. A quebra de contrato se tornou um acontecimento público e gerou polêmica justamente pela questão do etarismo – vulgo preconceito em relação à idade. “Vou confessar, ficamos com raiva um do outro”, diz. “Mas, com o passar dos anos, comecei a pensar que nos acertaríamos.” Pouco tempo depois, sua filha, a escritora Elettra Rossellini Wiedemann, foi contratada pela Lancôme. “Entendi que estavam nostálgicos de mim”, brinca. Vinte anos após o buzz da separação, a marca a sondou outra vez. Curiosa, foi até Paris conhecer a CEO da empresa. Pontual como de costume, chegou ao café para o encontro e se deparou com Françoise Lehmann na garupa de uma motocicleta. “Quando percebi que se tratava de uma mulher, entendi que o mundo havia mudado”, diz. Françoise deixou claro que queria consertar o erro cometido pela empresa em 1996 e que acreditava ser ela a melhor pessoa para falar sobre a passagem do tempo. Em 2016, então, a atriz disse sim novamente à Lancôme.

Sobre o futuro, Isabella prefere não cravar certezas ou metas. Responde que a vida é agora, que ama ser avó de Ronin Hendrick Lane, filho de dois anos de Elletra, e que a maternidade tem gosto diferente “quando os filhos já são adultos e se tornam pais”. Isabella também é mãe de Roberto Rossellini, adotado ainda bebê e modelo como ela.

Com a animação de uma colegial, na última década, a italiana decidiu voltar a estudar e fez mestrado em comportamento animal na Hunter College, em Nova York. A empolgação se estende também à atual carreira de atriz. “Os papéis para a minha idade estão ficando interessantes. Não é mais aquela coisa de interpretar a velha quase morta”, ri. “Um dos meus objetivos nessa seara é representar mulheres mais velhas. Mostrar que elas existem e têm vidas ativas. Assim como eu.”

Isabella Rossellini para Marie Claire (Foto: Yossi Michaeli)

Isabella Rossellini para Marie Claire (Foto: Yossi Michaeli)

Isabella Rossellini para Marie Claire (Foto: Yossi Michaeli)

Isabella Rossellini para Marie Claire (Foto: Yossi Michaeli)

Isabella Rossellini para Marie Claire (Foto: Yossi Michaeli)

Isabella Rossellini para Marie Claire (Foto: Yossi Michaeli)

MODA: ANA WAINER | DIREÇÃO DE ARTE: KAREN KA | BELEZA: ALINE LANE | CABELO: MARCO SANTINI | ASSISTENTES DE FOTOGRAFIA: JUSTIN MULROY, FRANCISCO FERNANDEZ | PRODUÇÃO-EXECUTIVA: VANDECA ZIMMERMANN | TRATAMENTO DE IMAGEM: STUDIO BRUNO REZENDE