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‘Favela não é só ambiente de carência, é um lugar também de potência’, diz Preto Zezé

Ativista social, o conselheiro nacional da Cufa acredita que falta diálogo entre as comunidades, o setor privado e o governo na busca por soluções

Cufa está presente em 5 mil comunidades em todo o País e foi criada para construir uma agenda positiva para as favelas. (Cufa/Divulgação)

Cufa está presente em 5 mil comunidades em todo o País e foi criada para construir uma agenda positiva para as favelas. (Cufa/Divulgação)

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Publicado em 19 de setembro de 2023 às 09h00.

“Favela é potência”, já dizia o empresário e ativista social Celso Athayde. O lema foi replicado e hoje é também o tema que move a Central Única das Favelas (Cufa), presente em 5 mil comunidades em todo o País. O cofundador da Cufa no Ceará e conselheiro nacional da instituição, Francisco José Pereira de Lima, mais conhecido como Preto Zezé, acredita que são necessárias políticas públicas, participação da iniciativa privada e um conjunto de ações para o enfrentamento das desigualdades sociais.

“Quando você começa a otimizar as relações entre o público, o privado e a sociedade, você tende a ter uma política de maior impacto e que acaba colaborando para reduzir a desigualdade. A gente precisa de um conjunto de políticas integradas, porque não tem uma política salvadora da pátria”, afirmou o ativista à Esfera Brasil.

Nascido em Fortaleza (CE), Preto Zezé se define como um sobrevivente. Entre os 12 amigos com quem conviveu enquanto vigiava carros, apenas dois estão vivos e em liberdade. Hoje, aos 47 anos, mora em São Paulo e é uma das lideranças da Cufa. Em fevereiro de 2011, assumiu a presidência nacional da entidade e, depois de quatro anos, assumiu a presidência global. Agora está à frente do Conselho.

Ele conta que foi o hip hop, a cultura de rua, que o levou para o ativismo social e, consequentemente, para a Cufa, a pedido de Athayde. No caminho, encontrou figuras importantes que o auxiliaram no crescimento profissional e está há 27 anos na instituição. “A Cufa nasceu da necessidade de se criar uma agenda positiva para as favelas. Nos organizamos e formamos lideranças pelo Brasil todo”, contou.

Para Preto Zezé, as empresas precisam olhar com mais atenção para as comunidades e notar o potencial que existe nos territórios. “O setor privado vê as favelas como um lugar de carência; o setor público, como gasto, nunca como oportunidade. As favelas representam um contingente de 20 milhões de pessoas. Hoje, elas somam R$ 280 bilhões de poder de consumo, que é o PIB [Produto Interno Bruto] do Paraguai e da Bolívia juntos, ou do Uruguai sozinho”, ressaltou.  

O empresário acrescentou: “Começaram a ver que esse povo trabalha para produzir riqueza, mesmo numa situação precária, difícil, essas pessoas conseguem se reinventar. A gente começa a tirar a favela das páginas policiais e falar de economia, então você faz uma migração. Isso produz um outro olhar sobre o território. É a virada de chave em que a favela não é mais vista somente como um ambiente de carência e vira um lugar também de potência”.

Veja também:

Territórios potência

A cada dez lares nas comunidades, sete são geridos por mulheres. Segundo Preto Zezé, são elas que decidem como a renda da família será gasta, por isso merecem uma atenção especial da sociedade.

Na avaliação do ativista, quando as empresas percebem que tudo se trata de negócios, elas descobrem que “o social e o econômico dialogam e não são concorrentes”. No entanto, ainda há preconceito em se investir nas comunidades.

“As marcas, empresas e serviços que vão se destacar nesses ambientes são aquelas que não estiverem desconectadas da vida dessas pessoas. Se estiverem preocupadas só na questão do lucro, vão perder outras oportunidades, inclusive de fidelizar o cliente”, pontuou Preto Zezé.

Para exemplificar, ele citou uma empresa que vende fraldas. Se ela decidir construir uma creche na comunidade, poderá impactar positivamente a população local e, ao mesmo tempo, vender mais. O exemplo pode ser replicado para diferentes nichos econômicos.

Iniciativas

Bons exemplos já estão em prática. Ele lembrou da Favela Holding, comandada por Celso Athayde, que reúne 27 empresas que atuam nas áreas de marketing, logística, telefonia, comunicação, outdoor, influência digital e produção musical e cultural. A atividade começou na região Sudeste do País, devido à maior concentração de empresas, mas a tendência é de expansão no Brasil.

Outro exemplo é a Favela Log, empresa de logística de entrega de produtos dentro de comunidades em cinco cidades. A estimativa é chegar a dez municípios até o fim do ano. De acordo com Preto Zezé, 87% dos moradores de favelas compram pela internet, mas somente 46% recebem os produtos. “Existe um vácuo enorme por causa de territórios que não têm CEP, endereço ou não conhecem a área. Então a gente instala um centro de distribuição dentro das favelas e faz as entregas das grandes empresas”, explicou.

Um desafio e uma oportunidade nas comunidades estão na área de tecnologia. “Não temos acesso à internet de qualidade. O 5G está aí, mas para quem? Para quantos?”, questionou Preto Zezé.

Segundo o conselheiro da Cufa, a realidade pode ser mudada por meio do diálogo, quando as empresas começarem a pensar junto com as comunidades os produtos e negócios. O mesmo vale para o setor público.

“Quando você coloca um equipamento público com cogestão dos moradores da favela, o impacto vai ser maior, o resultado, a otimização dos recursos e do tempo, a eficiência de gasto, a preservação do patrimônio e o envolvimento da sociedade. Fazer junto é uma forma de otimizar tudo”, disse.

Ele destacou que se as políticas públicas não estiverem alinhadas, os resultados também não serão os esperados. “Se você botar uma escola em um território degradado, sem saneamento, que só tem violência, onde ninguém cuida das crianças e das mulheres, esses problemas vão para dentro da escola. Não existe educação sem cultura, tecnologia, infraestrutura, financiamento e acesso ao crédito. Então é uma série de fatores em torno de políticas integradas.”

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